NO PARÁ, JUIZ INTIMA ACUSADOS DO CASO ÁLCOOL EM GEL
Nos autos da Ação Civil de Improbidade Administrativa por dano ao
Erário e violação aos princípios administrativos, ajuizada pelo 4º Promotor de
Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa de
Belém, em exercício, Daniel Henrique Queiroz de Azevedo, o juiz João Batista
Lopes do Nascimento, da 2a. Vara da Fazenda Pública da Capital, despachou ontem
mandando intimar, na condição de réu, o delegado-geral de Polícia Civil do
Pará, Alberto Henrique Teixeira de Barros, assim como o coordenador de
Licitações da Polícia Civil do Pará e sócio-administrador da empresa Leão
Assessoria e Consultoria em Licitações
LTDA, Leão da Costa Leão Neto; o
delegado de polícia civil do Pará Reinaldo Marques Júnior; a empresa Art Farma
Ltda. – EPP; os empresários Adriana Rodrigues Lazera e Paulo Correa Lazera
Júnior; o procurador da empresa Ubiratan Lessa Novelino Júnior e a contadora e
procuradora da Art Farma, Viviany Valente Fonseca. Intimou também o Governo do
Estado para, querendo, integrar a lide na qualidade de litisconsorte.
Na petição inicial, o Ministério Público do Estado do Pará
historia que, ao tomar conhecimento de que a Polícia Civil do Estado do Pará
comprou 4 mil litros de álcool em gel 70% pelo valor de R$ 55,00 cada litro, da
empresa Art Farma LTDA, com nome de fantasia “A Fórmula”, pela Dispensa de
Licitação nº 005/2020-PC/PA (processo nº 2020/241649), com vista à instrução de
inquérito civil, requisitou ao Delegado Geral Alberto Teixeira, no prazo de dez
dias úteis, cópia integral do procedimento nº 2020/241649, incluindo contrato e
quaisquer outros documentos, inclusive algum que não tenha sido publicados no
site das aquisições decorrentes da Covid-19. Questionou a justificativa para o
fato de a quantidade e qualidade (garrafas de 500 ml) do produto estarem em
desacordo com o termo de referência da contratação; a forma de consulta para
formação do mapa de preços que subsidiou a compra, esclarecimentos de quem
foram os representantes das empresas consultadas e qual o meio usado - e-mails
ou telefones de contato de cada um; e os cálculos que justificaram a quantidade
adquirida, a exata destinação do álcool em gel, com especificação dos locais
onde o planejamento prévio indicava que deviam ser enviados e quantos frascos
para cada um; e o prazo em que foram efetivamente entregues. Mas nenhuma
resposta foi enviada, tampouco justificativas.
Assim, o promotor passou a analisar o procedimento de contratação
no 2020/241649 no próprio site da Transparência do Governo do Pará, onde
identificou provas de fraudes, direcionamento e superfaturamento de preços, de
modo que não restou outra alternativa ao “Parquet” senão interpor a ação.
O MP constatou que, após ter assinado nota de empenho, no dia
23.03.2020, para pagar à empresa Tidimar Comércio de Produtos Médicos R$
33.800,00 por 2 mil litros de álcool, o delegado-geral autorizou, no dia
seguinte, contratação direta da Art Farma LTDA, que resultou em outro empenho,
na data de 27.03.2020 (4 dias depois), no montante de R$ 220 mil, por 4 mil
litros, sem qualquer fundamentação formal (e-mail comprova), pagando a maior R$
152.400,00, por igual quantidade de álcool em gel e na mesma apresentação de
frascos de 500 ml, o que teria correspondido a superfaturamento de 225%.
O promotor frisa na denúncia que sequer existe, na Dispensa de
Licitação nº 005/2020-PC/PA, qualquer cotação de preços por outras empresas,
apesar de existirem dezenas de farmácias de manipulação em Belém, que poderiam
fornecer o mesmo produto, além de outros fornecedores que se destinam à venda
de álcool em gel. Consta apenas um mapa de preços, que não se presta aos fins
legais, pois é documento assinado pelo delegado Reinaldo Marques Jr., diretor
de Administração, e sem proposta formal a subsidiá-lo. Também não há
informações de como as empresas ali nomeadas foram supostamente consultadas ou
quais critérios mínimos justificaram a escolha delas. Nem prazo de entrega ou
forma de pagamento que as empresas supostamente consultadas teriam oferecido,
bem como tal pesquisa tinha sido feita sem base em quaisquer dos parâmetros
estabelecidos no termo de referência da contratação. Consta só proposta da Art Farma LTDA, sem data e inadequada ao
conteúdo do termo de referência.
O promotor de Justiça observou não houve divulgação em meios de
comunicação oficiais ou mídias sociais acerca da intenção de tal compra de
grande monta (30 mil litros de álcool em gel, conforme seu termo de
referência).
Na ação, o MPPA compara os
R$ 55 por litro de álcool em gel gastos pela Polícia Civil com os R$ 18,35
pagos pela Prefeitura de Belém em 26.03.2020, quase no mesmo dia, por idêntico
produto, o que corresponde a cerca de um terço a menos.
