BREVE HISTÓRIA DA DEVOÇÃO A NOSSA SENHORA DE NAZARÉ


O nosso coração mariano e paraense já se enche de alegria, pois se aproxima nossa grande festa, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Se por um lado muitos são os devotos, por outro poucos destes conhecem a história desta devoção. Neste sentido, apresentaremos de modo breve os caminhos singrados até o círio tornar-se o que é hoje.
A tradição sugere que a pequena imagem foi esculpida por São José, na presença da Virgem Maria, por isso ela foi chamada de Nazaré, já que esta era a cidade na qual a sagrada família fez morada. A imagem foi levada à Belém de Judá por um monge que fugia da perseguição romana, chegando lá entregou a imagem a São Jerônimo. Sendo perigoso mantê-la na palestina, ela foi entregue a Santo Agostinho que a enviou para um mosteiro em Mérida na Espanha.
Três séculos depois, início do século VIII, a imagem teve que ser retirada da Espanha por causa da ocupação dos mouros, tendo sido seu novo destino Portugal, mais precisamente o monte de São Bartolomeu. Neste lugar a imagem ficou escondida por cerca de quatro séculos, quando na manhã de 14 de setembro de 1182, dom Fuas Roupinho, alcaide-mor do Castelo de Porto de Moz e amigo do rei Dom Afonso Henrique, caçando um cervo que fugia em disparada, deparou-se a um abismo. Em meio ao grande perigo que estava, clamou a intercessão da Virgem de Nazaré: “Valei-me Nossa Senhora de Nazaré!”. Após a exclamação, o cavalo volteou com violência sobre os cascos traseiros evitando a queda mortal, após o milagre obtido pela intercessão da santíssima virgem, dom Fuas mandou construir uma capela naquele mesmo lugar em honra daquela por cuja intercessão sua vida tinha sido poupada. Após o milagre, a capela tornou-se centro de peregrinação de reis e navegadores, destaca-se o navegador Vasco da Gama, que antes de sua viagem para as índias, recorreu à intercessão da virgem.
Mudemos agora de tempo e lugar, estamos por volta de 1700 e o protagonista não é mais um nobre fidalgo português, mas um caboclo amazônico chamado Plácido José dos Santos. Este em meio a suas caminhadas pela mata, que eram certamente costumeiras, já que segundo a tradição, Plácido era caçador, achou entre as pedras do igarapé Murutucu uma pequena imagem, que tratou de levar para casa. No dia seguinte para a sua surpresa a Imagem não estava onde ele havia deixado, ele então correu ao local onde a havia achado e lá estava ela, após inúmeras tentativas fracassadas de mantê-la em sua casa decidiu construir uma pequena capela naquele local. Temos aí a primeira Igreja de Nazaré, a atual, que se seguiu a outras construídas no mesmo local daquela que o caboclo Plácido edificou, foi concluída em meados do século XX. Em seu interior, enriquecido por belos mosaicos e vitrais, temos contada a história da Virgem Maria e da sua invocação sob o nome de Nazaré.
Após o achado da imagem, a devoção popular imediatamente começou, pois lá era caminho de muitos viajantes, já que o lugar era próximo da “Estrada do Utinga”, fato que ajudou a propagar a devoção que ali se iniciava. Pouco mais de vinte anos depois, o bispo da época Dom Bartolomeu de Pilar esteve na capela atraído pela grande devoção que ali se consolidava, na ocasião, Plácido sugeriu ao bispo a construção de uma nova igreja, cuja sugestão foi prontamente aceita, sendo erguida entre 1730 e 1744.
No ano de 1793, o governador Sousa Coutinho tendo observado o já grande número de peregrinos que se dirigiam a Igrejinha para venerar a Virgem de Nazaré, teve a ideia de organizar uma grande feira com produtos agrícolas e extrativistas para serem comercializados no período em que se costumava celebrar a festa (mês de agosto). Porém, em junho de 1793 este fica doente, condenado a não comparecer a festa, fez a promessa que se caso melhorasse, iria buscar a imagem, levá-la para a capela de seu palácio e depois voltaria com ela para a sítio de Nazaré. Graça alcançada, promessa cumprida. Temos então em 8 de setembro de 1793 o primeiro Círio de Nazaré. O termo "Círio" tem origem na palavra latina "cereus" (de cera), que significa vela grande de cera, objeto comumente usado para se pagar promessas.
