ENTIDADES QUEREM QUE MPF-AM GARANTA DIREITO À CONSULTA PRÉVIA DOS WAIMIRI-ATROARI
Entidades assinaram nota requerendo que MPF garanta direito à consulta
prévia sobre projeto da linha de transmissão Manaus-Boa Vista
O Ministério
Público Federal (MPF) no Amazonas recebeu um manifesto assinado por
54 entidades, movimentos sociais e fóruns representativos de diversos setores
no qual defendem o respeito à exigência do povo Kinja – como se autodenominam
os waimiri-atroari – de realização de consulta livre, prévia e informada, de
acordo com o protocolo por eles construído (nos moldes previstos pela Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT), sobre o projeto de
construção da linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista, que prevê a
instalação de centenas de torres e outras intervenções ao longo de vários
quilômetros da terra indígena habitada por eles.
No documento,
entregue ao MPF durante evento realizado na última semana, na Arquidiocese de
Manaus, as entidades resgatam parte do histórico de violações a que os kinja já
foram submetidos no período da ditadura militar, durante a construção da BR-174
(Manaus – Boa Vista) e da construção da hidrelétrica de Balbina, e ressaltam a
importância da atuação do MPF para garantir o cumprimento da legislação que
garante o direito de consulta e a proteção ao povo indígena diante da nova
tentativa do governo brasileiro de aceleração da obra sem qualquer diálogo com
os diversos atores envolvidos.
A necessidade de
avaliação de alternativas ao atual projeto para solucionar a insegurança
energética vivenciada pelo estado de Roraima também é defendida pelas entidades
no manifesto, com menção inclusive à geração de energia solar fotovoltaica
defendida por nota técnica apresentada
por pesquisadores especialistas em sistemas energéticos ao MPF. O estudo foi entregue
pelo órgão à presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a
representantes do consórcio atualmente responsável pelo projeto da linha de
transmissão.
“As entidades
abaixo relacionadas se solidarizam com o povo Kinja nesta luta em defesa dos seus
direitos ameaçados, pela reparação dos danos causados na abertura da rodovia
BR-174 (Manaus-Boa Vista) e para que possam viver em paz no seu território e
fazem um apelo para que as forças democráticas se unam em defesa da Amazônia e
de seus povos, fazendo prevalecer a justiça frente ao autoritarismo do
governo”, sustenta trecho do manifesto. O documento foi juntado pelo MPF ao
procedimento administrativo que acompanha formalmente, há uma década, o
desenrolar do caso.
Apoio
da Comissão Arns
A exigência de
cumprimento da Convenção nº 169 da OIT no programa de interligação de Roraima
ao sistema energético nacional por meio da linha de transmissão Manaus – Boa
Vista também é o assunto principal de nota de apoio ao povo Waimiri-Atroari divulgada no início
deste mês pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns
(Comissão Arns).
O grupo suprapartidário
manifesta preocupação com a tentativa do governo brasileiro de acelerar o
projeto, por meio do enquadramento da obra como de interesse da política de
defesa nacional, para justificar a pretensão de desrespeitar o direito de
consulta prévia, livre e informada garantido pela legislação internacional a
indígenas potencialmente afetados por grandes obras como a da linha de
transmissão.
“Pedimos que os
Waimiri-Atroari sejam imediatamente ouvidos no que diz respeito ao programa de
eletrificação em Roraima, como manda a Convenção 169 da OIT. Reivindicamos
ainda que os nossos tribunais julguem as ações já interpostas pelos indígenas.
E esperamos que a Justiça se faça de forma não só compensatória, mas sobretudo
reparadora, para que este povo – que tem, de acordo com o artigo 231 da
Constituição Federal, 'direito originário sobre as terras que tradicionalmente
ocupam' – não continue sendo objeto de graves violações aos seus direitos”, diz
trecho da nota.
Artigo
na imprensa
Poucos dias após o
início do julgamento, pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), da
ação movida pelo MPF para anular o leilão referente à obra da linha de
transmissão Manaus – Boa Vista, o procurador da República Julio Araujo
publicou artigo no Blog do
Frederico Vasconcelos, da Folha de S. Paulo, no qual também trata da
necessidade de respeito ao direito de consulta prévia aos kinja neste caso.
No texto, Araujo
critica a tentativa do governo brasileiro de atrelar a solução do problema de
energia em Roraima à negação dos direitos dos indígenas à consulta prévia sobre
o empreendimento. O procurador da República, que atuou no Amazonas no início de
sua carreira e segue designado para atuar em casos como o da linha de
transmissão, ressalta que a obra do chamado Linhão foi licitada em 2011 mas não
saiu do papel em razão das ilegalidades existentes na formatação do projeto,
conforme já reconhecido pela Justiça em decisões proferidas em ações sobre o
caso.
A conclusão do
artigo ressalta ainda que a luta do povo Kinja não pode ser resumida como um
confronto entre os interesses de um grupo contra a população roraimense ou
contra a soberania nacional. “Se a legislação tivesse sido observada desde o
início, é possível que a consulta já tivesse sido realizada e que a obra até já
houvesse sido definida. Mas preferiu-se o clássico caminho da negação de
direitos, pois reconhecê-los implicaria adotar o mesmo procedimento em todos os
casos e para todos os grupos, como manda a Constituição e o tratado
internacional”, sustenta Julio Araujo.
Fonte/Foto: Portal DeAmazônia/Divulgação
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