MANEJO FLORESTAL, MESMO LEGAL, AMEAÇA ÁRVORES NOBRES DA AMAZÔNIA




A exploração madeireira legal por meio de concessões de florestas é considerada hoje uma das melhores estratégias para conter o desmatamento, mas um novo estudo que analisou projetos já existentes na Amazônia lançou um alerta: as espécies de árvores mais nobres podem estar sendo afetadas a ponto de chegaram perto de desaparecer em algumas regiões.
É o que indica uma análise feita pelos pesquisadores Vanessa Richardson e Carlos Peres, da Universidade East Anglia, publicada nesta quarta-feira, 13, na revista PLOS ONE. Investigando os dados de 824 locais de extração de madeira legal no Pará, Estado responsável por quase metade da produção madeireira da Amazônia brasileira, eles observaram que uma vez retirado um número grande de indivíduos de espécies como cedro brasileiro, ipê e pau-rosa, eles não voltam a crescer a níveis comerciais e podem sumir completamente.
Foram avaliados os dados referentes à extração de 17,3 milhões de metros cúbicos de madeira de 314 espécies de árvores, incluindo tanto manejos antigos, que vem dos anos 1970, a projetos mais novos. Em ambos os casos, as "espécies de madeira mais valorizadas e procuradas têm sido repetidamente extraídas ao ponto de colapso demográfico sub-regional em razão da procura, da facilidade de acesso por estradas, dos sistemas de posse da terra e dos preços de mercado da madeira", escrevem os autores.
Espécies precisam de tempo
Esse colapso ocorre porque essas espécies demandam um longo período para crescer e amadurecer. "O madeireiro faz a mineração da mata. Tira as espécies mais valiosas do ponto de vista do mercado, mas coincide com o fato de que elas são as mais lentas para crescer", explica o biólogo brasileiro Carlos Peres. Segundo ele, em geral em um manejo bem feito, há uma manutenção de pelo menos 90% das espécies que existiam no local. O novo trabalho aponta, no entanto, uma mudança na composição florística.
"Mas 30 anos para a dinâmica florestal dessas espécies não é muita coisa. Algumas nem chegam à idade reprodutiva nesse período, ainda não floresceram pela primeira vez", complementa o pesquisador.
O trabalho atual foi feito com base nos dados fornecidos pelos próprios madeireiros. Mas a pesquisadora britânica, que liderou o levantamento, esteve durante o seu doutorado no Pará visitando locais de extração de madeira no Estado e constatou in loco o empobrecimento da mata. "Conversei com madeireiros que tinham atuado no modelo tradicional e hoje fazem extração de baixo impacto e eles contaram que era um trabalho muito triste, que sobrava muito pouca da floresta depois", lembra.
Já foi pior
Os pesquisadores ressaltam que a maior parte do problema é anterior aos planos de manejo atual, quando não havia muito rigor sobre o que era extraído, a partir dos anos 70 ou até antes. "É impossível reconstruir o histórico local de cada concessão, mas o que sabemos que as áreas exploradas há mais tempo hoje tem um volume de espécies de alto valor muito menor. Nesses locais o madeireiro está ganhando menos hoje. Nosso estudo mostra que há consequências econômicas e ecológicas no manejo", afirma Peres.
"Não se pode dizer que nas áreas mais antigas a floresta era manjada sempre da forma como são as legalmente manejadas hoje. O padrão de depleção que nós mostramos ocorre tanto porque essas regiões tiveram uma exploração pouco cuidadosa no passado e também por causa do modelo atual. Ele não garante a sobrevivência dessas espécies", complementa Vanessa.
Em seu trabalho de campo, ela calculou que para cada árvore derrubada para o corte seletivo legal e certificado de baixo impacto, morrem em média 12 árvores pequenas, por acidente, no impacto, criando grandes clareiras. "Nesse lugar ocorre uma proliferarão de espécies de crescimento rápido e madeiras leves. A floresta fica totalmente diferente, mais susceptível ao fogo. Com o passar do tempo, as estradas construídas para tirar a madeira facilitam a conversão também do solo para agropecuária ou para entrada de caçadores que podem, por exemplo, diminuir o número de animais responsáveis justamente pela dispersão de sementes dessas árvores nobres", explica.
Ainda a melhor opção
A dupla se apressa a dizer, no entanto, que o manejo legal ainda é a melhor opção para a proteção da biodiversidade, na comparação com outros usos do solo na Amazônia, como agricultura, pecuária ou mesmo a
extração ilegal. Hoje no Brasil estima-se que 90% da madeira comercializada tem algum grau de ilegalidade, e a atividade é considerada o ponto de partida para a degradação e o desmatamento da floresta.
Mas os pesquisadores sugerem que novos parâmetros sejam adotados nos planos de manejo, como um tempo maior, de 50 a 60 anos para o próximo ciclo de exploração. "O primeiro ciclo de corte fosse a primeira facada na degradação da floresta. Para garantir a recomposição dessas árvores nas concessões florestais, o ideal seria proibir o segundo ciclo, ou no mínimo adiar, ou diminuir o limite do volume legal para o corte, porque no modelo atual vai demorar muito mais do que 30 anos para recompor as espécies", defende Vanessa.
Peres sugere também que outras espécies sejam consideradas para exploração, em especial as de crescimento mais rápido. Segundo ele, no grupo das mais sensíveis estão cerca de 50, num universo de cerca de 5 mil espécies de árvores na Amazônia. "Poderia se diminuir a retirada de indivíduos mais nobres e criar um equilíbrio com espécies mais resilientes, que têm uma taxa de regeneração mais alta. Quando faz as concessões, o governo só define quantos metros cúbicos podem ser retirados. Deveria trazer algumas cláusulas para prot eger as nobres, deixar algumas árvores reprodutivas. Poderia aumentar o leque de opções do madeireiro para não sobrecarregar tanto as mais sensíveis", afirma o pesquisador.

Fonte/Foto: Estadão Conteúdo – São Paulo/Ricardo Moraes - Reuters

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