BELÉM-PA ENFRENTA GUERRA ENTRE FACÇÕES CRIMINOSAS E MILÍCIAS
Entre 2007 e 2017, a taxa de homicídios no Pará
aumentou 96%, subindo de 27,17 para 53,4 mortes violentas para cada 100 mil
habitantes.
Capital do Pará, a cidade
de Belém enfrenta uma guerra entre facções criminosas e milícias comandadas por
policiais e ex-agentes de segurança cujo resultado são chacinas e mortes em
série. A afirmação é do promotor militar Armando Brasil, responsável do
Ministério Público por investigar má conduta de policiais militares a atuação
de milícias armadas no Estado.
"Hoje, é normal andar
pela cidade e ver corpos pelo chão", diz ele, de 48 anos de idade, 17 dos
quais atuando na Promotoria militar.
No final de semana
anterior às eleições, 25 pessoas foram mortas na região metropolitana de Belém
entre a noite do dia 19 e a manhã do dia 21 - a média diária de mortes em 2017
foi de 2,3 casos.
Em entrevista à BBC News
Brasil, o promotor afirma que Belém vive uma situação "caótica" em
meio à briga pelo controle de bairros pobres e do tráfico de drogas.
Entre 2007 e 2017, a taxa
de homicídios no Pará aumentou 96%, subindo de 27,17 para 53,4 mortes violentas
para cada 100 mil habitantes. Embora esteja em ligeira baixa neste ano, a taxa
cresceu 29% entre 2012 e 2017, durante a gestão do atual governador Simão
Jatene (PSDB). São Paulo tem o menor índice do país: 11,10.
Entre as capitais, Belém
tem a terceira pior taxa - 67,5 por grupo de 100 mil moradores -, perdendo
apenas para Rio Branco e Fortaleza, primeira e segunda colocadas,
respectivamente. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Nas ruas de Belém, são
costumeiras as notícias de chacinas ou assassinatos de pessoas comuns que
apenas passavam pelas ruas. "Um bairro sem polícia, com roubos e
traficantes, passa a ser ocupado por milicianos que oferecem segurança. A
lógica é essa", diz.
No dia 24 de outubro, três
dias depois do final de semana violento, oito pessoas morreram e três ficaram
feridas quando dois motoqueiros abriram fogo em uma rua do bairro Tapanã,
periferia da cidade.
Uma das vítimas era o gari
Sávio Miller Silva da Conceição, de 22 anos, que tinha saído de casa para comprar
açaí para o filho, segundo relatos de testemunhas.
A chacina ocorreu cinco
dias depois do sargento da PM João Batista Menezes Dias ter sido assassinado no
mesmo bairro - após o crime, a família do policial precisou fugir da área por
sofrer ameaças. A polícia agora investiga se o ataque a pedestres teria sido
uma retaliação pela execução do agente.
Segundo promotor Armando
Brasil, bairros da periferia de Belém têm presença de milícias armadas e grupos
de traficantes
Essa característica, morte
de policial seguida por chacina, é recorrente em grandes cidades do país, como
São Paulo e Rio de Janeiro. Agora, também tem se repetido na capital do Pará.
Em abril, nove pessoas foram mortas por motoqueiros horas depois do assassinato
de um PM.
Nos dias 20 e 21 de
janeiro do ano passado, mais uma ocorrência semelhante: 30 pessoas foram
executadas horas depois do PM Rafael da Silva Costa ter sido morto com um tiro
na cabeça no bairro de Cabanagem, também na periferia.
Em 2015, a Assembleia
Legislativa do Pará realizou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para
investigar as milícias. O relatório apontou que policiais aposentados e também
da ativa comandam grupos armados em bairros da periferia.
Segundo o documento, um
dos grupos era chefiado pelo policial militar Antônio Marcos da Silva
Figueiredo, conhecido como cabo Pet. A quadrilha dele vendia
"segurança" particular para comerciantes do bairro do Guamá, um dos
maiores de Belém.
Em novembro de 2014, Pet
foi assassinado por um grupo de traficantes. Horas depois, mais 10 pessoas
foram executadas em suposta retaliação, episódio historicamente conhecido como
"Chacina de Novembro".
Por outro lado, a facção
Família do Norte hoje comanda o tráfico de drogas na cidade, mas também há
relatos da presença do PCC. Segundo o promotor militar Armando Brasil, líderes
de facções têm ordenado a morte de PMs de dentro das prisões - matar um
policial e roubar sua arma seria uma das portas de entrada do grupo criminoso.
Neste ano, 40 policiais
militares do Pará foram assassinados com características de execução ou
latrocínio (roubo seguido de morte) - em 2017 foram 49.
