ARTIGO: A HORA DAS TREVAS
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por Dom Azcona
"Dia
treze de maio. Dia das mães. “Morre a quinta criança no Estado do Pará
possivelmente de raiva humana”, comunica a Band News às 11 horas e meia da
manhã. Se trata do município de Melgaço, o mais pobre do Brasil no Arquipélago
do Marajó, com 0,418 de desenvolvimento humano.
E
as mães dessas crianças? Que dia tão hipócrita este dia das mães para as mães
do Marajó! Outras crianças estão em perigo. “A Deus eu clamo para que me ouça”,
diz o salmo. O povo de Marajó está cansado, indignado já de tanta injustiça e
crimes de omissão por parte do Estado. No município vizinho de Portel em 2.004
e pela mesma causa morreram de modo fulminante 24 pessoas pelo menos. O povo
ainda contando com os seus mortos e mantém a convicção de que foram muitos
mais... Mãe que perdeu pela raiva marido e dois filhos não encontrou mais
lágrimas para chorar, nas órbitas dos olhos.
A
transcendência deste surto de raiva humana transmitida por morcegos hematófagos
forçou os cientistas do Brasil mais renomados nesta área, assim como do Estado
do Pará, a fazer-se presentes em Portel. De uma eminência de destaque nacional,
ouvi: “Monsenhor, reze, por favor! Nem sabemos ou conhecemos o que está
sucedendo. Dos Estados Unidos estamos recebendo comunicação espantada duas
vezes por dia, pedindo notícias. Temem que já tenha acontecido uma disseminação
desta doença pelo Brasil afora e talvez pelo mundo...!”
O
Governo do Estado se comprometeu oficialmente a elaborar um plano de
desenvolvimento integral da região, capaz de banir para sempre o perigo desta
terrível doença ao menos no rio Acutí-Pereira. Até hoje! Mais uma vez o Estado
do Pará se manifesta omisso como sempre com uma área humana e geográfica tão
sensível e fragilizada como o arquipélago do Marajó.
Melgaço
não é uma exceção. No mês de março deste ano a presença no município, durante
uma semana, de 70 profissionais da saúde e de agentes do governo e instituições
diversas para iniciar uma ação sociotransformadora de fundo, idealizada e
organizada pela Prelazia do Marajó através da ação “Amigos de Jesus”, confirmou
o que todos sabiam: Melgaço, o município mais pobre do Brasil, está abandonado
por completo à sua sorte como barco afundando na iminência e a angústia do
naufrágio... pela inoperância total e criminosa da Federação, do Estado e do
Município.
Dois
matadouros a céu aberto com as vísceras e o sangue de animais sacrificados,
vertidos e desaguados no rio, junto com dejetos, materiais fecais, com carcaças
para crianças brincar.... Estas num estado de profunda desnutrição, anemia, com
enormes barrigas em proliferação ilimitada de vermes, bebendo água misturada
com sangue de animais e barro...
“Senhor,
castiga-nos, porque é isso o que merecemos. Mas não nos castigues com cólera.
Seriamos destruídos!” (Salmo)
Criança
de nove anos interrogada na cidade no mês de agosto sobre suas expectativas
para o futuro, respondeu resolutamente: “Eu quero ser assaltante de banco”.
Questionado de novo: “por que?”, eis a resposta: “No banco tem muito dinheiro.
Quando meu irmão e eu sejamos maiores, assaltaremos um banco e com o dinheiro
compraremos comida para mamãe que passa fome como nós, em vez de dormir no chão
que faz frio, dormiremos em cama e teremos uma casa para nós, porque onde agora
moramos é uma pocilga”.
Professor
do renovado Instituto “Marcelo Cândia” de Marituba, referência nacional para a
hanseníase, detectou nessa mesma ação” Amigos de Jesus” na população de Melgaço
de dez a doze por cento de leprosos. A lepra, doença milenar e bíblica,
explicava o Doutor para um grupo espantado de profissionais da saúde, e “com
tendência marcada e decidida a crescer”, explicava. Através de estudos
realizados em Breves (Marajó) por especialista da Universidade de Virgínia
(USA) faz cinco anos, se detectou na população brevense um dez por cento de
casos de hanseníase.
