PENSAR NÃO PRESTA
- por Roberto
de Faro (*)
Pensar?
Nem pensar.
Não dizem que quem pensa
não faz filho?
Pois então?
Coisa que não simpatizo é
com esse troço de ficar cismando, pensando sem necessidade.
É custoso e só faz agoniar
a gente.
Não gosto dessa quizília.
A modo o apetite
desvanece.
E o sono vai na companha
dele também.
Bem que era bom perder o
apetite.
Vasqueira como tá a
pescaria, que tem dia que não dá um peixe, unzinho que seja, nem pra remédio, e
caça, então, que se enfurnou pros confins dos centros, era até bom um
jejunzinho.
Mas não desse jeito.
Quero dizer, de ficar
deitado na rede, imaginando.
Penso só pro gasto.
O que aprecio mesmo é a
ação.
Na doida, sem rodeio.
Mais das vezes, dá certo.
E quando não dá, remedeio.
Tordia , a Joana chegou
pra minha banda, dizendo mesmo assim, com aquela cara de sonsa que ela tem:
“Não tá na hora, meu velho, da gente arrumar uma barraca na cidade e se mudar
pra lá? Os meninos tão crescendo e precisados de escola. Aqui nestas brenhas
quem vai ensinar pra eles as letras?”
Pronto.
Já não comi nem dormi como
devia.
E quem precisa já de letra
pra viver?
Tiro por mim.
Não tou homem feito, pai
de onze filhos criados na tipuca , morando aqui na várzea, no que é meu?
Careci por um acaso de
escola?
Ora essa!
Isso foi bem coisa daquele
padre Ambrósio que parou de passagem por aqui, na semana passada, no rumo do
Varrevento.
Andou – que Deus me
perdoe, que eu não sou de levantar falso – botando minhoca na cabeça da mulher.
Eu bem que desconfiei
daquele nhem-nhem-nhem pra cá, nhem-nhem-nhem pra lá, azucrinando a coitada lá
na cozinha, enquanto a pobre se aviava pra agradar a visita.
Vê se teve coragem de
falar comigo sobre esses assuntos?
Ele sabia que ia ouvir
umas poucas e boas se metendo na nossa vida.
Pois é.
Ela nunca falou nisso
antes, como é que agora me vem com essa invenção de morar na cidade?
Eu sou será homem dos
luxos?
É, porque na cidade, até
de sapato a gente tem de andar.
Tem cabimento?
E de que a gente ia viver
lá se eu não tenho a profissão deles, dos da rua?
Pescar, caçar, cuidar do
gadinho, isso eu sei.
Dou até aula pra quem
quiser.
Agora, lá, o que já que eu
ia fazer?
Passar fome e vergonha,
isso sim.
Tá certo que por aqui não
tem mais a fartura de antigamente.
Os pesqueiros acabaram com
a nossa fartura.
E até os fazendeiros
viraram sojeiros.
Não se vê mais aquele mar
de gado pastando.
É só campo de soja a
perder de vista.
Nesse embalo, lá se foi o
leite, a coalhada, o queijo, a carne e o serviço, quando a gente sempre ganhava
umas diariazinhas, ferrando gado e castrando a garrotada.
A gente come será essa tal
de soja que eu não sei nem pra que serve?
Esse povo inventa cada
moda!
Antigamente foi com a juta.
Todo mundo queria ter o
seu jutal.
Nessas beiradas, eu que o
diga, era só o que se via.
A cabocada parou de criar,
parou de tocar sua vidinha, pra se meter nesse negócio que dava um trabalhão do
inferno, mais principalmente no tempo do corte, dentro d’água, a bom ser
chupado por sanguessuga.
E no que deu?
Tá certo que até ganharam
um dinheirinho, mas depois, perderam tudo, quando a fibra deu pra trás.
E pra piorar a situação,
começaram a aparecer bando desses barcos pesqueiros, vindos da caixa-prego,
arrastando peixe de tudo que era tope e deixando no rastro deles só essa
carestia desconforme de grande.
Agora tá todo mundo
influído com essa tal de soja.
Só quero ver a cara deles
daqui uns tempos.
Vai ser a mesma coisa da
juta.
Isso vai.
Pode escrever.
Esse pessoal não aprende
mesmo.
E aí, mano velho, acho que
não vai sobrar é nada.
Quer dizer, vai sobrar
sim, mas é fome, mais do que já tá.
Acho mesmo que é o fim dos
tempos, como já dizia o finado Agostinho.
E olhe que no tempo dele
não tava tão ruim como agora.
Pra mim, só tava
começando, mas ele já via o resultado.
Como já disse no começo,
não me dou bem com esse negócio de ficar pensando.
Me dá uma agonia dos
diabos e eu não posso fazer nada, nadinha.
É por isso que não me
agrada nenhum tiquinho a tarefa de pensar.
Isso é coisa lá pros
brancos que não tem o que fazer.
Sou mais é de trabalhar.
E por falar nisso, vou já
pegar minha tarrafa e dar um bordo pelo lago, na tenção de arrumar a boia pra
família.
A pesca tá dificultosa,
como já me referi, mas o baco-baco não pode faltar na mesa.
Tem que se atamancar
qualquer coisa.
Antão, é bom parar de
pensar e ir andando, antes que o sol se alevante e bote a pescaria a perder.
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- (*) Roberto
de Faro, nascido em Faro (PA), é escritor, contista e poeta.
Ocupa a cadeira de número 34, da APL (Academia Paraense de Letras).
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