Além do consumo interno, o
Pará tem se tornado rota de saída de drogas do Brasil. O Estado tem um dos
maiores portos do país, em Barcarena, região metropolitana de Belém.
Esse caldo de milícias e
facções disputando espaços tem causado centenas de mortes em Belém, diz Armando
Brasil. Muitas vezes, afirma o promotor, as vítimas são pessoas comuns sem
passagem pela polícia.
Em contraponto, a
Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará afirma que os
homicídios diminuíram 5% em 2018 em comparação com o ano passado. De janeiro a
6 de novembro no ano de 2017, houve registros de 3.263 casos no Estado. Já em
2018, o número foi de 3.166 ocorrências.
O governo do Estado
afirma, ainda, que "tem trabalhado fortemente para coibir a criminalidade
no Estado com ações preventivas, repressivas e de investimentos". Diz que,
neste ano, 2.849 novos policiais militares e 616 policiais civis entraram em
serviço.
Leia abaixo trechos da
entrevista com o promotor Armando Brasil.
BBC News Brasil - Cresceu
muito a taxa de homicídios em Belém e no Pará como um todo. Qual o papel das
milícias nesse contexto?
Armando Brasil - As
notícias não são nada animadoras. Nos últimos cinco, seis anos, o governo do
Estado [do governador Simão Jatene, do PSDB] ficou marcado pela condução omissa
da segurança pública, na minha opinião. Isso foi combustível para que grupos de
milicianos e de traficantes tenham se instalado nas regiões e disputado pontos
de venda de drogas.
As milícias ganharam poder
em razão dessa ausência do Estado nos bairros mais pobres. Se o Estado não
ocupa os espaços públicos da forma devida, se não oferece segurança para a
população, se não faz policiamento em áreas com muitos roubos, os milicianos passam
a oferecer esses serviços.
Um bairro sem polícia, com
roubos e traficantes, passa a ser ocupado por milicianos que oferecem
segurança. A lógica é essa.
BBC News Brasil - E eles
cobram pela segurança...
Brasil - Sim, as milícias
obrigam comerciantes a pagar uma taxa pela suposta segurança que oferecem. Quem
não paga pode sofrer retaliações, tornar-se vítima de assaltos ou até ser
morto. Os comerciantes pagam para a milícia por uma suposta proteção.
Havia um grupo em Belém
comandado pelo cabo Pet, bastante atuante no bairro do Guamá. O comerciante até
ganhava uma placa para colar na porta: 'protegido pelo cabo Pet'.
Quem quisesse assaltar um
estabelecimento sabia que podia ser morto por ele. As milícias surgem nesse
sentido também, para eliminar os supostos bandidos de forma violenta.
BBC News Brasil - O cabo
Pet virou uma espécie de símbolo dessa ascensão das milícias. Qual a
importância dele?
Neste ano, 40 policiais
militares do Pará foram assassinados em crimes com características de execução
ou latrocínio, segundo o governo
Brasil - O cabo Pet era da
Rotam [grupo de elite da PM do Pará]. Também trabalhou na Força Nacional de
Segurança, era bem conhecido na cidade. Ele tinha uma empresa que vendia
câmeras de vigilância, junto com outro policial.
Então ele começou a
oferecer segurança armada para os comerciantes. Depois, entrou no tráfico de
drogas também. Ele foi uma espécie de precursor das milícias como conhecemos em
Belém. Ele acabou assassinado.
Em alguns casos, os
milicianos assumem o papel do traficante e passam a comercializar as drogas na
área. As milícias também obrigam os moradores a comprar seus serviços, como gás
e TV a cabo ilegal.
BBC News Brasil - E elas
são formadas por quem?
Brasil - Por agentes das
forças de segurança, da ativa e aposentados. Mas há também civis, empresários.
No fim do ano passado, fizemos uma operação que desmontou uma milícia no bairro
da Pedreira, era uma das mais violentas. Entre os donos da milícia havia um
empresário do ramo de autopeças.
BBC News Brasil - Mas qual
a amplitude das milícias hoje em Belém?
Brasil - Elas estão em
praticamente todos os bairros pobres da região metropolitana. Dividem o
controle do território com os traficantes.
Hoje, Belém vive uma
guerra entre esses dois lados, milícias e traficantes. Quem vence a batalha,
ocupa o território e implanta sua política de venda de drogas e de serviços. A
situação é insustentável.
Essa guerra tem feito as
pessoas perderem a coragem de sair de casa à noite, elas têm medo de serem
assassinadas na rua por algum motoqueiro ou ocupante do chamado "carro
prata". Existe essa lenda do "carro prata" em Belém, quando ele
aparece, as pessoas são mortas.