Durante
o governo da Presidente Dilma foram enviadas em visita oficial em nome da
Federação três ministras da área relativa à mulher. Efetivamente, se fizeram
presentes em Melgaço, mais concretamente no Laguna, o rio onde este trágico
surto de raiva arrebentou agora. Depois de duas horas de falsas promessas e
palavras ao vento, desapareceram. A Prefeitura mais pobre do Brasil teve que
carregar com os gastos de um lanche com refrigerante servido ao povo numeroso presente
na região do Laguna para ouvir as ministras.
Também
por essas datas o último ministro de Meio ambiente do ciclo Dilma visitou com
numerosa comitiva a cidade de Melgaço. Visita que durou 45 minutos. Como se
pode ser tão hipócrita? De Brasília a Melgaço e volta....
Segundo
convicção de povo marajoara o Governo do Estado está cometendo verdadeiros
crimes, especialmente em Melgaço: Abandono sistemático da segurança pública,
constatado de modo contundente na visita realizada faz dois anos pelo Cardeal Dom
Claudio Hummes à cidade e sobretudo ao interior: “Senhor Cardeal, fechamos a
porta de casa, nos deitamos para dormir e não sabemos se vamos amanhecer
vivos!”.
Disto
faz dois anos. Na atualidade é evidente o desmantelamento total de qualquer
estrutura de segurança pública que dê uma mínima confiança à população. Por
outra parte, a inoperância, às vezes irresponsabilidade de juízes, promotores,
delegados e policiais numa falta alarmante de controle social e institucional
destes organismos e de outros, está na origem da alta fragilização e
vulnerabilidade do tecido social da região. É sabido como policiais que em
Belém manifestam conduta inconveniente ou que têm “algo a declarar” ou a
“pagar” são enviados a Marajó.
As
políticas públicas com relação a Melgaço e Marajó em geral são de descaso e
desprezo. Decisões pontuais. Portanto, inócuas.
Chega
de verborragia, de verborreia tantas vezes ensaiada e tantas vezes repetida.
Palavras ao vento...”” Marajó está esgotado. As crianças mortas e as que
possivelmente estão condenadas a morrer marcam agora para todos um claro
divisor de águas. Diante destas crianças, senhores e senhoras que representam
em nome de Deus a vida, a justiça e a esperança para todo o povo, ouçam: “As
vossas mãos estão ceias de sangue! Lavai as mãos, purificai-vos de uma vez! ...
Terminai de praticar tantos crimes. Aprendei, começai a fazer o bem. Buscai o
direito, enfrentai o opressor, também os madeireiros e o agronegócio de
Caxiuanã, fazei justiça às crianças do Marajó, respeitai e defendei a mulher”
(Isaías 1).
Este
é o tempo da graça, este é o dia da salvação. Esta é a hora das trevas mas
também no mais intenso delas brilha quem é a Luz do mundo. Voltemos todos de
uma vez para o Senhor! E não mais com a hipocrisia das palavras e das falsas
seguranças. Não nos escondamos na fila da “raça de víboras” (Mt 3; Lc 3). Demos
frutos dignos de conversão na luta pela verdade, no combate pela justiça e pela
paz deste Marajó do Brasil amado! Deus não pode tolerar a um presidente
desviando bilhões de reais, arrancando assim o pão da boca de tantas crianças
pobres em todo Brasil para defender-se da lei comprando o Congresso Nacional.
Assim como tampouco tolera a inércia, o descompromisso de um povo acomodado e
vendido ao criminoso “Deixa pra lá”.
Reconciliemo-nos
com Deus todos de uma vez e para sempre por meio de Cristo!
Dom
José Luis Azcona Hermoso
Bispo
Emérito do Marajó"
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