AMAZONENSES QUE ESTUDAM EM PARIS FALAM DA XENOFOBIA FRANCESA APÓS ATENTATO À REVISTA CHARLIE




Eles estão certos que a rejeição dos franceses com os imigrantes será pior após os ataques da última semana, e acreditam que os árabes não serão as únicas vítimas de racismo
“O medo é visível em cada morador de Paris”, diz Avelino Netto, de 34 anos, o amazonense que começou a estudar na Sorbonne, a mais famosa universidade da França, em 2013, depois que foi contemplado com uma bolsa de estudos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Na última quarta-feira (7), por volta das 11h30, ele conta que estava no metrô a caminho da Sorbonne quando o trem parou e uma voz avisou que por motivo de segurança o trem ficaria parado na estação Saint Michel, uma estação antes da que Netto deveria ficar. Então, ele resolveu seguir a pé.
“Só depois da minha aula soube, por um amigo, da morte dos 12 profissionais do jornal Charlie Hebdo. Se o trem seguisse ficaríamos mais próximos do lugar onde aconteceu o ataque”, explica. Netto diz, ainda, que todos os seus amigos preferiram cancelar os compromissos na cidade.
“Eu estava em casa e meus amigos mandaram mensagens avisando sobre o ocorrido. Eles disseram que as ruas logo ficaram vazias e a Sorbonne também”, relembra a amazonense Sandy Pereira, 20. Ela foi para a França, em 2013, estudar Lettres Modernes na Sorbonne. “Ainda não tinha entendido nada muito bem até que todas as páginas da internet foram tomadas pelo movimento Je Suis Charlie”, confessa Sandy.
A rotina de Paris “mudou um pouco”, como diz Sandy. Algumas linhas do metrô estão interditadas, os shoppings têm escoltas por guardas e as ruas permanecem mais vazias.
Xenofobia
“A sociedade francesa é xenofóbica”, afirma categórico Netto, ele está certo de que todos os imigrantes e turistas devem esperar por uma França mais fechada.
“Ontem mesmo um comentarista da TV France 1 falou que o país deve ser mais rígido para liberar vistos aos imigrantes. Estamos vendo as pessoas que professam a religião islâmica sofrendo preconceito, mas as consequências dos ataques não acontecerão apenas para os árabes e seus descendentes, mas para todos os imigrantes também. Basta ir a um café francês e observar as conversas para notar que o preconceito e o racismo pairam sobre Paris”, disse.
Sandy concorda com a análise de Netto e também está convencida que a França vai dificultar a permanência e entrada de todos os imigrantes, especialmente a dos árabes. Ela também confessa que a vida do estrangeiro na França não é muito confortável e que todos os dias vê atos xenofóbicos.
A amazonense revela que os seus amigos mais próximos na Sorbonne não são nativos. “Nunca sofri nenhum preconceito na universidade, mas a minha relação com os colegas franceses não é a das melhores. Sou mais próxima dos portugueses e ingleses, a realidade é que interagimos melhor com quem é estrangeiro como nós”, explicou.
Hollande
A popularidade do presidente François Hollande não é das melhores, mas ao que parece, dessa vez ele atendeu a expectativa. É o que acredita Netto ao ver a reação popular. “O que os franceses queriam aconteceu na sexta-feira (9), os terroristas morreram”. O amazonense se refere a ação policial em Dammartin-en-Goële, a cerca de 40 km de Paris, que resultou na morte dos irmãos Said e Cherif Kouachi.
Jornal
Polêmica é um dos ingredientes do jornal Charlie Hebdo que publica, semanalmente, sátiras humoradas a respeito da extrema-direita, todas as religiões, política e cultura.
O editor-chefe do jornal, Stephane Charbonnier, que morreu no ataque do dia 7, já havia declarado em entrevista ao jornal espanhol  El País que deplorava a violência e não a provocava, ele declarou: “Não somos responsáveis pela violência dos fanáticos”.  
Limites
A amazonense que foi para a França estudar afirma que lamenta a morte das vítimas, mas se pergunta sobre os limites das brincadeiras. “Sinto muito sobre o atentado, mas é verdade que a França tem atos contra a moral deste povo diariamente”, diz Sandy Pereira.
Comentário
Chistine Ad é uma jornalista francesa que mora em Lyon, 391 km de Paris (em linha reta). Ela diz que os ataques são o assunto predominante em todo o país e não é possível fugir dele nem mesmo com a sua filha de apenas 8 anos.
“Não é nada fácil procurar palavras mais doces para explicar o inexplicável à Juliet. Ela quer saber melhor o que está acontecendo, porque está vendo as pessoas com medo e porquê todos estão fazendo homenagens. É necessário que eu diga o que as pessoas estão temendo ou ela pode simplesmente ouvir alguma versão distorcida dos fatos por aí e se tornar racista e preconceituosa”, reconhece a jornalista.
“Procurei palavras para contar o que aconteceu e expliquei que não podemos permitir que toquem na nossa liberdade de imprensa”, declarou.
Fonte/Foto: Cynthia Blink – ACRITICA.COM/Maris Sanne

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