BRASIL | MULTAS NA AMAZÔNIA PARALISADAS DESDE OUTUBRO
Nesta foto de 10 de março de 2018, publicada pelo Ibama, agentes medem madeira extraída ilegalmente da Terra Indígena Cachoeira Seca no estado do Pará. |
Política de Bolsonaro garante que desmatamento ilegal siga impune
Desde outubro de 2019, as multas por desmatamento ilegal na
Amazônia do Brasil foram na prática suspensas sob um decreto do presidente Jair
Bolsonaro, afirmou hoje a Human Rights Watch.
Agentes do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA) aplicaram milhares de multas por desmatamento
ilegal e outras infrações ambientais, na Amazônia e em outras partes do Brasil,
desde outubro. No entanto, os novos procedimentos adotados pelo Ministério do
Meio Ambiente a partir daquele mês, com base em um decreto do presidente Jair
Bolsonaro de abril do ano passado, paralisaram praticamente todos os processos
administrativos, e em não mais do que em cinco casos foi imposta aos infratores
a obrigação de pagar multa, de acordo com informações oficiais obtidas pela
Human Rights Watch.
“Os agentes ambientais têm trabalhado com afinco – frequentemente
expondo-se a riscos consideráveis – para fazer cumprir o Estado de direito e as
leis ambientais do Brasil, mas veem seus esforços sabotados pelo governo
Bolsonaro”, disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no
Brasil. “As violentas redes criminosas que destroem a floresta amazônica e o
direito dos brasileiros a um meio ambiente saudável não serão dissuadidas por
multas que, na prática, não precisam pagar”.
Os alertas em tempo real do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE) mostram um aumento de 53% na área desmatada na região
amazônica entre outubro de 2019 e abril de 2020, comparado com os alertas no
mesmo período de 2019.
O governo de Bolsonaro deveria deixar de proteger membros de redes
criminosas envolvidas no desmatamento ilegal das sanções por infrações
ambientais do Brasil, e parar de enfraquecer a proteção do direito a um meio
ambiente saudável, disse a Human Rights Watch.
A suspensão efetiva de multas é uma das várias medidas que o
governo Bolsonaro adotou para enfraquecer a aplicação das leis ambientais e a
proteção do meio ambiente. O governo também exonerou funcionários do IBAMA em
aparente retaliação por uma operação bem-sucedida contra mineração e desmatamento
ilegais na Amazônia.
Em outubro, o governo de Bolsonaro iniciou novos procedimentos
estabelecendo que as multas ambientais devem ser revistas em audiências de
conciliação. Nessas audiências um núcleo de conciliação ambiental pode oferecer
descontos ou declarar nulo o auto de infração. O Ministério do Meio Ambiente
estabeleceu a suspensão dos prazos para pagar essas multas até que a audiência
de conciliação seja realizada.
Apenas cinco dessas audiências foram realizadas em todo o país
desde 8 de outubro, quando o procedimento entrou em vigor, segundo informações
do IBAMA à Human Rights Watch. Isso significa que, na prática, estão suspensas
milhares de multas contra aqueles que destroem o meio ambiente. Segundo
reportagem do The Intercept, as multas emitidas apenas entre janeiro e meados
de abril já somariam R$ 412mi. De acordo com a legislação brasileira, as multas
prescrevem após cinco anos no âmbito do procedimento administrativo e, em
certas circunstâncias, em três anos. Após esse período, os infratores não
precisam mais pagá-las.
Antes de outubro, quando os fiscais do IBAMA flagravam uma
violação à lei ambiental, eles emitiam uma multa no local para pagamento
imediato. A grande maioria dos infratores não fazia o pagamento, mas
apresentava recursos protelatórios para conseguir a prescrição da multa, disse
um servidor do órgão à Human Rights Watch. Ele pediu para não ser identificado
por medo de retaliação de seus superiores.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, introduziu as
audiências de conciliação como uma forma de tornar os autos de infrações
ambientais mais eficientes. Porém, na prática, a mudança está atrasando ainda
mais os procedimentos administrativos e prejudicando a já limitada capacidade
da agência ambiental de fazer a cobrança das multas e impedir crimes
ambientais. Os agentes do IBAMA continuam a emitir multas por desmatamento,
garimpo ilegal, e outros crimes ambientais, mas, em vez de emitirem a multa
para pagamento imediato, eles notificam os infratores sobre uma audiência que
pode nunca ocorrer.
