TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NO BAIXO RIO NEGRO TEM APELO SOLIDÁRIO E VALORIZA A CULTURA LOCAL
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Roteiro de visitação inclui uma rica degustação da
culinária regional, caminhadas em trilhas, apresentações indígenas, contato com
o artesanato e projetos sustentáveis, além da convivência com comunitários
Dona Glória é casada há 15
anos com seo Luiz. Além de apaixonados um pelo outro, eles têm outra paixão em
comum: as belezas naturais da comunidade São João do Tupé, distante um pouco
mais de meia hora de Manaus de voadeira. Por ela, eles abandonaram a cidade e
resolveram construir por conta própria uma pequena pousada, com um restaurante
anexo, para receber os visitantes.
O empreendedorismo do
casal Araújo é um dos exemplos incentivados pelo Projeto de Turismo de Base
Comunitária no Baixo Rio Negro, que inclui dois roteiros: o Tucorin (na margem
esquerda) e o RDS Rio Negro (na margem direita). A ideia é que os comunitários
acolham os interessados em conhecer o seu modo de vida, suas tradições e suas
práticas, as quais garantam a conservação ambiental e geração de renda local.
No último dia 1º de junho,
um grupo de jornalistas foi levado para conhecer parte do Roteiro Tucorin, que
inclui uma rica degustação da culinária regional, caminhadas em trilhas,
apresentações indígenas, contato com o artesanato e projetos sustentáveis, além
da convivência com comunitários.
Partimos primeiro para a
comunidade de São Sebastião do Rio Cuieiras, a mais distante (1h30 de voadeira)
do passeio. Lá, fomos recebidos com uma mesa farta de café da manhã e servidos
com histórias de sucesso de mulheres que fazem parte do Clube de Mães Maria de
Nazaré. Elas passaram a investir na composição de doces, geléias, biscoitos e
balas a partir do beneficiamento artesanal de frutas da região amazônica.
A produção já ultrapassou
a barreira do Amazonas e ganhou o mercado nacional, por meio de pequenas
amostras em eventos realizados fora do Estado. A caminhada delas é longa até
conseguir o tão desejado selo da Anvisa, mas até lá elas seguem buscando o
aperfeiçoamento. “Antes a gente não aproveitava muita coisa, mas passamos a
agregar valor a frutas como o cubiu”, conta dona Maria Inês, 44 anos. “Vamos
tentar melhorar os nossos produtos para receber os turistas”.
O cubiu, aliás, ganhou
outras receitas. Na segunda comunidade visitada, a de Nova Esperança, ele
estava presente na mesa em forma de salada e creme. O cardápio do almoço
incluiu ainda matrinxã assada e calderada de tambaqui. Tudo preparado no
restaurante construído pela comunidade formada por indígenas da etnia Baré. Lá
quem comanda é a cacique Rosimeire Garrido Melo, 36. Ela conta que desde muito
tempo a comunidade era visitada por turistas, que geralmente estavam embarcados
em navios que passavam pela região. “Não queríamos apresentar apenas o nosso artesanato,
mas também a nossa culinária. Buscamos então parcerias para a estruturação do
nosso restaurante”.
São 22 famílias e pouco
mais de 100 pessoas que moram na comunidade de Nova Esperança. Entre as
atrações oferecidas por eles estão partidas de futebol com as indígenas (elas
chegam a formar três times) e a visitação à casa onde se prepara a farinhada,
além do artesanato.
“Quando os turistas ganham
as partidas de futebol ficam mais alegres, né? Podem até voltar”, brinca
Rosimeire. “Eles também gostam muito de acompanhar o processo de produção da
nossa farinha. No final, levam um pouco em um paneiro forrado com folha de cupuaçu
como lembrança”.
PRAIA CONVIDATIVA
Com uma praia que convida
para um banho de rio, a comunidade Três Unidos foi nossa próxima parada. Lá
somos recebidos pela filha do cacique, Neurilene Cruz da Silva, 31. Ela nos
apresenta o restaurante construído recentemente para receber os visitantes.
Formada por indígenas da etnia Kambeba, a comunidade vem procurando se
reestruturar para melhor receber os visitantes. Neurilene nos conta que o pai
construiu um quarto com banheiro para acomodar os turistas que queiram
pernoitar no local.
GUIAS EXPERIENTES
Na mesma comunidade, somos
apresentados ao Seo Manoel Gomes Ferreira, 66, que tem um serviço diferenciado
de trilha. Ele recebe muitos alunos de outros estados e até de outros países
para apresentar os segredos da floresta. Somente no mês de maio foram 300. “Se
você faz um trabalho bem feito você é divulgado. Não sei ler, nem escrever, mas
não é por isso que não sei receber meus visitantes. Sinto um grande orgulho de
poder repassar para os estudantes os meus conhecimentos”, conta Seo Manoel, que
também tem um programa de hospedagem de estudantes na selva.
À noite, voltamos para a
pousada de dona Glória e seo Luiz Araújo. Com sua simpatia contagiante, ela
conta que ainda tem que melhorar muito sua estrutura para acomodar os
visitantes, mas que tem total disposição para encarar o desafio.
“É uma coisa que faz bem
não só para nós, mas também para toda a comunidade, os permissionários da
praia, os catraieiros, enfim, todos ganham”, destaca.
Parcerias necessárias
Todo esse trabalho de
capacitação dos comunitários para que eles recebam da melhor maneira possível
os turistas dentro do Projeto de Base Comunitária, é feito por meio de
parcerias entre órgãos governamentais como Secretaria Municipal (Semmas) e
Estadual de Meio Ambiente (Semma) e instituições como o Nymuendaju, entidade
sem fins econômicos que promove o desenvolvimento de projetos de intervenção
social e de pesquisa em comunidades amazônicas.
O Instituto de Pesquisas
Ecológicas (IPE) também atua nesse processo. Ele atua em pesquisas, formação de
profissionais, educação ambiental e programas de geração de renda e negócios
sustentáveis que ampliem a responsabilidade socioambiental de comunidades,
empresários e formadores de opinião. A coordenadora de projetos do IPE, Nailza
Porto, explica que o importante é fazer a ponte entre os comunitários e o
público interessado, por meio de agências de turismo sérias, que não os vejam
como empregados, mas parceiros.
Segundo o titular da
Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Antônio Ademir Stroski, a secretaria
legalmente não pode fazer investimentos diretos numa iniciativa privada com
fins lucrativos, mas que a mesma trabalha para que esses comunitários saibam
como trabalhar o turismo sustentável, tenham noções de empreendedorismo e
acesso à políticas estaduais que o farão ter mais sucesso em seus negócios.
“Nós não podemos atender os comunitários com a construção de uma pousada ou um
restaurante, mas nós fazemos articulações para que ele consiga esses recursos”,
explica Stroski.
Saiba mais: Ritual indígena
Na comunidade de São João
do Tupé é possível assistir a parte de um ritual indígena. No dia da reportagem
eles receberam a visita de turistas que estavam em um navio estrangeiro. O pajé
Raimundo Kissib, 68, da etnia Dessana, explica que eles têm muito a oferecer
aos turistas, como caminhadas guiadas e a chance de pernoitar na oca.
SERVIÇO
Informações: Ruth Souza - (92) 99275-1517
ruthturismologa@hotmail.com
Nailza Pereira – (92) 99136-0706nailzatur@hotmail.com
Fonte/Fotos:
Artur Cesar – A Critica/Márcio Silva
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