“AMAZÔNIA AINDA NÃO ESTÁ INTEGRADA AO RESTANTE DO PAÍS, É COMO UMA COLÔNIA” (GENERAL EDUARDO VILLAS BÔAS)
Para o comandante militar
da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia é como uma colônia do Brasil.
"Ela não está integrada ao país e, portanto, não há conhecimento de sua
realidade e potencial", diz o general Eduardo Villas Bôas, 61, desde 2011
à frente de 19 mil homens e 9.300 km de fronteiras.
Em entrevista na sede do
comando, em Manaus, ele citou a ausência estatal na floresta, criticou a
política indigenista oficial, alertou sobre a ação de ONGs na região e aprovou,
com ressalvas, o programa Mais Médicos.
Evitou, porém, bater de
frente com o governo federal, principalmente quando o assunto eram os índios.
"Quando digo que há dois problemas na política indigenista do país, não
faço críticas ao governo. Somos nós. Nós temos esse problema", disse.
Também evitou falar sobre
a Comissão da Verdade, que apura a violação dos direitos humanos na ditadura
militar.
"Cada militar tem uma
opinião sobre isso. É um assunto sensível. Se a gente ficar expressando, traz
prejuízo tanto para o Exército quanto para o governo federal."
Leia abaixo os principais
trechos da entrevista.
Folha -
Brasília sabe o que acontece na Amazônia?
General Villas Bôas - Na parte da defesa até sabe. O que ocorre é que, em pleno século 21,
o país não completou sua expansão interna. Temos metade do nosso território a
ser ocupado, integrado à dinâmica da sociedade. A Amazônia, como não está
integrada ao país, não há conhecimento no sul da sua realidade, seu potencial.
É como se fosse uma colônia do Brasil. Ela não é analisada, interpretada,
estudada e compreendida numa visão centrada da própria Amazônia. Isso nos
coloca numa posição periférica.
Quais são as principais
necessidades da população local?
As reais necessidades da
população da Amazônia chegam ao centro-sul de maneira distorcida. Com isso,
monta-se uma base de conhecimento desfocada, com soluções não apropriadas. A
população, principalmente no interior, não tem necessidades básicas atingidas.
Em grande parte, não há nenhuma presença do governo do Estado. Em algumas áreas
as Forças Armadas são essa única presença.
O material humano e
financeiro atual do comando militar é suficiente para monitorá-la?
Não é suficiente. A partir
da Estratégia Nacional de Defesa, em 2008, a Amazônia virou prioridade. Mas só
de fronteira temos 11 mil km. E nossa capacidade de vigilância está basicamente
restrita ao fator humano. Monitorar toda essa área só será possível com
tecnologia incorporada, cujo sistema de monitoramento está em desenvolvimento e
custará R$ 10 bilhões até 2020. Desde 1999, o Exército tem poder de polícia na
faixa de fronteira [150 km de largura], isso estabeleceu nova responsabilidade.
Outro aspecto é a grande vulnerabilidade que o país todo tem. Estamos no século
21 e um país da nossa dimensão não tem um satélite. Não vamos ter autonomia
total enquanto não tivermos nossos satélites. Por isso este projeto está no
Ministério da Defesa.
Concorda com a
demarcação de novas terras indígenas?
A discussão é importante.
Veja o que aconteceu na Raposa/Serra do Sol [cujos não indígenas foram
retirados]. Foi feita demarcação, e as estruturas econômicas tiveram que sair.
Hoje os índios têm dificuldades para encontrar alternativas viáveis. O que a
iniciativa privada proporcionava ali, o governo tem dificuldade de
proporcionar. A participação do Congresso é importante, pois viabiliza a
participação de outros setores. Eu acho positivo, sim. Os índios, coitados,
ficam prisioneiros de duas vertentes: o interesse econômico e a fundamentalismo
ambientalista.
Como o sr. avalia a
política indigenista brasileira?
Há dois problemas. E não
estou fazendo críticas ao governo. Somos nós, Brasil. Primeiro, os órgãos que
atuam na Amazônia, nessas questões típicas, ambiental e indígena, têm estrutura
deficiente. O governo trabalha para ampliar, mas ainda é carente. O segundo
aspecto é que a política indigenista é muito geopolítica. Ela se resume
praticamente a delimitar as terras e os índios ficam confinados nelas. Seria
interessante que a delimitação fosse seguida de outro tipo de programa que
desse sustentação à vida dos índios. Por maior que seja a terra, a vida do
índio não se viabiliza. Os recursos naturais vão se esgotando. Nossa política
está muito homogênea do ponto de vista de não reconhecer diferentes níveis de
aculturação das comunidades.
Qual é o papel das ONGs
estrangeiras na Amazônia?
Além de tudo que
representa, a Amazônia tem um papel muito grande na integração sul-americana.
Ela abriga a solução para alguns dos grandes problemas que afligem a
humanidade, como água, energia renovável, biodiversidade, mudança climática.
Isso justifica toda essa pressão em torno da Amazônia que faz a opinião pública
internacional. Nesta semana, o governo está passando leis no Congresso
estabelecendo mecanismos de controle mais rígidos sobre as ONGs do ponto de
vista da movimentação financeira. Não é o caso de estigmatizar as ONGs, elas vieram
preencher espaços e atender necessidades da população que nem o primeiro nem o
segundo setores têm capacidade de atender. Mas há coisas fora de controle, e a
gente fica numa insegurança, não sabe quem são, quais os objetivos. E muitas
vezes [elas] atuam no sentido contrário aos interesses do governo brasileiro.
Pode citar um exemplo?
Veja a dificuldade para
asfaltar a BR-319 [que liga Manaus e Porto Velho. Em 2009, o braço brasileiro
da ONG americana Conservation Strategy Fund divulgou estudo afirmando que a
reforma da estrada traria prejuízo]. É uma rodovia que já existiu, não gerou
desflorestamento, não houve prejuízo ambiental. Mas o governo não consegue
fazer... é um absurdo. Manaus está conectada à Venezuela, mas não ao restante
do Brasil. É extremamente difícil viabilizar a recuperação dessa rodovia, são
forças que realmente têm capacidade de intervir e inibir isso. E muito por
causa do fundamentalismo ecológico. Não se faz omelete sem quebrar o ovo, se
vou lançar um gasoduto, alguma árvore vou derrubar. É uma visão pragmática.
Qual é a sua opinião
sobre o programa Mais Médicos?
Se me perguntar quais são
os dois principais problemas da Amazônia, eu diria que é logística e médico.
Nós fazemos atendimento à população civil e até a índios. No interior não tem
médico. Realmente é uma necessidade. Mas acho que eles têm que pensar na parte
de estrutura, condições de trabalho. Pois acho que as mesmas realidades que
causam a saída dos médicos brasileiros desses municípios poderão causar a não
permanência do médico estrangeiro. A gente visita município que não tem
estrutura de saúde. O programa é necessário, mas é importante que não fique
restrito somente à colocação dos médicos.
Em 2005, o então
comandante do Exército, general Albuquerque, disse 'o homem tem direito de
tomar café, almoçar e jantar, mas isso não está acontecendo [no Exército]'. A
realidade atual mudou?
Mudou muito. O problema é
que o passivo do Exército era muito grande, foram décadas de carência. Desde
2005, estamos recebendo muito material, e agora é que estamos chegando a um
nível de normalidade e começamos a ter visibilidade. Não discutimos mais se vai
faltar comida, combustível, não temos mais essas preocupações.
O senhor tem
acompanhado a Comissão da Verdade?
Como profissional e
militar, me interesso, sim. Mas na minha instância, institucionalmente, não há
nenhuma implicação para nós.
Fonte/Foto: folha.uol.com.br/Joel Rosa - Em
Tempo
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