A TRIBO AMAZÔNICA QUE NÃO USA O CONCEITO DE NÚMEROS
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| Povo Pirahã, uma tribo seminômade que habita o vale do rio Maici, na região amazônica, não tem o conceito dos números apenas o de "muito" ou "pouco" |
Imagine viver em uma
sociedade que não só não tem palavras para designar números, mas onde o próprio
conceito de números é inexistente. Ou seja, uma cultura onde "um",
"dois" ou "três" simplesmente não existem.
Assim vive o povo Pirahã,
uma tribo seminômade que habita o vale do rio Maici, na fronteira entre os
Estados do Amazonas e Rondônia, no norte do Brasil.
A língua falada pela
tribo, o idioma pirahã, não possui palavras que sejam usadas para contar.
"Eles estão tão
afastados da sociedade industrializada moderna quanto se pode imaginar",
disse Daniel Everett, pesquisador da Bentley University, em Massachusetts,
Estados Unidos. Everett morou com os Pirahã como missionário e, depois, como
pesquisador no campo da linguística.
Durante o período de
convivência com a tribo, desenvolveu um interesse especial pela questão dos
números - ou melhor, a ausência deles - na cultura desse povo.
Anteriormente,
especialistas achavam que os Pirahã tinham conceitos para "um",
"dois" e "muitos", algo que não é incomum em culturas desse
tipo.
Mas à medida que Everett
investigava de forma mais sistemática, ia se dando conta de que esses
indivíduos simplesmente não faziam contas precisas. "Ficou claro que não
tinham nenhum tipo de número", disse o pesquisador à BBC.
Muito e pouco
Everett teve sua primeira
suspeita quando observou a tribo repartindo o peixe.
"Se alguém chegava
com três peixes, dois muito pequenos e um grande, o grupo se referia ao peixe
grande com a palavra que eu julgava significar 'dois'. Para indicar os dois
peixes pequenos, diziam uma palavra que eu achava significar 'um'".Isto
fez com que ele se desse conta de que, na realidade, os Pirahã se referem a
quantidades relativas - e não precisas.
Everett teve sua hipótese
confirmada após convidar o psicólogo cognitivo Ted Gibson para visitar a
comunidade Pirahã. Gibson, que trabalha no Massachusetts Institute of
Technology (MIT), nos Estados Unidos, fez um experimento simples.
"Tínhamos bobinas de
fio idênticas e fomos colocando-as em frente a eles, uma a uma", explicou
Gibson à BBC. Gibson e Everett foram adicionando os objetos até somarem-se dez
bobinas.
"Pusemos uma bobina e
perguntamos a eles o que era aquilo. Eles responderam com uma palavra. Depois,
colocamos mais uma e repetimos a pergunta. A resposta foi a mesma", contou
Gibson. "Cada pessoa dizia as mesmas palavras para quantificar os objetos
- as que pensávamos ser 'um' e 'dois'."
Então, Gibson inverteu o
experimento, começando com dez bobinas e retirando uma por vez."Quando
tínhamos sete (bobinas), os índios começavam a usar a palavra que achávamos ser
'dois'. E quando chegávamos a quatro bobinas, todos começavam a usar a palavra
que pensávamos ser 'um'."
Assim, os especialistas
perceberam que os Pirahã não estavam contando mas, sim, que os termos indicavam
quantidades relativas de acordo com o contexto, que pode ser muito ou pouco.
Ou seja, se você tinha dez
bobinas e passa a ter cinco, dez bobinas são muito e cinco são pouco. Mas se
você começa com uma bobina e termina com cinco, então cinco passa a ser muito.
"Assim, os termos que
a tribo possui indicam 'pouco', 'alguns' e 'muitos'. Todos relativos",
acrescentou o especialista.
Mundo sem números
No entanto, como pode uma
comunidade sobreviver sem as palavras para 1, 2 e 3? Como você diz, por
exemplo, que precisa de três peixes para o jantar? "Na verdade, pode-se
chegar muito longe sem números em uma sociedade tribal como a dos Pirahã",
respondeu Everett.
"Vamos dizer que você
quer dividir a comida. (Eles) simplesmente se sentam em volta (do alimento).
Você tem a pessoa que corta o animal em pedaços e vai em círculo distribuindo
cada pedaço até que terminem. É um tipo de divisão sem números", explicou.
De acordo com o
especialista, trata-se de dividir sem números, compartilhar constantemente, sem
prestar atenção ao que você ganhou. "E o escambo é praticamente
inexistente", disse Everett.
"(Nessa sociedade)
não há a necessidade (de se contar com precisão). Encontrei pirahãs que foram
sequestrados, ainda pequenos, por comerciantes que navegam pelo rio. Foram
criados fora da tribo e agora trabalham em lojas, falam português fluente e
fazem cálculos matemáticos."
"Então, não tem nada
a ver com a habilidade cognitiva, é simplesmente uma questão cultural",
acrescentou.
A existência de uma
cultura que só tem conceitos para "pouco", "alguns" e
"muito" é importante para determinar como os humanos em geral
aprendem números. "Eles (os Pirahã) demonstram que as palavras para contar
não são inatas, são um conceito que temos de descobrir e que ensinamos aos mais
jovens."
Daniel Everett e Ted
Gibson (@LanguageMIT) contaram sua experiência com o povo Pirahã ao programa de
rádio Discovery, do BBC World Service. O programa foi apresentado por Alex
Bellos e produzido por Andrew Luck-Baker.
Fonte/Foto:
BBC Brasil, em noticias.uol.com.br


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