ARTIGO: SOBRE ARMAS E CRIMINALIDADE
Nos próximos dias, o porte
de armas será o assunto da hora nas redes sociais, sob o efeito do decreto
presidencial que o flexibilizou. Jair Bolsonaro, um histórico defensor da causa
armamentista, cumpriu com suas diretrizes de campanha e caminha na direção de
resgatar o referendo popular de 2005 que aprovou por larga margem o direito da
população em se armar. É importante destacar que a decisão de hoje não abrange
a circulação de armas nas ruas, somente em casa.
Armamentistas costumam se
espelhar nos Estados Unidos, onde a posse e o porte de armas são liberados com
facilidade na maioria dos estados. O hábito está impregnado na cultura
americana desde a concepção de sua República, é algo inclusive difícil de
compreender se você não tiver nascido ou vivido lá por muito tempo.
Essa prática não torna os
Estados Unidos um país mais pacífico. No grupo dos países ricos e relevantes,
eles são disparado os que detém as piores estatísticas de homicídio (superado
por Barbados, Seychelles, Lituânia e Estônia, de alto IDH, mas irrelevantes).
Obviamente que a comparação com o Brasil, campeão mundial de assassinatos (60
mil por ano), Honduras e Venezuela (primeira e segunda nos índices per capita,
55 e 50 homicídios para cada 100 mil habitantes) não é a mais adequada.
Entre os cinco países com
maior IDH no planeta, Noruega, Austrália, EUA, Holanda e Alemanha, os
americanos detém o pior índice de homicídios (4.5 para cada 100 mil
habitantes), quase cinco vezes maior que o segundo colocado (Austrália, 1 para
cada 100 mil). Os armamentistas utilizarão a Noruega como contra exemplo,
primeiro no IDH, com elevado registro de posse de armas e fácil acesso, mas
baixíssimo índice de homicídios. Nos outros três da lista, a regulação é
bastante rigorosa. Não há, portanto, números conclusivos que correlacionem o
armamento da população com a violência urbana.
Um racional bastante usado
por quem defende a flexibilização na posse é que nas circunstâncias atuais,
somente os bandidos portam armas. Cidadãos comuns e sem ficha criminal não tem
esse direito. Em um país onde somente 8 de cada 100 assassinatos são
resolvidos, essa situação cria uma tremenda assimetria em prol dos bandidos. É
verdade.
Por outro lado, qualquer
especialista em segurança pessoal não recomendará reagir a um ato de violência,
pois caso a vítima não seja treinada para esse tipo de situação, as chances de
um desfecho trágico aumentam consideravelmente. De que adiantaria ter uma arma,
se reagir a um assalto aumenta seu risco? Segundo os armamentistas, a incerteza
sobre o que esperar da vítima faria com que os criminosos fossem mais
cautelosos. Nesse caso, começamos a entrar no mérito do ‘achismo’.
Os anti-armamentistas
argumentarão, com razão, de que em um país onde 92 de cada 100 assassinatos
permanecem sem solução, a liberação das armas pode aumentar muito a incidência
de crimes banais. Nos EUA, 2 em cada 3 casos assassinatos são resolvidos
(proporcionalmente 8 vezes mais efetivo que o Brasil). Cometer assassinato por
lá é bem mais arriscado. Seria temerária a liberação da posse com um sistema
judiciário lento e ineficiente.
Talvez o argumento
armamentista mais consistente esteja relacionado ao direito de defesa pessoal.
Ter uma arma não torna ninguém criminoso, e esse fato retiraria do estado o
ônus da responsabilidade integral pela segurança pública, algo que hoje é
executado vergonhosamente mal. As pessoas já tem acesso legal a facas,
canivetes, automóveis, bebidas alcoólicas, todos possíveis catalisadores de
crimes. Por que então seria diferente com armas de fogo?
Essa é uma questão onde
não há certo ou errado e de impossível convergência, mesmo por que os números
estão aí para não deixar concluirmos nada. Em cada cabeça, uma sentença.
Eu confesso não ter
opinião formada sobre o assunto e mantenho-me estaticamente sobre o muro,
empático aos argumentos de ambos os lados. Mas tenho uma certeza: a resolução
do problema de criminalidade e violência urbana no Brasil passam longe, bem
longe, da questão do porte de armas.
Uma legislação rigorosa e
um sistema judiciário ágil são os remédios para esse mal. O risco de se cometer
um crime deve ser maior que sua recompensa. A solução para nosso problema está
na letra da lei e não na posse da arma. Receio que esse assunto torne-se uma
distração que dificulte outros avanços mais urgentes. E se ao final de quatro
anos, essa for a única ação de segurança pública do governo, estaremos diante
de um grande fracasso.
Fonte: “Sobre
armas e criminalidade” apareceu primeiro em Blog do Victor.
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