ARTIGO: O DILÚVIO BELENENSE



- por Lúcio Flávio Pinto (*)

Milhares de belenenses amanheceram tirando água das suas casas inundadas. Fui – e continuo a ser, pois ainda há muita água por escoar – um deles. Não me lembro de uma enchente desse porte em maio, ainda mais no final de um mês que já é de transição para o dito verão. Foi o maior dentre tantos alagamentos do meu currículo de morador de uma baixada, bem central, no bairro do Reduto. Metida a besta, mas rudimentar. Carente de palafitas.
Em frente à minha casa passa uma galeria pluvial (herança da era da Biyngton, minha vizinha na praça da Trindade, comandada por um inglês que se orgulhava de não tomar água, só cerveja), capaz de deixar passar um carro. Sou um dos privilegiados moradores desta capital, a mais maltratada do país, a partilhar a rede de esgoto, que não atende nem 10% da sua população. Ainda assim, a água parece subir de ano para ano, causando enormes estragos, como agora. Torna-se cruel quando chuvas pesadas coincidem com maré alta.
Aliás, a elevação do nível do mar para além dos três metros dispensa a chuva para invadir ruas e casas. Basta observá-la nas marginais da ironicamente famosa Doca de Souza Franco (certo prefeito se declarou tarado por docas – e, naturalmente, cego à paisagem natural do sítio belenense). Mesmo sem chuva, há acumulação de água nas vias laterais do canal revestido que sepultou o igarapé das Almas (até na toponímia Belém vai ficando mais triste).
Peculiaridades locacionais à parte, uma coisa é certa: a capital dos paraenses, com seus 1,5 milhão de moradores, mostra-se incompetente para lidar com o elemento físico que a molda e, por inapetência humana, a fustiga permanentemente: a água.
A administração municipal devia contar com uma agência de manejo de água para fazer previsões corretas sobre marés e chuvas, alertar o cidadão para as emergências, agir de imediato em seu auxílio e ter uma política permanente de ajuste da cidade ao seu ambiente. Afinal, ela está ao nível do mar, ou abaixo, em suas muitas depressões, um mar cada vez mais incerto e pouco sabido.
Até lá, é levantar a cabeça e agradecer por sobreviver a mais um dilúvio dos muitos que se seguirão, tornando-se acontecimento certo e crescente na agenda do belenense.





(*) Lúcio Flávio Pinto é jornalista profissional desde 1966. Percorreu as redações de algumas das principais publicações da imprensa brasileira. Durante 18 anos foi repórter em O Estado de S. Paulo. Em 1988 deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal Pessoal, newsletter quinzenal que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém.

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