CONSTRUÍDO NO MEIO DA FLORESTA, HOTEL ESTÁ ABANDONADO
Erguido
em Novo Airão, o ‘cinco estrelas’ seria inaugurado em 2008, com capacidade para
300 pessoas, mas nunca recebeu um hóspede
O
que era para ser um cenário paradisíaco no meio da floresta amazônica se
transformou em um amontoado de mato e entulho
Vinte e quatro anos se passaram desde que as
primeiras árvores começaram a ser derrubadas e os primeiros tijolos foram
unidos para construir o Hotel Ecológico Mercure, localizado no quilômetro 73 da
rodovia AM-352, no Município de Novo Airão. Na época, o empreendimento foi anunciado como promessa
para alavancar o turismo internacional na região e gerar empregos. De lá para
cá, o Amazonas cresceu, foi uma das sedes da Copa do Mundo de 2014, entrou na
rota dos turistas e tem recebido investimentos na área, no entanto, desde 2008
o empreendimento permanece abandonado.
Uma busca rápida na Internet dá a impressão de
que o hotel está em funcionamento, já que alguns sites mostram o endereço e
falam do local como opção de lazer. No entanto, a Premiada Academia de Turismo do Rio Negro -
Ltda (Patrin), que recebeu financiamento do Banco da Amazônia para executar o
projeto, não existe no endereço disponibilizado na web.
Em 10 mil metros quadrados, uma cooperativa
italiana sem fins lucrativos, segundo o Governo do Amazonas, ergueu um hotel
cinco estrelas que nunca recebeu sequer um turista. São 105 suítes, com
ar-condicionado e portas elétricas, que possuem varandas em extensos
corredores, proporcionando um contato direto com a natureza, três salões de
área de lazer e um anfiteatro erguidos em madeira no formato conhecido na
região como “chapéu de palha”, um restaurante equipado com freezers, cozinha
industrial e frigorífico, uma área de lazer com duas piscinas e até área
demarcada para a construção de um heliporto.
Sobrevivente
O sonho de ver os corredores lotados, as
cozinhas funcionando, as piscinas cheias, camareiras e recepcionistas preocupadas com o trabalho é alimentado todos
os dias pelo único “sobrevivente” da obra, Lucas Farias Ramos, 50. Ele viu
quando os primeiros trabalhadores chegaram ao local, esteve entre os pedreiros
que ergueram as paredes, viu os últimos homens deixarem o espaço com a promessa
de voltar logo para os acabamentos. “Se eu tenho um sonho em relação a esse
lugar é o de ver tudo funcionando”, resume ele, que hoje é uma espécie de
“vigia” e “caseiro” do espaço abandonado.
É ele quem cuida para que a área de 10 mil
metros quadrados não seja invadida e os roubos não levem o pouco que restou dos
anos de glória, em que a inauguração era a meta dos mais de dois mil homens que
trabalharam na construção. “Foram duas mil pessoas martelando, moldando essas
portas, pintando, instalando luz. Só pensávamos em inaugurar isso e terminar o
mais rápido possível. Até que um dia o responsável disse que por enquanto ia
esperar até conseguir mais dinheiro. Até hoje nada voltou”, lembra.
A obra, que começou em 1991, já havia sido paralisada antes de chegar a 2008,
quando finalmente as coisas caminhavam para a inauguração. Segundo Lucas, o
motivo para que o local fosse abandonado nunca ficou claro para ele. “Nunca
entendi como fizeram o mais difícil, que foi erguer esse prédio, colocar quase
tudo aqui, e quando faltavam os acabamentos, sumiram”. O caseiro, que mora em
uma casa na AM – 352, na entrada do ramal Nova Esperança, que tem 15 km de
extensão para chegar ao hotel, diz que
já perdeu as contas de quanto a associação italiana deve pelos serviços prestados.
O salário, que deveria ser de R$ 900 para
ficar no local 24h, há anos não chega. A dívida, de acordo com Lucas, chega a
R$ 40 mil. “Eu já pensei em sair, conseguir um emprego fora e fixo, mas prefiro
ficar porque tenho esperança de receber esse dinheiro e de trabalhar no hotel”,
conta.
Sempre que se refere ao hotel como um
empreendimento promissor, Lucas faz questão de falar no futuro. É assim quando
pensa que o espaço inaugurado e em funcionamento pode receber 300 turistas e
gerar 300 empregos diretos e indiretos. “Em um dia comum, poderemos receber 300
hóspedes, são muitas pessoas, gente de fora que vai movimentar a economia, já
que os empregos diretos não vão ser poucos”, diz Lucas.
Mistério
Na entrada do ramal Nova Esperança, entrada
para o hotel, ainda é possível encontrar uma placa que indica o financiamento
pelo Banco da Amazônia à Premiada Academia de Turismo Rio Negro Ltda - Patrin.
Na internet, consta que em 2005 a Patrin
funcionava em um escritório na avenida Djalma Batista. No entanto, o telefone e
o endereço fornecidos não conferem.
Em 2009, o Ministério Público Federal (MPF)
instaurou inquérito civil público para apurar irregularidade na construção do
Hotel Ecológico. O empreendimento pertencia, na época, à rede mundial
Accor. A investigação iniciou porque o
MPF recebeu fotos que mostravam que a
obra foi construída em uma unidade de conservação ambiental do Estado.
No local ainda existem placas do Instituto de
Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), que indicam a proibição de caça, pesca
e desmatamento. No mesmo ano, o Ipaam
informou que o processo de construção do hotel é de 1991, anterior à criação da
unidade de conservação, e que faria uma notificação aos empresários.
Três anos depois, em 2011, o a apuração foi remetida ao Ministério Público
do Estado (MP - AM), após o MPF reunir informações que levaram o procurador da
República do caso a concluir que não havia competência federal para justificar
a atuação do MPF. Dessa forma, o procedimento foi repassado ao MP-AM para
seguimento da apuração no dia 29 de agosto de 2011.
EM NÚMEROS
R$ 27 milhões
Foi o investimento feito pelo grupo de
italianos no hotel de selva até 2008, quando o Governo do Estado, na época,
divulgou o empreendimento como o “futuro do turismo”.
10 .000 m²
É a área total do hotel. No local, há salões
de festa, área de lazer com duas piscinas, anfiteatro e até um ponto reservado
para a construção de um heliporto, que nunca saiu do papel.
300 empregos
Diretos e indiretos seriam gerados para
atender os turistas internacionais, que era o principal foco dos investidores,
segundo registros da época.
105 quartos
Equipados com armários e ar-condicionado,
portas e janelas, estão abandonados e são habitados por morcegos. Todos têm
banheiros e porta com sistema eletrônico.
Fonte/Foto:
Lívia Anselmo – acrítica.uol.com.br/Chico Batata
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