Enquanto aguardam as audiências, os infratores não têm obrigação
de pagar a multa. Pelo contrário, se quiserem renunciar à conciliação e quitar
a multa, devem solicitar expressamente ao órgão a emissão de um boleto para
pagamento. Mas os infratores têm pouco incentivo para fazê-lo, pois sabem que
na audiência podem garantir descontos de até 60 por cento, conforme
estabelecido no decreto do governo Bolsonaro.
De outubro ao começo de janeiro, o IBAMA não realizou audiências
de conciliação, informou à Human Rights Watch. De janeiro a 28 de abril,
realizou apenas cinco. Desde então, a agência suspendeu as audiências por prazo
indeterminado, citando a pandemia de Covid-19, embora as audiências possam ser
realizadas por meio eletrônico. Desde outubro, os agentes do IBAMA emitiram
milhares de multas, embora o número exato não seja conhecido porque o banco de
dados público não está atualizado, como afirmou o próprio IBAMA à Human Rights
Watch.
A política de audiências de conciliação é uma das várias medidas
adotadas pelo governo Bolsonaro que enfraqueceram a capacidade do Brasil de
fazer cumprir suas leis ambientais. Entre as medidas está também uma medida
provisória, convertida em projeto de lei, para conceder uma anistia para
pessoas que ocupam terras ilegalmente para criar gado ou plantações, e um outro
projeto de lei para abrir territórios indígenas à exploração comercial. Desde
que Bolsonaro assumiu o cargo, ele tem criticado os órgãos de proteção
ambiental do próprio governo, os quais ele chama de "indústrias da
multa", e prometeu acabar com sua "farra" de multas por crimes
ambientais.
Em 7 de maio, Bolsonaro editou um decreto atribuindo às Forças
Armadas a competência de coordenar órgãos e entidades públicas federais de
proteção ambiental durante operações para combater o desmatamento e incêndios
na Amazônia, sem garantir ou deixar claro como os agentes de fiscalização terão
autonomia, ferramentas e recursos suficientes para cumprir sua missão com
segurança e eficácia.
Em abril, o ministro Ricardo Salles demitiu o diretor de
fiscalização ambiental do IBAMA depois que um programa de televisão divulgou
uma reportagem sobre uma operação em larga escala contra o garimpo e o
desmatamento ilegal em terras indígenas no estado do Pará. Em uma carta, 16
agentes do IBAMA disseram temer que dois coordenadores de fiscalização, que são
servidores de carreira, também fossem removidos em retaliação pela operação.
Mesmo depois que a carta veio a público, o governo exonerou esses dois agentes,
sem qualquer justificativa. O Ministério Público Federal está investigando
essas decisões.
Com suas medidas contrárias ao meio ambiente, o governo de
Bolsonaro permite que redes criminosas intensifiquem tanto o desmatamento
ilegal na Amazônia quanto as ameaças e violência contra aqueles que se colocam
em seu caminho, incluindo agentes do IBAMA, indígenas, pequenos agricultores e
outros, como documentado pela Human Rights Watch e outras organizações.
Essas medidas vão contra as obrigações internacionais de direitos
humanos do Brasil e contra sua própria Constituição, que reconhece o direito a
um meio ambiente ecologicamente equilibrado. O sistema interamericano de
direitos humanos, cujas decisões são vinculantes para o Brasil, sustentou que
as obrigações dos Estados de garantir um meio ambiente saudável exigem proteção
aos componentes do meio ambiente, como as florestas, os rios e os mares.
De acordo com padrões internacionais, o governo deve agir contra
danos ambientais, o que inclui a adoção de medidas para estabelecer, manter e
garantir o cumprimento de marcos jurídicos e institucionais eficazes para
garantir um meio ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável. As políticas
do governo Bolsonaro desrespeitam essas obrigações.
"Os agentes ambientais do Brasil se veem cada vez mais
ameaçados pelos dois lados – pelas redes criminosas que enfrentam no campo e
pelo próprio governo", disse Maria Laura. "Eles temem que, ao fazerem
seu trabalho corretamente, possam perdê-lo."
Fonte/Foto: HRW.ORG/Vinicius Mendonza - Ibama
via AP
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