PARÁ: QUEM MANDA
- por Lúcio Flávio Pinto
Só
em São Paulo, onde nasceu e comanda o Estado há 24 anos, o PSDB permaneceu mais
tempo no poder do que no Pará. Depois de 20 anos, com apenas dois governadores
tucanos ocuparam o cargo: o médico Almir Gabriel, que antes foi senador e
prefeito biônico de Belém, e agora o economista Simão Jatene, por três
mandatos, obtidos pelo voto direto, o único a realizar essa façanha no Estado,
mesmo sem ter feito carreira política (concorreu logo ao governo, graças ao
apoio de Gabriel, de quem fora o principal secretário).
Apesar
desse currículo, o PSDB paraense não terá candidato próprio para a sucessão na
eleição de outubro. Apoiará Márcio Miranda, deputado estadual do DEM. Ficará
apenas com o cargo de vice-governador, concedido ao ex-deputado estadual José
Megale, que chefiava a Casa Civil de Jatene até precisar se desincompatibilizar
para ser candidato.
Megale
não tem votos para disputar qualquer cargo majoritário. Nenhum outro tucano
possui essa condição, depois de tantos anos de domínio político do PSDB no
Estado, na capital e na região metropolitana de Belém. Nem o prefeito de Belém,
Zenaldo Coutinho, reeleito para o cargo, com jurisdição sobre 20% do colégio
eleitoral do Pará, mas de tal impopularidade que não lhe permite subir ao
palanque.
A
reconstituição da genealogia tucana traduz e expressa a condição política do
Pará. Almir Gabriel se elegeu governador em 1994 na onda do sucesso do Plano
Real e da inusitada aliança entre Jader Barbalho, que se elegeu para o Senado,
e o que deveria ser o seu oposto, Jarbas Passarinho, a principal liderança do
regime militar de 1964 na Amazônia derrotado para o governo, encerrando aí a
sua longa carreira.
Com
dificuldade, Almir Gabriel se reelegeu novamente em 2º turno, ao derrotar Jader
Barbalho, então sem mandato e sem acesso à máquina pública. Escolheu para
sucedê-lo o seu principal auxiliar no secretariado, o até então neófito Jatene
(que entrou para a vida pública no primeiro governo de Jader, entre 1983 e
1987, como secretário de planejamento). Começando a campanha eleitoral com 2%
das intenções de voto, Jatene foi carregado pela máquina pública à vitória,
mais uma vez suada.
O
ciclo tucano sofreu uma ruptura quando Almir Gabriel não aceitou a recondução
da sua cria, Jatene. O ex-governador considerava o seu sucessor como traidor,
acusando-o de ter feito aliança com Jader. A suspeita não foi comprovada. O
apoio de Jader foi decisivo para que a candidata do PT, Ana Júlia Carepa,
impedisse o retorno de Almir. Contrariado, Jatene lhe negou o calor da
engrenagem oficial, máquina de fazer votos.
Não
fosse pelo péssimo governo da petista, a continuidade dos governos tucanos
poderia ter sido interrompida. Ana Júlia ignorou a reação do povo aos seus
muitos erros, incensada pelos seus acólitos do partido e da academia, e
subestimou o apoio de Jader Barbalho, achando que poderia descartá-lo. Embora
já sem votação suficiente para se eleger outra vez governador, o ex-ministro
Jader continuou a ser o pêndulo da disputa, manobrando o seu eleitorado, mesmo
que sem assumir publicamente uma opção. Essa conjuntura permitiu a volta de
Jatene.
Nos
últimos oito anos o jogo do governador foi tão personalista e sinuoso que,
depois de queimar candidaturas potenciais, e impedir que surgissem
alternativas, ele encerra a sua longa e deficitária passagem pela chefia do
poder executivo estadual sem sucessor (a candidatura da filha se frustrou) –
mas também sem qualquer sombra, o que, talvez, ele considere mais importante.
Com tantos quadros, o PSDB é um deserto de homens – e de ideias.
Foi
sob o diretório tucano que se consumaram os dois principais golpes sofridos
pelo Pará em muitos anos. O primeiro, de 1996, o segundo ano do primeiro
mandato de Almir Gabriel, foi a lei Kandir, que livrou do principal imposto
estadual, o ICMS, as exportações de matérias primas e semielaborados,
desonerando os minérios, responsáveis por 85% das exportações do Pará, quinto
maior exportador do país e o segundo pelo saldo de divisas, em vias de
desbancar Minas Gerais da liderança mineral brasileira.
O
autor do projeto de lei foi um deputado federal – também tucano – de São Paulo,
Antônio Kandir, ex-ministro de Collor, que preparou o terreno para o lance
seguinte, da semeadura da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, em 1997,
vendendo o controle acionário da estatal a preço de banana, depois que ela foi
“saneada” pelo governo – igualmente tucano – Fernando Henrique Cardoso.
Hoje,
Simão Jatene esperneia, protesta e questiona judicialmente a iniciativa, que
teria privado o Estado de 30 bilhões de reais. Na época, ele e seu chefe se mantiveram
calados. Almir cobrou compensação. A Vale prometeu implantar no Pará o maior
projeto industrial de então, do cobre do Salobo, e o presenteou com um plano de
desenvolvimento (de infraestrutura, é claro) do Estado, pronto e acabado, sem
debate.
A
fábrica de cobre ficou para depois, mas o minério já está começando a
empobrecer. O plano foi para a moldura, sendo substituído pelo tal Pará 2030,
que deveria ser implementado por seu principal patrocinador, o secretário Adnan
Demachki. Mas a candidatura dele ao governo gorou, minada pelo próprio Jatene.
Se o “democrata” Márcio Miranda conseguir se eleger, o plano é um produto que
não cabe no mostruário dele, varejista que sempre foi na presidência do poder
legislativo do Pará.
Visão
de curtíssimo prazo não é monopólio dos tucanos. Todos os candidatos
oficializados ao governo partilham essa visão curta ou míope. As convenções
partidárias consagraram o fisiologismo, a composição de interesses particulares
feita pelos políticos de sempre. Nenhum programa a sério no palco. O último tem
mais de 40 anos. Era o “Diretrizes de ação” do governador Aloysio Chaves para o
período 1975/79. Mas ele não pôde executá-lo. O presidente da república,
general Ernesto Geisel, ameaçou tirá-lo do governo (a eleição era indireta) se
ele insistisse em combater o monopólio de decisões exercido pelo poder central,
em Brasília.
Assim
tem sido desde então, independentemente dos governos que se sucedem nos
Estados. A briga é paroquial, pelas migalhas do banquete de recursos naturais
montado para os verdadeiros poderosos se servirem. A política é mera decoração,
decoração de mau gosto e de qualidade duvidosa. Não vai além de um sobe e desce
de gangorra pelos mesmos participantes ou por seus descentes e apaniguados.
No
Pará como em toda Amazônia.
(Publicado
no site Amazônia Real)
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