MISTÉRIO RESOLVIDO: ESTUDO DESVENDA COMO SÃO PRODUZIDAS AS PARTÍCULAS DAS NUVENS DA AMAZÔNIA
Registro de chuva em Manaus, a “capital da Amazônia”, em março deste ano |
Há duas décadas pesquisadores que
estudam a formação das nuvens na região já sabiam que as gotículas de água
produzidas pela floresta são insuficientes para provocar as constantes
tempestades. Agora, descobriram que parte da água vêm de grandes altitudes
Um estudo divulgado há uma semana na revista Nature solucionou
um mistério que há mais de uma década intrigava os cientistas: a origem dos
aerossóis atmosféricos que alimentam as nuvens da região amazônica em condições
livres de poluição.
Essas partículas microscópicas suspensas no ar
desempenham um papel fundamental para o clima, pois dão origem aos chamados
núcleos de condensação de nuvens – partículas sobre as quais o vapor d’água
presente na atmosfera se condensa para formar as gotas de nuvens e a chuva,
explicaram os autores.
De acordo com novos resultados da pesquisa,
conduzida com apoio da FAPESP no âmbito da campanha científica Green Ocean
Amazon Experiment (GoAmazon), as partículas precursoras dos núcleos de
condensação de nuvens são formadas na alta atmosfera e transportadas para perto
da superfície pelas nuvens e pela chuva.
“Há pelo menos 15 anos temos tentado medir no solo
a formação de novas partículas de aerossóis na Amazônia e o resultado era
sempre zero. As novas partículas nanométricas simplesmente não apareciam na
Amazônia. As medições eram feitas em solo ou com aviões voando até no máximo 3
mil metros de altura. Mas a resposta, na verdade, estava ainda muito mais no
alto”, contou Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de
São Paulo (IF-USP) e coautor do artigo.
Segundo Artaxo, que coordena o Projeto Temático “GoAmazon: interação da pluma urbana de Manaus com emissões
biogênicas da Floresta Amazônica”, a floresta naturalmente emite
gases conhecidos como compostos orgânicos voláteis (VOCs, na sigla em inglês) –
entre eles terpenos e isoprenos –, que são carregados pela convecção nas nuvens
para a alta atmosfera, podendo chegar a 15 mil metros de altitude, onde a
temperatura gira em torno de 55°C negativos.
“Com o frio, os gases voláteis se condensam e
formam partículas inicialmente muito pequenas – entre 1 e 5 nanômetros. Essas
nanopartículas adsorvem gases e se chocam umas com as outras, rapidamente
coagulam e crescem até alcançar um tamanho em que podem atuar como núcleo de
condensação de nuvens – em geral acima de 50 a 70 nanômetros”, explicou Artaxo.
Em altitudes elevadas, acrescentou o pesquisador, o
processo de coagulação das partículas é facilitado pela baixa pressão
atmosférica, baixas temperaturas e pelo grande número de partículas presentes.
“Até que, em uma determinada hora, uma dessas
gigantescas nuvens convectivas gera uma forte corrente de ar com ventos
descendentes e, ao precipitar, traz essas partículas para perto da superfície”,
continuou Artaxo.
Achado surpreendente
Parte das medições apresentadas no artigo foi feita
em março de 2014 – período de chuva na Amazônia – por um avião de pesquisa
capaz de voar até 6 mil metros de altura. A aeronave, conhecida como Gulfstream-1,
pertence ao Pacific Northwest National Laboratory (PNNL), dos Estados Unidos.
Outro conjunto de dados foi obtido entre março e
maio de 2014 no laboratório operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (Inpa) – chamado Torre Alta de Observação da Amazônia (ATTO, na sigla
em inglês), que tem 320 metros de altura e está situado na Reserva Biológica de
Uatumã, uma área de floresta distante 160 quilômetros a nordeste de Manaus,
onde a poluição urbana dificilmente chega.
Medições de aerossóis complementares foram feitas
em um conjunto de torres situado cerca de 55 quilômetros ao norte de Manaus,
conhecido como ZF2. E também na cidade de Manacapuru, a cerca de 100
quilômetros a oeste de Manaus, onde está instalada a infraestrutura do
Atmospheric Radiation Measurement (ARM) Facility – um conjunto móvel de equipamentos
terrestres e aéreos desenvolvido para estudos climáticos, pertencente ao
Departamento de Energia dos Estados Unidos.
