TEXTO URGENTE DE DOM ERWIN KRÄUTLER, BISPO DO XINGU E PRESIDENTE DO CIMI
Dividir e conquistar: os conflitos e violências da
intervenção federal no Tapajós
Atribui-se ao imperador romano Júlio César (+44 a.C.)
a expressão “Divide et impera”. O ditado sugere que para um povo perder sua
força e seu brio e assim ser mais facilmente dominado, a estratégia é dividir,
criar discórdia, jogar uns contra os outros. Provocar a divisão entre os povos
e populações locais é uma estratégia histórica e sistematicamente usada pelos
governos e grupos econômicos interessados na exploração dos recursos naturais
até então de usufruto exclusivo destes povos e populações.
Os governos e grupos econômicos usam esta estratégia
da divisão para romper ou enfraquecer a resistência destes povos que,
evidentemente, não se conformam e não aceitam o fato de terem suas terras
invadidas, sua cultura agredida, seus projetos de vida destruídos.
Os governos e grupos econômicos não hesitam em
provocar, favorecer e alimentar fraturas políticas entre potenciais aliados dos
povos e populações locais que se opõem aos seus interesses. Usam esta artimanha
a fim de colocar em lados opostos pessoas e organizações que poderiam estar
articuladas e atuando conjuntamente no apoio e fortalecimento da resistência
destes povos e populações.
Os governos e grupos econômicos defendem a tese
segundo a qual os povos, populações locais e organizações de apoio seriam os
“sujeitos da violência” nesses processos. Por isso, qualquer mobilização que se
contraponha aos interesses do governo e dos grupos econômicos é rotulada de
“baderna”, “arruaça”, “confusão”, “agitação”, “violência”. É o típico caso de
“culpabilização da vítima”. Tentam assim camuflar o fato de que são eles
próprios os protagonistas da violência e justificam o uso da força policial do
Estado para implementar seus interesses. Invariavelmente aplicam a estratégia
da “criminalização” de lideranças a fim de enfraquecer qualquer resistência.
Os governos e grupos econômicos nunca assumem a
responsabilidade pelos desequilíbrios e fraturas políticas. Sempre jogam a
culpa em alguma organização, alguma pessoa ou grupo de pessoas que atuam nas
respectivas regiões.
Essas premissas se aplicam hoje perfeitamente à região
do Tapajós, onde o governo pretende construir o chamado “Complexo Hidroelétrico
do Tapajós”. Representantes do governo bem treinados e desprovidos de qualquer
tipo de senso ético atuam com grande afinco na região, de modo especial junto
aos Munduruku, povo que impõe a maior resistência ao projeto governamental.
Preocupados damo-nos conta de que o governo federal e
os grupos econômicos têm alcançado relativo sucesso nesta estratégia,
especialmente no que tange à provocação de divisões e desequilíbrios entre os
Munduruku e potenciais aliados deles na região. A obstinação do governo federal
em cumprir o calendário de viabilização do Complexo Hidroelétrico do Tapajós
está causando sérios conflitos e violências. A “divisão interna” provocada pela
intervenção federal entre os Munduruku e daqueles que lutam em defesa do
projeto de vida do povo, contribui para que o governo, as empreiteiras e os
grupos econômicos avançam, desdenhando de quem não reza por sua cartilha, na
implementação de seu projeto de morte.
O momento exige bom senso, serenidade, ausculta
aguçada às necessidades do povo e diálogo entre caciques, guerreiros e demais
lideranças Munduruku na busca de consenso sobre as formas de ações que possam
efetivamente impedir a construção das hidroelétricas no Tapajós e a consequente
desestruturação do povo.
Afirmamos nosso compromisso e disposição de apoio
irrestrito à luta dos Munduruku contra os projetos de morte que os ameaçam.
Fonte/Foto:
Movimento Xingu Vivo Para Sempre
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