PRODUÇÃO DE CUIAS NO BAIXO AMAZONAS PODE VIRAR PATRIMÔNIO CULTURAL
As cuias ornadas são confeccionadas há mais de dois
séculos no Baixo Amazonas, no Pará
Pretas, lustrosas e com
diversos formatos e gravuras 'floradas' nas superfícies, as cuias são
onipresentes no comer, no 'banhar', no celebrar e até mesmo no vestir na Região
Norte. A produção de cuias no Baixo Amazonas entrou no Livro de Registro dos
Saberes o“Modo de Fazer Cuias no Baixo Amazonas” como relevante forma de
expressão da cultura brasileira. O reconhecimento é do Conselho Consultivo do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O parecer foi redigido
pela conselheira Lucia Hussak van Velthem, antropóloga, ex-curadora da Coleção
Etnográfica do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), atualmente integrante da
equipe do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI. O processo para
incluir o modo de fazer cuias no Baixo Amazonas dentre os patrimônios culturais
do país começou em 2003 através de projetos do Museu de Folclore Edison
Carneiro do Rio de Janeiro. O acervo da reserva etnográfica do Museu Goeldi,
que preserva peças históricas dos povos amazônicos, forneceu subsídios no
processo de estudo para elaborar o parecer favorável.
Tradição das pinta-cuias
As cuias ornadas são
confeccionadas há mais de dois séculos no Baixo Amazonas, no Pará. Um fazer que
foi transportado no tempo por mãos femininas. São as mulheres que,
principalmente, se encarregam do ofício de transformar os grandes e redondos
frutos da cuieira (Crescentiacujete), planta que fornece a matéria prima, em
recipientes resistentes e bonitos.A produção de cuias atualmente se concentra
em comunidades de Santarém e Monte Alegre -
os cidadãos deste último município, inclusive, são conhecidos como
“pintacuias”.
Cuia para quê?
A cuia, que no Sul do
Brasil e em outros países da América Latina é preenchida com o chimarrão, na
Amazônia guarda o tacacá, o açaí e outras comidas e líquidos. O produto está
também nos afazeres domésticos nos lares dos ribeirinhos, na coleta da água dos
rios, para tomar banho, desafogar as canoas e 'voadeiras'. É um utensílio para
mulheres e homens.
Além do uso, o que
distingue as cuias do Baixo Amazonas das demais é o seu modo especial de
confecção. Usando técnicas tradicionais, reproduzidas e adaptadas de saberes
indígenas, as artesãs escolhem os melhores frutos da cuieira, retiram o miolo e
os dividem em metades, que são as estruturas das cuias. Estas são lavadas,
raspadas com escamas de pirarucu ou folhas de embaúba(tipos de árvore do gênero
Cecropia), e expostas ao sol até ficarem com um aspecto liso, interna e
externamente.
Outro elemento natural dá
a coloração escura à cuia: o cumatê, pigmento da planta cumatezeiro (Myrciam
Atramentifera). A tintura é pincelada na cabaça por diversas vezes e depois da
fixação a superfície está pronta para receber os desenhos, talhados no “couro”
da cuia com pontas de faca ou outros instrumentos cortantes. As gravuras mais
frequentes são motivos florais, representações da fauna regional e grafismos
tapajônicos, também denominados de “indígenas”. Os grafismos inspiram-se na
cerâmica arqueológica, originária do povo Tapajó, preservada em museus
brasileiros. Sua utilização atual se insere em um amplo processo de valorização
do legado arqueológico no município de Santarém.
Lúcia Hussak van Velthem –
Antropóloga e museóloga, Lúcia van Velthem também foi responsável pelo parecer
que inscreveu o Carimbó no Livro de Registro das Formas de Expressão do IPHAN,
em 2014 e colaborou na redação do dossiê sobre o Sistema Agrícola Tradicional
do Rio Negro, registrado em 2010. A
pesquisadora lembra ainda de outras expressões culturais paraenses que
recentemente foram reconhecidas pela instituição, como as Festividades do
Glorioso São Sebastião, em 2013, e o Círio de Nazaré, em 2004: “Todos esses processos exitosos revelam a
riqueza e a diversidade das manifestações culturais imateriais, notadamente as
de cunho religioso e lúdico do Estado do Pará”, afirma.
Fonte/Foto:
Portal Amazônia/Divulgação - Iphan
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