ARTIGO | VIDAS NEGRAS IMPORTAM?
“Naquela esquina ali
De frente àquela praça
Veio os homens
E nos pararam
Documento por favor
Então a gente apresentou
Mas eles não paravam
Qual é negão? qual é
negão?
O que que tá pegando?
Qual é negão? qual é
negão?” (O Rappa)
Um adolescente de 14
anos é baleado dentro de casa no Rio de Janeiro. Uma menina de oito anos é
atingida por um tiro dentro da van. Um jovem de 18 anos é baleado e morto numa
fila para entrega de cestas básicas. Um homem é barrado na entrada do seu
prédio pela vizinha que não acreditou que ele morasse lá. Uma estudante de
quinze anos foi alvo de insultos e agressões verbais pelos colegas de turma de
uma escola de elite.
Esses casos são reais, e
não é coincidência que as vítimas sejam pessoas negras.
O assassinato de George
Floyd, na última semana, nos Estados Unidos, nos comove pela crueldade e
desumanidade da cena de seus últimos suspiros.
No Brasil, todos os
dias, a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado. De acordo com o Atlas da
Violência de 2019, ocorreram 65.602 homicídios em 2017 no país, sendo que 75,5%
das vítimas eram negras. Para cada indivíduo não negro vítima de homicídio,
houve 2,7 corpos negros mortos.
A população negra no
Brasil está sofrendo um genocídio frio e calculado. Será exagero? O que é um
genocídio? De acordo com o artigo 6º do Estatuto de Roma (Decreto nº
4.388/2002) genocídio é um conjunto de atos praticados com intenção de
destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso,
enquanto tal.
A nossa história é
marcada pelos mais de três séculos da escravidão do povo negro. Durante esse
período, o Brasil recebeu cerca de 4,8 milhões de africanos escravizados, os
quais mantiveram o funcionamento da economia nacional. Com o advento da
abolição, os escravos foram substituídos pela mão-de-obra branca dos imigrantes
como parte de um projeto higienista de branqueamento da população. Nos dias que
se seguiram, eles vagavam sem rumo pelas cidades e muitos acabaram permanecendo
em um regime de trabalho forçado em troca de casa e comida. Medo e violência
foram os pilares deste sistema, que se perpetua até os dias atuais.
Diferentemente do que
aprendemos na escola, o Brasil não é e nunca foi uma democracia racial, e os
marcadores sociais compravam isso.
De acordo com o
professor e sociólogo Francisco Porfírio, o que temos no Brasil é um fenômeno
denominado racismo estrutural, isto é, “um tipo de racismo que não é explícito
em um preconceito ou em uma discriminação clara, mas que está enraizado na
sociedade”.
Observamos o racismo
estrutural na diferença de renda, no nível de empregabilidade e de
marginalização da população negra em relação à população branca.
Uma rápida análise da
população que vem sendo mais afetada pela pandemia de Covid-19, também revela
que é a negra, cuja maioria reside em áreas de risco com quase nenhuma
infraestrutura sanitária e possui maior comprometimento da sua saúde.
O Estado brasileiro se
comprometia a estabelecer políticas concretas para a superação do racismo. Com
essa finalidade, as ações afirmativas foram criadas para ampliar o acesso ao
ensino superior. O Programa Universidade para Todos permitiu que muitos jovens
negros e negras fossem os primeiros de sua família a receber um diploma de
graduação.
Havia uma Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial em âmbito federal que se
preocupava com a formulação de políticas públicas e que trouxe avanços
importantes. Exemplo disso, foi a inclusão no currículo oficial da Rede de
Ensino da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” (Lei nº 10.639/2003) e
a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. Sem dúvidas, são conquistas
inegáveis do movimento negro e marcos legislativos importantes. Contudo,
carecem de efetividade até hoje pela falta de suporte político e adesão
popular.
Nesses 132 anos
pós-abolição, houve tentativas de combate ao racismo pela via institucional,
porém, ainda assim, o povo afro-brasileiro vive nas senzalas urbanas, são
mortos diariamente em confrontos policiais, estão sujeitos a trabalhos
precários e com baixa remuneração.
Vidas negras importam?
Sim! E se queremos ver uma sociedade mais justa e igualitária, precisamos
começar agora. Não é um caminho fácil, mas é cada vez mais necessário.
Autoras:
Maristela dos Reis S.
Gripp é professora da área de Linguagens e Sociedade do curso de Letras do
Centro Universitário Internacional Uninter
Mariana dos R. Sather
Gripp é bacharel em Direito e autora da pesquisa Escravidão e fluxos
migratórios: “depois dos navios negreiros outras correntezas”, 2019
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