A ROTA PARA UMA MUDANÇA CLIMÁTICA IMPREVISÍVEL
*por Vandana Shiva*
Estamos diante de duas
crises em escala planetária: mudanças climáticas e extinção de espécies. Nossos
atuais modos de produção e consumo, que começaram com a Revolução Industrial e
se agravaram com advento da agricultura industrial têm contribuído para ambas.
Se não forem tomadas
medidas para reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), podemos
experimentar um catastrófico aumento de 4°C na temperatura até o final do
século. Mas a mudança climática não causa apenas o aquecimento global. Ela está
intensificando as secas, inundações, ciclones e outros eventos climáticos
extremos, como testemunhamos em diversas partes do mundo.
Nunca tínhamos
ultrapassado as 280 ppm (partes por milhão) até a Revolução Industrial e os
atuais níveis de CO2 (dióxido de carbono) ultrapassaram as 400 ppm. O óxido
nitroso (N2O) e o metano são GEE, como o CO2, só que mais potentes. De acordo
com o Relatório da Convenção sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), o N2O tem
cerca de 300 vezes mais potencial para causar o aquecimento global do que o
CO2, enquanto que o metano é em torno de 20 vezes mais forte.
As emissões de óxido
nitroso e de metano aumentaram dramaticamente devido à agricultura industrial.
O óxido nitroso é emitido através do uso de fertilizantes nitrogenados
sintéticos e o metano é emitido a partir das atividades pecuárias que produzem
leite, carne e ovos.
A Conferência da
Organização das Nações Unidas de Leipzig sobre os Recursos Fitogenéticos, em
1995, avaliou que 75 por cento da biodiversidade do mundo havia desaparecido na
agricultura devido à chamada Revolução Verde (programa da Fundação Rockefeller
liderado pelo agrônomo estadunidense Norman Ernest Borlaug) e ao advento da
agricultura industrial. O desaparecimento de polinizadores e organismos
benéficos ao solo é outra dimensão da erosão da biodiversidade devido à
agricultura industrial.
Mudanças climáticas,
agricultura e biodiversidade estão intimamente ligadas. O avanço das
monoculturas e aumento no uso de fertilizantes químicos, combinados com a
destruição de hábitats, têm contribuído para a perda da biodiversidade, que
faria o sequestro de gases de Efeito Estufa.
Monoculturas químicas,
mais vulneráveis ao fracasso no contexto de um clima instável, não são sistemas
nos quais podemos confiar para garantir alimentos em tempos de incerteza. O
processo de adaptação às alterações climáticas imprevisíveis requer diversidade
em todos os níveis e, sistemas biodiversos não são apenas mais resistentes às
mudanças climáticas, como também mais produtivos em termos de nutrição por
hectare.
A humanidade estava
informada e não adotou medidas destinadas a evitar às crises do clima e da
biodiversidade. Na RIO-92, a comunidade internacional assinou dois acordos
juridicamente vinculativos: as Convenções sobre o Clima e Biodiversidade; ambas
embasadas no conhecimento das ciências ambientais e nos crescentes movimentos
ecológicos. Um deles foi a resposta científica ao impacto da poluição dos
combustíveis fósseis, o outro foi a resposta científica à erosão da
biodiversidade devido à propagação de monoculturas industriais e químicas, bem
como à poluição genética causada por organismos geneticamente modificados (OGM).
O Artigo 19.3 da Convenção
das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica prevê que as partes considerem a
necessidade de um Protocolo que estabeleça procedimentos para a transferência,
manipulação e uso de organismos vivos modificados (OVMs) resultantes da
biotecnologia que possam ter um efeito adverso sobre a biodiversidade e seus
componentes. Isto levou à implementação do Protocolo de Biossegurança.
A biossegurança
cientificamente avalia o impacto dos organismos geneticamente modificados sobre
o ambiente, a saúde pública e as condições socioeconômicas, garantindo a
sustentabilidade social e ecológica de sistemas agrícolas e alimentares. Os
sistemas baseados na agroecologia conservam a biodiversidade, aumentam a saúde
e a nutrição por área de cultivo, garantem a segurança alimentar e aumentam a
resiliência ao clima.
Mas, desde 1992, os
grandes poluidores – a indústria de combustíveis fósseis e a indústria
agroquímica (que é agora também a indústria da biotecnologia) – fizeram todo o
possível para subverter os tratados ambientais internacionais sobre mudanças
climáticas e biodiversidade, que são obrigatórios e embasados cientificamente.
Porém, seus ataques às ciências ambientais se mantêm sem o necessário
embasamento científico e são absolutamente irresponsáveis, porque eles nos
jogam diretamente nos desastres e catástrofes climáticas enquanto impedem a
realização de uma mudança, apesar de evidências científicas mostrarem que temos
alternativas melhores e que funcionam.
Temos que nos afastar de
uma agricultura industrial quimicamente-intensiva e do sistema alimentar global
centralizado, baseado na produção de commodities, que contribui para as
emissões. No lugar de uma biodiversidade destruída pelas monoculturas
industriais, incluindo aquelas baseadas em sementes transgênicas, precisamos de
uma mudança para práticas agroecológicas que conservem a biodiversidade e
garantam a biossegurança. A transição para uma agricultura
biodiversamente-intensiva e ecologicamente-intensiva aborda simultaneamente
tanto a crise climática quanto a da biodiversidade, e, ao mesmo tempo, enfrenta
a crise alimentar.
Embora a agricultura
industrial seja um dos principais contribuidores às mudanças climáticas e mais
vulnerável a elas, há uma tentativa por parte da indústria da biotecnologia de
usar a crise climática como uma oportunidade para expandir ainda mais o uso de
OGMs e aprofundar o seu monopólio das sementes baseadas na biopirataria através
de patentes, em detrimento das sementes resilientes ao clima que foram aprimoradas
pelos agricultores ao longo de gerações.
Mas, como disse Einstein:
“Nós não podemos resolver um problema com a mesma mentalidade que o criou”.
Sistemas intensivos, centralizados, baseados na monocultura e em combustíveis
fósseis, incluindo agricultura OGM, não são flexíveis. Eles não conseguem se
adaptar e evoluir. Precisamos de flexibilidade, resiliência e adaptação para
uma nova realidade. Esta resiliência vem da diversidade. Esta diversidade de
conhecimento, economia e política é o que eu chamo de Democracia da Terra.
Nossa vizinha, Caxemira,
enfrentou uma tragédia este ano, assim como Uttarakhand, na Índia, viveu no ano
passado. Quando a chuva de um dia possui cinco a seis vezes mais volume do que
o normal, é um evento extremo. Isto é o que significa a mudança climática. Ela
custou vidas, dizimou vilas, fazendas, estradas, pontes. As atividades humanas
criaram desastres como o dilúvio na Caxemira. A ação humana é necessária para
prevenir essas catástrofes climáticas. Não podemos ficar como espectadores
mudos enquanto o paraíso da Índia na terra torna-se o “Paraíso Perdido”.
Fonte/Foto:
envolverde.com.br
* Vandana Shiva é diretora
executiva do Fundo Navdanya, física, ecofeminista e ativista ambiental.
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