O QUE DEVE ACONTECER COM AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS EM 2020 -- E POR QUÊ
Na contramão do que
aconteceu na Bolívia e em outros 60 países pelo mundo, o Brasil não adiou suas
eleições. Na França, houve um primeiro turno caótico em março, com alto índice
de abstenção e cancelamento do segundo turno — só deve acontecer em 28 de
junho. Nos EUA, a eleição presidencial está mantida para novembro.
Por aqui, o Congresso
Nacional avalia possíveis mudanças. O ministro do Supremo Luís Roberto Barroso,
que assume a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na próxima
segunda-feira (25), afirmou que as eleições deste ano podem vir a ser
realizadas em dois dias, para evitar aglomerações.
Entre a população,
62,5% aprova o adiamento das eleições, segundo pesquisa da CNT (Confederação
Nacional dos Transportes). Mas empurrar o dia da votação para frente implica
mudar as regras de todo o jogo eleitoral. Diante de um cenário que já está
sendo influenciado pela pandemia, fica o questionamento de como ela também pode
influenciar o resultado das urnas e o sistema democrático.
Como funciona o
processo eleitoral? Tudo é regido por dispositivos constitucionais. Está na lei
que as eleições devem ocorrer no primeiro domingo de outubro e, em caso de
segundo turno para cargos majoritários, a votação ocorrerá três semanas depois.
Mas há todo um preparo para que a festa da democracia aconteça: há o período
para regularizar o título, cadastrar todos os candidatos no TSE, fazer
propaganda eleitoral e campanhas, testar as urnas eletrônicas, além da análise
da prestação de contas daqueles que foram eleitos até o dia da posse. Para
mudar qualquer etapa do calendário eleitoral é preciso aprovação de uma PEC
(Proposta de Emenda Constitucional) no Congresso, garantida pela aprovação de
3/5 dos deputados e senadores, em dois turnos.
E em que pé isso
está? O assunto foi levantado esta semana na Câmara pelo presidente Rodrigo
Maia (DEM-RJ). A proposta mais popular entre os membros é de adiar a data da
eleição sem alterar os mandatos. Isso implica menos tempo entre a eleição e a
posse, mas evitam-se aglomerações para realização de testes nas urnas e
campanhas. "Os atos preparatórios e os de fiscalização posteriores à
eleição são ditados por prazos definidos na lei. Empurrar a eleição para muito
perto do dia da posse implica postergar esses atos, mas é importante, ao mudar
a legislação, que se preserve a transparência das candidaturas", afirma
Silvana Batini, professora da FGV Direito Rio e procuradora Regional Eleitoral
do Rio de Janeiro.
Qual o dilema, então?
Pela lei, há restrições quanto à aplicação de programas assistenciais e uma
série de regras para gastos de dinheiro público em ano eleitoral. Com a
pandemia, tudo mudou, e isso pode favorecer ou prejudicar certas candidaturas.
"A necessidade pode colocar em destaque quem tem a máquina pública na mão:
quem tem mais dinheiro tem mais possibilidade de fazer distribuição de bens e
recursos. Isso pode, de certa forma, trazer desequilíbrio", analisa
Batini. Sem contar a possibilidade de casos de corrupção por superfaturamento
de gastos que podem surgir. Sem tempo hábil para investigar das candidaturas, o
TSE não tem como avaliar a legalidade do processo.
Isso significa que
pode haver fraude? Não necessariamente. "A institucionalidade tem
mecanismos para passar por isso e soluções legais para alterar a constituição
sem precisar mudar mandato", diz Batini. A grande discussão em torno da
alteração do calendário eleitoral é o quanto isso pode prejudicar a democracia
de fato. Além da transparência do processo, há o risco de aumento da evasão no
dia da eleição. Na França, as eleições municipais aconteceram no dia 15 de
março, no início da pandemia, e apenas 45% dos eleitores compareceram às urnas.
Foi a maior taxa de abstenção da história do país. Quem vai ter coragem de se
aglomerar para votar, mesmo em outubro? No Brasil, as últimas eleições
presidenciais já apresentaram grau de abstenção de quase 20%, o que corresponde
a cerca de 30 milhões de eleitores. O que se estuda é a possibilidade de
suspender a obrigatoriedade do voto para os grupos de risco, ou aumento de
efetivo policial para garantir a segurança do processo no dia da eleição para
essas pessoas, segundo especialistas.
Em outubro já não
teremos passado pelo pior? Não há como saber. "O vírus é carregado de
incerteza. A gente não sabe se a pandemia brasileira está no pico, se vai
piorar e quanto tempo pode levar para diminuir o risco", diz Michael
Mohallem, professor e coordenador do Centro de Justiça e Sociedade da FGV
Direito Rio. A única certeza é que a pandemia vai influenciar as eleições,
tanto na forma como será feita quanto em seus resultados. "Vai ser um bom
termômetro para ver como a população avalia as medidas de restrição e as ações
tomadas pelos políticos para lidar com a crise", avalia. Medidas de
restrição mais duras podem ser vistas como impopulares e colocar candidaturas
em risco. Para Mohallem, o grande tema dessas eleições será o combate à
Covid-19.
A pandemia pode
enfraquecer a democracia? Esse é mais um debate que tem preocupado os
especialistas. De certa forma, cancelar eleições é eliminar a possibilidade de
participação política pelo voto. Há outra solução à mesa: a realização de eleições
únicas em 2022, o que pode acarretar confusão para o eleitor sobre o papel de
cada governante e sobrecarregar o TSE. Por outro lado, é um modo de prevenir a
propagação do vírus. "A pandemia tem colocado os governantes no olho do
furacão. É possível que as pessoas voltem a confiar no papel do Estado, mas
também pode haver mais críticas, a depender das decisões", avalia
Mohallem. A forma de fazer campanha pode ser afetada também e aprofundar a
crise nas democracias. Numa situação hipotética: os governos podem acionar a
polícia militar para encerrar um ato de campanha? A coisa pode ficar tensa.
Qual será o papel das
redes sociais? Se as eleições de 2018 já foram pautadas pelo WhatsApp, o que
levou ao acirramento da polarização, as de 2020 devem intensificar esse
processo. A pandemia pode levar a integralidade das campanhas para a internet,
segundo Mohallem. Isso acarreta menos custos e menos viagens, mas a discussão é
como ampliar o debate pelas plataformas para que sejam mais inclusivos (parte
da população tem pouco acesso ou nenhum acesso à internet) e menos maliciosos.
"A velocidade regulatória das plataformas é mais baixa do que a velocidade
tecnológica. O impacto das redes nesse cenário é uma incógnita", diz
Batini.
Fonte/Foto: Letícia Naísa, do TAB UOL/Xinhua
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