ARTIGO DEDOMINGO: O INFERNO DE BELÉM
- por Lúcio Flávio Pinto (*)
Há
um único caminho contínuo de entrada e saída de Belém. É através da BR-316, que
se liga à avenida Almirante Barroso em território da capital paraense. As raras
alternativas e derivações convergem todas para a rodovia federal. O município
tem 1,3 milhão de habitantes. Em torno dele gravitam quatro municípios da área
metropolitana, se aproximando dos dois milhões de moradores. Suas sedes estão
se ornando cidades dormitórios. Daí o fluxo de ida e vinda cada vez mais
intenso pela BR. Nesse perímetro, ela se tornou um dos locais mais
martirizadores dentre todas as capitais brasileiras.
Quem
trafega por esse corredor do inferno sabe da dor de estar dentro do seu carro
em momentos de paralisação completa ou de fluxo lentíssimo. Às vezes há uma
causa objetiva, bem visível: um acidente ou um veículo no “prego”, na maioria
das vezes um dos velhos e maltratados ônibus (sem que as empresas responsáveis
por essa negligência sejam punidas na medida da sua irresponsabilidade).
Muitas
vezes não há um motivo fático. O motorista enervado passa pelo ponto de
bloqueio e não vê nada que justifique a lentidão. A culpa é da física, que não
consegue acomodar tantos corpos em movimento num espaço onde eles não cabem. O
afunilamento poderia ser evitado se a Polícia Rodoviária Federal tivesse
quadros humanos e meios materiais à altura do problema. Mas não tem.
O
que só raramente se vê nessa sucessão de problemas é a presença de um
representante do poder público, na figura de um servidor ou no atestado de uma
obra. As que existem parecem construídas para prejudicar e não beneficiar o
cidadão. Os viadutos, por exemplo, não passam de vias elevadas que começam e
terminam numa rua que já havia. Não houve a modificação do espaço para o
motorista sair do fluxo de veículos, fazer o contorno e retornar ou seguir num
local livre para que ele se reintegre ao trânsito. Um benefício é concedido
junto com a criação de um novo malefício, geralmente maior.
O
buraco cavado no Entroncamento, por exemplo, a que dão impropriamente a
designação de túnel. Ao longo do dia ele se torna várias vezes um
estacionamento compulsório para os veículos. Ao finalmente sair do buraco, eles
estancam diante da muralha de ônibus que se engalfinham e se espraiam por todos
os espaços atrás das paradas destinadas aos passageiros dos ônibus, instaladas
onde não deviam estar: logo depois do túnel.
Todos
os sofridos usuários do transporte público parecem formar uma torre de Babel,
nada atenuada em seu caos por falarem a
mesma língua. Têm que correr de um extremo ao outro para pegar o seu ônibus, à
unha, com uma disposição capaz de impedir que o motorista queime a parada, um
dos seus exercícios sádicos favoritos. O efeito é a montagem de uma barreira
compacta de ônibus bloqueando a passagem de outros veículos.
Já
em frente ao supermercado Líder, a passagem se afunila em duas ou três faixas
porque um longo trecho da estrada apresenta crescentes crateras no seu leito,
nas faixas mais próximas da margem. Quando chove, os buracos viram piscinas de
água suja, isolando os pretendentes a passageiros de ônibus e os expondo ao
risco de um banho inesperado e indesejado. Os motoristas mais experientes ou já
informados fogem desses imensos buracos e s comprimem no espaço que lhes sobra.
A
situação perdura há muito tempo, sem qualquer providência de quem devia ser a
instância competente para enfrentá-la e resolvê-la. Ninguém resolve nada na
BR-316, a pior via metropolitana do Brasil. O governo é o autor dessa façanha.
O povo, que sofre os seus afeitos, parece anestesiado por algum sentimento
equiparável ao masoquismo – e à incivilidade imposta pelos seus representantes.
(*) Lúcio Flávio Pinto é jornalista profissional desde
1966. Percorreu as redações de algumas das principais publicações da imprensa
brasileira. Durante 18 anos foi repórter em O Estado de S. Paulo. Em 1988
deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal Pessoal, newsletter quinzenal
que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém.
No
jornalismo, recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos
Jornalistas. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças
sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace e, em
2005, o prêmio anual do CPJ (Comittee for Jornalists Protection), de Nova York.
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