Em três de julho de 1793, o governador determina que no final de setembro de cada ano se organizasse festejos em honra a Nossa Senhora de Nazaré no largo de sua ermida, devendo a imagem na véspera ser levada a capela do palácio dos governadores (hoje Palácio Lauro Sodré) a fim de ser transferida no dia seguinte novamente para sua ermida, surge aí a primeira procissão do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, que segundo o historiador Antonio Baena, teve a seguinte configuração “devotos de ambos os sexos concertados em alas, uma de mulheres em seges, e duas de homens a cavalo, e que ele (Governador) pessoalmente se adunaria a este religioso séquito indo também a cavalo logo após o veículo com a imagem” (cf. Compendio das Eras da Província do Pará, p. 227).
Observamos assim que o primeiro itinerário do Círio foi entre Igreja de Nazaré e Capela do Palácio dos Governadores, sendo este modificado em 1882 pelo bispo Dom Antônio de Macêdo Costa, que de acordo com o Presidente da Província, Dr. Justino Carneiro, determinou que a partida do Círio fosse da Catedral do Bispado, em Belém. Para os que não sabem, a Catedral é assim denominada pela razão de ter em seu interior a “cátedra”, cadeira de onde o bispo diocesano como pastor, guia suas ovelhas. A Igreja que hoje vemos tem a mesma localização de uma construída logo que os portugueses por aqui aportaram, a atual edificação foi inaugurada em 23 de dezembro de 1755 e seu interior foi reformado por Dom Macedo Costa no final do século XIX.
Quanto à data, inicialmente estabelecida para final de setembro, o que não acontecia de fato, pois a procissão por vezes se realizava entre setembro, outubro e até novembro. Em 1876 um decreto fixou o último domingo de outubro para a festa. Em 1901 o então bispo dom Francisco do Rêgo Maia colocou em prática essa ordem que posteriormente foi modificada para sua data atual, segundo domingo de outubro.
Após a imagem da Virgem Santíssima, é certamente a corda um nos maiores objetos de devoção dos fiéis. Sua origem remonta o ano de 1885, quando na hora da procissão, a baía do Guajará tinha transbordado, para que a berlinda (que era puxada por bois) pudesse avançar, tiveram a ideia de lhe passar uma grande corda em volta, pedindo aos fiéis que a puxassem, dessa forma a berlinda pôde vencer o atoleiro e assim constituiu-se a tradição de atrelar uma corda a berlinda.
Os Carros são elementos muito significativos na procissão do Círio de Nazaré. A berlinda incontestavelmente é o carro mais importante, pois carrega a pequena imagem. Inicialmente ela não existia, pois a imagem era levada no colo pelo bispo, quando a berlinda foi incorporada a procissão esta era puxada por bois e depois pela corda. Sua função é proteger a imagem e proporcionar uma melhor visualização da mesma. Além da Berlinda, temos na romaria a presença de outros carros que foram surgindo em tempos distintos. Estes retratavam vários episódios ligados a devoção a Virgem de Nazaré, como o milagre de Dom Fuas Roupinho, que já relatamos, e o do brigue São João Batista. Há ainda os carros que retratam aspectos da fé católica como o da Santíssima Trindade e os Anjos. Além da barca dos milagres, que recolhe os objetos em cera levados pelos devotos no cumprimento de suas promessas.
Concluo estas breves considerações com o que é, talvez, o elemento que mais nos remonta as realidades do Círio de Nazaré, os Hinos em devoção a Santíssima Virgem. Os hinos se constituem na Igreja em um dos mais importantes elementos de devoção e propagação das verdades de fé, ao ouvi-los logo nos remetemos ao que a música visa comunicar. O som de “Vós Sois o Lírio Mimoso” inevitavelmente nos remonta ao Círio, a imagem daquela pequenina escultura envolta por um mar de gente. Colocamos abaixo a estrofe de um belíssimo e antigo hino em honra a Nossa Senhora de Nazaré, façamos dele nossa afetuosa oração a mãe de Deus e nossa:
“Porta do céu vós sois chamada,
Mimosa flor de Jessé,
Vós sois a nossa rainha,
Ó virgem de Nazaré!”
Estrofe do Hino Bendita Sois Maria, publicado do Jornal A Palavra, no dia 10 de outubro de 1926.
Fonte/Imagem: João Antônio Lima/Arquivo AA

REFERÊNCIAS
BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Compêndio das Eras da Província do Pará. Belém: Universidade Federal do Pará, 1969.
BRAGA, Laíses do Amparo. Duzentos anos de fé. Belém: Editora Falângola, 1992.
COELHO, Geraldo Mártires. Uma crônica do maravilhoso: legenda, tempo e memória no culto da virgem de Nazaré. Belém: Imprensa Oficial do Estado, 1998.
JORNAL A PALAVRA, publicado em 10 de outubro de 1926.
RAMOS, Alberto Gaudêncio. Cronologia Eclesiástica do Pará. Belém: Editora Falângola, 1985.
REVISTA CÍRIOS DE NAZARÉ. Belém: Editora Círios, 1997.


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