“Para nossa surpresa, observamos que a concentração
de material particulado aumentava com a altitude – quando o esperado seria uma
quantidade maior próximo da superfície. Encontramos uma quantidade muito grande
de aerossóis nesse limite de voo de 6 mil metros do Gulfstream-1”, contou Luiz Augusto
Toledo Machado, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
e coautor do artigo.
A observação inicial se confirmou quando, no âmbito
do projeto Acridicon-Chuva, coordenado por Machado e apoiado pela FAPESP, foram feitas novas medições
com uma aeronave de pesquisa alemã capaz de voar até 16 mil metros de altitude.
O avião denominado Halo (High Altitude and Long Range Research Aircraft) é
administrado por um consórcio de pesquisa que inclui o Centro Alemão de
Aeronáutica (DLR), o Instituto Max Planck (MPI) e a Associação de Pesquisa da
Alemanha (DFG).
“Notamos que, em regiões poluídas, havia uma
quantidade extremamente grande de material particulado próximo da superfície, o
que não acontecia nas regiões livres de poluição. Mas, em altitudes elevadas,
encontrávamos grande concentração de partículas independentemente do grau de poluição.
Agora, este trabalho mostra que a chuva traz essas nanopartículas para perto da
superfície, onde formam novas populações de material particulado que atuam como
núcleo de condensação de nuvens”, disse Machado.
Como pontuou o pesquisador do Inpe, já se sabia que
a chuva limpa a atmosfera, mas não se conhecia o mecanismo pelo qual os
aerossóis eram repostos. “O interessante foi ter apreendido que, ao mesmo tempo
que a chuva remove os aerossóis, ela traz, em suas correntes descendentes, os
embriões [as nanopartículas] que, após crescerem, vão recompor a concentração
de aerossóis.”
Segundo Artaxo, a observação foi surpreendente
porque quando se ultrapassa a camada limite planetária – altitudes superiores a
2,5 mil metros – ocorre uma inversão de temperatura que costuma inibir a
movimentação vertical de partículas. “Mas não levávamos em conta o papel das
nuvens convectivas como transportadoras dos gases emitidos pela floresta”,
disse.
Os estudos feitos no âmbito do experimento
GoAmazon, acrescentou o pesquisador, estão demonstrando que os VOCs oriundos
das plantas fazem parte de um mecanismo fundamental para a produção de
aerossóis em áreas continentais.
“Os VOCs emitidos pela floresta e as nuvens fazem
uma dinâmica muito peculiar e produzem enormes quantidades de partículas em
altas altitudes, onde se acreditava que elas não existiriam. É a biologia da
floresta atuando junto com as nuvens para manter o ecossistema amazônico em
funcionamento”, ressalta Artaxo.
Esses gases, segundo o pesquisador, são jogados para
a alta atmosfera, onde a velocidade do vento é muito grande, e são
redistribuídos pelo planeta de forma muito eficiente. No caso da Amazônia,
parte é transportada para os Andes, parte para o sul do Brasil e parte afeta a
própria região da floresta tropical. “Estamos atualmente realizando trabalhos
de modelagem para precisar as regiões afetadas pelas emissões de VOCs da
Amazônia e transportadas pela circulação atmosférica”, contou o professor da
USP.
Como era até agora desconhecido, esse mecanismo de
produção de aerossóis não está contemplado em nenhum modelo climático. “É um
conhecimento que terá de ser incluído, pois ajudará a tornar as simulações de
chuva mais precisas”, afirmou Machado.
O pesquisador do Inpe ressaltou ainda que a
descoberta só foi possível graças aos aviões de pesquisa que estiveram em
Manaus por meio das parcerias firmadas no âmbito do experimento GoAmazon, uma
campanha internacional do Departamento de Energia dos Estados Unidos conduzida
em parceria. “O Brasil ainda não tem uma aeronave laboratório desse porte, o
que seria fundamental para o avanço de pesquisas atmosféricas”, disse.
Além do Acridicon-Chuva, coordenado por Machado, e
do Projeto Temático coordenado por Artaxo, conta ainda com apoio da FAPESP o
projeto “Pesquisa colaborativa Brasil-EUA: modificações causadas pela
poluição antrópica na química da atmosfera e na microfísica de partículas da
floresta tropical durante as campanhas intensivas do GoAmazon”,
coordenado por Henrique de Melo Jorge Barbosa, pesquisador do IF-USP.
O artigo Amazon boundary layer aerosol
concentration sustained by vertical transport during rainfall pode ser
lido em http://www.nature.com/nature/journal/vaop/ncurrent/full/nature19819.html.
Fonte/Foto: Karina Toledo – Agência FAPESP/Márcio
Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário