AMAZÔNIA ANCESTRAL, TROPICAL E VIBRANTE
Na primeira semana da expedição “Austral: Mantis da Amazônia”, os pesquisadores do Projeto Mantis começaram a mapear a região e as áreas que serão exploradas durante a noite. Mas chega a ser difícil se concentrar em uma coisa só, com tanta beleza por todos os lados
Chegamos à Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Cristalino,
no Mato Grosso, e sinto que voltei talvez duzentos anos no tempo. Encontramos
uma Amazônia ancestral, tropical e vibrante, viva como nunca imaginei ser
possível nos tempos em que estamos.
Graças à reserva e outras Unidades de Conservação e Terras
Indígenas no entorno, a biodiversidade gigantesca que temos visto sobreviveu à
devastação. Estou emocionado com o que se apresenta frente a meus olhos e não
há palavras ou poesias que descrevam o que já vivemos em apenas uma semana.
Ainda assim, tentarei transmitir a vocês essa experiência ao longo da expedição
Austral: Mantis da Amazônia.
Aqui o dia amanhece inundado pelo som de aves misteriosas e, como
trabalhamos à noite, elas apenas embalam nossos sonhos com imagens vívidas dos
segredos da floresta. Há camadas e mais camadas sobrepostas de verde, em todas
as tonalidades existentes. Folhas largas ou curtas, cipós e lianas, epífitas e
árvores colossais. A vida aqui busca cada possibilidade de existência, exibindo
cores e comportamentos naturalmente belos.
Por todo lado o sol reluz nas asas dos insetos. São abelhas,
borboletas, besouros, moscas, não como os clássicos que nos apresentam desde
crianças, e sim os excêntricos, intrigantes, maravilhosos em seu pequeno e
ameaçado mundo. Bugios ecoam ao longe, macacos-da-noite correm ligeiros pelo
dossel. O coaxar de sapos e pererecas nos igarapés é lindo, os anfíbios nos
sorrindo com seus grandes olhos.
Caminhamos pelas trilhas de dia, marcando os pontos em nosso GPS
para conhecer a área e retornar ao anoitecer, quando a floresta se torna um
labirinto. Somos guiados pela Jéssica e o Sidnei, biólogos de qualificação
incrível e, principalmente, com uma vivência genuína e conectada à rede da vida
desta floresta. Eles nos lembram que aqui, como em quase nenhum outro lugar do
Brasil, os grandes animais não têm medo e existem em abundância. Portanto, é
preciso estar atento para respeitar o espaço e tempo de cada um.
Na primeira manhã, então, ouvimos o som dos queixadas, um
verdadeiro coletivo de pequenos deuses que moldam esta mata. Aqui meus olhos se
enchem d’água ao lembrar. Os estalos que fazem com a boca, conversando entre
si, tomam nossos ouvidos incrédulos. Estavam perto, víamos de relance sombras
mais cinzas que as da floresta por entre o emaranhado de brotos e arvoretas que
surgem do chão. Esperamos, esperamos, até que um deles se apresentou a menos de
dez metros de nós. Levantou o rosto e nos olhou intensamente entre aquele
verde, para então lançar o aviso aos outros de que havia alguém ali. Ninguém
correu, nem eles, nem nós. Apenas convivemos.
A queixada (Tayassu pecari) tem esse nome devido ao som que emite
ao bater o “queixo”, como forma de se comunicar com o grupo. A espécie ocorre
em quase todo o Brasil.
Doutro canto algo os assustou, e seguiu o estrondo da retirada,
junto a um cheiro característico de exalam por glândulas do corpo. Recebemos as
boas-vindas na Amazônia viva.
Este foi apenas um dos tantos encontros que já vivemos em apenas
uma semana. Não há espaço nem tempo para relatar todos, mas aos poucos tentarei
transportá-los à esta floresta. Aqui na RPPN Cristalino nossos mantis queridos
também estão por todo lado.
Do ponto de vista científico, a expedição Austral já é um sucesso,
com uma variedade impressionante de espécies de louva-a-deus. Do lado pessoal,
é um prazer imenso poder revelar a diversidade deles nessa reserva tão
importante e acolhedora. Sinto como se voltasse à casa, apesar de nunca ter
vindo aqui.
Talvez seja o sentimento de quem vive uma floresta tão viva, por
isso doeu muito sobrevoar a região e ver que o Arco do Desmatamento segue
pressionando a Amazônia, com sua paisagem monótona, de um verde claro viçoso e
triste, de pastos e plantações, cerceando o coração do mundo.
Sigo acreditando que o conhecimento tem o poder de mudar isso.
Quero conhecer os seres desta mata por seus nomes, existentes ou inventados por
mim em plena conexão com eles. Ao conhecê-los, ganho respeito, admiração, amor,
e posso transmitir essa relação aos que estão ao meu lado, aos que leem meus
relatos, ao mundo.
Quanto mais sonharmos essa floresta ampla e viva, e apoiarmos a
pesquisa, a educação, a resistência, mais perto estamos de manter ao menos
essas pequenas máquinas do tempo, onde a natureza se apresenta infinita e
diversa. Essa reserva, como outras espalhadas pelo Brasil, traz um vislumbre do
passado, mas lembra-nos que estamos vivos, que tamanha Amazônia fantástica
ainda existe agora e precisa também ser nosso futuro.
Fonte/Fotos: Leo Lanna - Greenpeace – Projeto Mantis
Nenhum comentário:
Postar um comentário