CANTORA DO MERCADÃO DE BELÉM LEVA O RITMO ACOXADINHO PARA FORA DO PARÁ
O mercado popular
Ver-o-Peso, em Belém (PA), é o lugar certo para quem quer se perder em um
labirinto de alimentos, ervas, cores e cheiros. O lugar, no entanto, também
serve de palco para a cantora Gina Lobrista, que levou o ritmo acoxadinho para
além da baía do Guajará. No final de maio, Gina cantou para um público animado
na festa paulistana Mel e garante que já estão surgindo convites para cantar em
outras cidades.
Munida de caixa de som e
microfone, além de CDs que vende a R$ 5 cada, Gina, que ganhou do pai o apelido
"Lobrista" graças à musa do cinema italiano Gina Lollobrigida, pode
ser encontrada quase todos os dias no mercado, cantando o seu acoxadinho, ritmo
que tem esse nome por fazer com que as pessoas dancem coladinhas, "ralando
as coxas".
Com seus longos cabelos
negros, pele morena, olhos pequenos e artesanato indígena, a índia apaixonada,
como gosta de ser chamada, ainda conta com a ajuda de Mr. Bacalhau, que empurra
para Gina a bike-som e que, segundo ela, a ajudou ser bem aceita no Ver-o-Peso.
Gina explica que a
diferença entre o acoxadinho e o arrocha está nos instrumentos musicais.
"O nosso [ritmo] tem mais uma gingada da guitarrada paraense, uma guitarra
chorona. No arrocha, você ouve mais o teclado. É mais seco", diz ela, que
desistiu do melody, outra vertente musical popular no Pará, porque "não
dava conta" de cantar, dançar e ainda manter o tom da voz lá no alto.
"É melhor que Roberto Carlos"
A fama da cantora começou
a cruzar os limites do Ver-o-Peso quando um grupo de estudantes se ofereceu, em
setembro do ano passado, para gravar um clipe de sua música de mais sucesso:
uma versão de "Estou Apaixonado por Você", de Roberto Carlos. No
clipe, que já tem mais de 60 mil visualizações do YouTube, ela vive o dia-a-dia
do mercado: descasca mandioca, prepara e vende comida. "Tudo que eu faço
no clipe já vivi", disse ela.
Conhecendo o histórico do
Rei com questões de direitos autorais, Gina diz que teve receio de ficar
divulgando a música "porque a minha versão ficou mais bonita que a do
Roberto Carlos", diz ela, sem medo de parecer pretensiosa. Gina, no
entanto, diz não se preocupar em ser processada. "Se um dia ele [Roberto
Carlos] entrar na Justiça, não terei medo, porque eu não tenho nada para dar
para ele", diz ela, que junta dinheiro para comprar uma casa.
Vida que daria um filme
A infância e adolescência
sofridas de Gina Lobrista também poderiam render um roteiro de cinema. Nascida
em Recife, Gina Severina da Silva, nome de batismo, mudou-se com a família aos
quatro anos de idade para os arredores de Serra Pelada, no Sudeste do Pará,
região que nos anos 1980 vivia o auge da "febre do ouro".
Foi lá, inclusive, que a
cantora começou a se aproximar da música. A casa simples, mas espaçosa, que
abrigava Gina e seus oito irmãos servia de hospedaria para astros como Leandro
& Leonardo, Raul Seixas, Odair José e Amado Batista, que na época animavam
os trabalhadores do garimpo com apresentações musicais.
A irmã, Geanny Ginos, foi
a primeira a tentar carreira de cantora. Para ajudá-la, Gina exercia a função
de produtora e batia de porta em porta vendendo os CDs de Geanny, que ainda se
arriscava no melody. O sucesso, no entanto, não vinha. Os convites para
apresentações eram escassos, e a vontade de Gina ser famosa só crescia.
Tristeza no Raul Gil
A primeira gravação de
Gina foi a faixa "Amor Estrangeiro", composta por sua mãe. Foi com
essa música que a cantora se inscreveu para participar do programa de calouros
de Raul Gil, em 2010, o que acabou se tornando uma decepção. "Sem saber
como me vestir para o programa, eu me inspirei em Gaby Amarantos e Joelma, e
juntei [o estilo das] duas na mesma roupa. Os jurados detonaram meu vestido
brilhante, criticaram meus erros de português, falaram que desafinei",
conta.
Segundo a artista, aquilo
a deixou em depressão. Gina, no entanto, prefere guardar ensinamentos e não
mágoas do episódio. Hoje, diz que representa de fato o seu Estado, além de
cantar e se vestir muito melhor.
Para o fim do ano, ela
prepara um EP ao lado do DJ e produtor equatoriano Ata Wallpa, que é também seu
namorado. Juntos, eles devem deixar um pouco o acoxadinho de lado para se
entregar ao carimbó digital, ritmo típico do litoral do Pará com acréscimo de
batidas eletrônicas. Apesar de já ser conhecida entre os descolados do eixo
Rio-São Paulo, a cantora diz que ainda ganha pouco com seu trabalho musical:
cerca de R$ 3 mil, que são usados para promover sua carreira, além de construir
a tão sonhada casa própria.
O sucesso vem aos poucos,
mas ela diz que nada vai mudar para os fãs de acoxadinho no Ver-o-Peso.
"Eu tenho certeza de que serei muito famosa, mas quero fazer diferente de
certos artistas que dizem que são do Pará, mas não pisam mais aqui. Quero
continuar cantando no mercado. Sou artista de rua."
Fonte/Foto: Mariane
Zendron - UOL, em São Paulo
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