No site “painel de preços”5, que condensa compras públicas, foi,
inclusive, feita uma ampla planilha de preços de licitações ocorridas em todo o
Brasil, no período de 20 de março a 1º de abril deste ano, momento em que se
constatou não apenas que o produto estava sendo comercializado com dezenas de
empresas diferentes (muitos fornecedores), como que a média de preços era de R$
17,54, ainda que considerado o formato de 500 ml de álcool gel e não o de um
litro, tal como estava previsto do termo de referência da contratação.
A má-fé dos envolvidos é incontestável para o MP, pois no próprio
site da Polícia Civil havia comunicado de que entre 19 e 30 de março de 2020
(período que engloba a dispensa de licitação) a PC fiscalizou diversos
estabelecimentos na região metropolitana de Belém, a fim de apurar a comercialização,
com preços abusivos, de materiais hospitalares, inclusive álcool em gel. E
destacou trecho da matéria divulgada no site da Polícia Civil:
(...)
“Desse total de álcool em gel, mais de mil litros, acondicionados
em 241 vasilhames de 5 litros, apreendidos pela Polícia Civil durante a
operação “Usura”, foram distribuídos entre os órgãos que compõem o sistema de
segurança pública, Secretaria Estadual de Saúde e Secretaria Municipal de Saúde
de Ananindeua. A apreensão desse material se deu após denúncias recebidas que o
litro de álcool em janeiro era vendido a R$ 17,99 e agora em março estava sendo
comercializado a R$ 46,60. E o de 5 litros estava sendo vendido a 76,90 e,
neste mês, a R$ 199”, explicou o delegado-geral, Alberto Teixeira. (Grifou-se).
O promotor Daniel Azevedo observa que o próprio Delegado Geral, Alberto Teixeira,
responsável pela Dispensa da Licitação, estava à frente da “operação Usura”, no
mesmo período dessa contratação, inclusive prendendo empresários, fechando
estabelecimentos e apreendendo produtos, por estarem comercializando o litro de
álcool em gel no valor de R$ 46,60, o que caracterizaria Crime Contra a
Economia Popular, pelo aumento abusivo de preço no período da Pandemia e diante
do aproveitamento de momento de tanto sofrimento e dificuldade da população,
para locupletar-se de forma ilícita. E que, infelizmente, esse comportamento
considerado criminoso pela Polícia Civil foi exatamente o mesmo adotado pela
Art Farma LTDA., porém, nesse caso, absurdamente, deixou de ser feita a prisão
dos empresários e apreensão da mercadoria, e, ao contrário, celebrou contrato
de aquisição dos produtos superfaturados com dinheiro público.
No mesmo período, a Prefeitura Municipal de Piên, no interior do
Paraná, na data de 23.03.2020, comprou álcool em gel 70%, por meio da Dispensa
de Licitação n° 017/2020, processo n° 54312020, e cada litro custou R$ 8,05,
conforme extrato juntado aos autos.
Conforme a ação, o direcionamento foi tamanho que, segundo consta
na própria proposta da empresa, “de acordo com conversa com o Sr. Leão, a
entrega seria feita de forma fracionada que seria previamente negociada”,
"o que beira o absurdo, pois toda a aquisição se baseava em urgência e
emergência, mencionada em diversos momentos do procedimento, o que, inclusive,
foi o fundamento da realização de contratação direta, com dispensa de
licitação.
A denuncia salienta que o próprio parecer jurídico no 625/2020-
CONJUR identificou, ainda que timidamente, que precisaria ser adicionada
pesquisa de preços em sistema de compras públicas (SIMAS, no caso). Não
obstante as irregularidades apontadas no parecer jurídico, o Delegado Geral
deixou de corrigi-las e ratificou a contratação, sem encaminhar antes ao controle interno, de modo
que, no mesmo dia, 30.03.2020, ainda assinou o contrato com os procuradores
legais da fornecedora, bem como autorizou o empenho dos valores da contratação.
De modo que só no dia 23.04.2020, quase um mês após a contratação
- que tramitou com extrema velocidade (4 dias) – os autos foram encaminhados o
setor de Controle Interno da Polícia Civil, quando foi produzido despacho
inócuo, por não haver mais o que ser corrigido.
Frisando a inexistência de propagação de casos de COVID-19 no Pará
no mês de março - a própria Sespa
informou oficialmente 21 casos
confirmados em 30.03.2020 -, além do que a Polícia Civil recebeu 600
litros de álcool em gel, em decorrência de decisão judicial da lavra do juiz
Carlos Magno Gomes de Oliveira, da 3a Vara Criminal de Ananindeua, nos autos do
processo no 0002885-07.2020.814.0006, no dia 25 de março de 2020 - no exato
momento em que se realizava a compra denunciada - os quais poderiam ser
distribuídos nas trinta e cinco Delegacias da zona metropolitana de Belém,
cujos servidores estavam mais expostos à contaminação, o que seria suficiente
para dar tempo para licitação, o promotor Daniel Azevedo afirma ser mais um
fator que afasta a alegação de urgência na contratação com valores
exorbitantes.
Ao fim de 263 páginas, o MP requereu afastamento do cargo público
e indisponibilidade de bens, quebra de sigilo bancário, busca e apreensão de
aparelho celular e proibição de os envolvidos contratarem com o poder público.
Fonte/Fotos: Franssinete Florenzano
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