Há uma situação de pânico
entre a população, principalmente na periferia. A vida social diminuiu muito,
os bares e restaurantes ficam vazios à noite. Você anda pela cidade e é normal
ver corpos pelo chão, uma coisa horrorosa.
BBC News Brasil - Mas já
não era assim nos anos 1990? Há relatos de milícias naquela época.
Brasil - Havia grupos de
extermínio, mas não com a força que as milícias atuam hoje em Belém. Nos anos
1990, um grupo se revoltava com um bandido, se reunia e o matava. Mas parava
aí, não era estruturado para dominar um território, um bairro inteiro. Não era
o que a gente hoje tipifica como milícia armada.
BBC News Brasil - Os
jornais e sites locais têm relatado mortes aparentemente sem explicação. Uma
pessoa sem vínculo com o crime, uma pessoa comum, está andando na rua e é
assassinada a tiros.
Na semana passada, oito
pessoas foram mortas em uma chacina em Tapanã, periferia de Belém
Brasil - Sim, isso tem
ocorrido, não só na periferia. Moro em um dos bairros mais ricos da cidade e,
na semana passada, uma pessoa foi morta exatamente nessas circunstâncias.
Um carro prata chegou com
dois homens encapuzados. Eles desceram e fizeram os disparos. A vítima era um
vigilante particular. Isso aconteceu às 15h. Qual a explicação para isso? É uma
situação caótica.
BBC News Brasil - Por
outro lado, o Pará tem registrado um número alto de mortes de policiais
militares.
Brasil - Só nesse ano,
foram 40 militares mortos, um dos maiores números do Brasil.
As facções criminosas tem
ordenado a morte de PMs de dentro das prisões. A informação que temos é que
quem mata um policial e leva sua arma, a pistola .40, consegue entrar na facção.
Matar policial é uma porta de entrada.
BBC News Brasil - Às
vezes, horas depois de mortes de policiais, ocorrem chacinas no mesmo bairro
onde o agente foi assassinado. O senhor acredita que as chacinas sejam
vinganças?
Brasil - Nós não podemos
afirmar com certeza que exista essa relação. Até porque a taxa de resolução de
homicídios no Pará é baixíssima, sabemos muito pouco quem são os assassinos. É
possível que existam retaliações, sim, há indícios para isso. Mas não podemos
provar ainda.
No caso da chacina de
Tapanã, na semana passada, um sargento foi assassinado e a família dele foi
obrigada a sair do bairro dias depois. Isso causou uma certa ofensa aos
policiais. Quatro dias depois, oito pessoas foram mortas na rua.
BBC News Brasil - Há um
conflito conhecido entre facções no Brasil, principalmente entre as maiores,
PCC e Comando Vermelho. Como isso tem afetado Belém?
Brasil - Em Belém, temos a
Família do Norte, que também atua em outros Estados da Região Norte. Essa
facção é uma espécie de filial do Comando Vermelho, do Rio.
A situação de
miserabilidade e de desemprego em Belém, onde a pobreza é muito grande, faz com
que muitos dos nossos jovens entrem para o crime. Eles acabam entrando em
facções que vieram do Rio e de São Paulo.
BBC News Brasil - Na área
rural do Pará, há fortes indícios da participação de milícias em conflitos por
terra. Em 2017, houve a chacina de Pau D'Arco, quando 10 militantes sem-terra
foram mortos e 17 policiais foram acusados pelo crime.
Brasil - Essa é uma questão
histórica do Pará. Nos anos 1970, já havia policiais que vendiam segurança
armada para fazendeiros. Os agentes são contratados para expulsar quem invade
terra desses fazendeiros. Então, isso ocorre mesmo.
BBC News Brasil - O que
senhor acha que deveria ser feito para diminuir essa guerra?
Brasil - Investir em
investigação, ter instituições fortes e comprometidas com o combate ao crime. O
governador eleito, Hélder Barbalho [MDB], disse que vai pedir ajuda da Força
Nacional de Segurança. Sou a favor, pelo menos para iniciar alguma reação.
Nesse ano, pedi ao governo
a proteção de um quilombola que estava sendo ameaçado em Barcarena [região
metropolitana de Belém]. Ele não recebeu proteção nenhuma. Meses depois, foi
assassinado. [Paulo Sérgio Almeida Nascimento, de 47 anos, denunciava crimes
ambientais em Barcarena. Foi morto a tiros em 12 de março].
Nós, no Ministério
Público, fazemos o que está ao nosso alcance.
BBC News Brasil - Quantas
pessoas investigam as milícias hoje no Ministério Público?
Brasil - No Ministério
Público Militar, apenas eu.
Fonte: Leandro
Machado, BBC News Brasil em São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário