ARTIGO: DIRETOS HUMANOS ACIMA DE LEIS MENORES
- por
Edilberto Sena (*)
Hoje (8), é dia da grande
festa de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de muitas comunidades. Maria de
Nazaré, mulher cuja grandeza foi mudar seu plano de vida pessoal para atender
ao pedido de Deus, ser mãe e mãe do próprio filho divino.
Ela é venerada em milhares
de lugares, com variados apelidos e com variadas intenções de devotos. Da
Conceição, de Fátima, das Graças, do Perpétuo Socorro, de Guadalupe e por aí
vai.
Nos últimos dias, houve
alguns momentos ligados à realidade da região e ligados à Maria de Nazaré. Tais
momentos chamaram a atenção pelo contraste de comportamento de parte da
população, em relação ao saber fazer a vontade de Deus.
A mulher tão venerada é
inspiração exatamente por ter sabido fazer a vontade de Deus, mudando seu plano
pessoal. Durante a procissão do Círio da Conceição, dizem alguns que
percorreram as ruas da cidade cerca de 150 mil pessoas devotas de Maria.
Enfrentaram sol escaldante das sete da manhã até ao meio dia.
Cantavam, rezavam
invocando a padroeira. Poucos dias depois, houve a Caminhada de Fé com Maria,
quando cerca de 50 mil pessoas caminharam 37 quilômetros cantando e louvando a
mãe de Jesus a noite toda.
Curiosamente, poucos dias
depois, na semana passada, houve uma Caravana desde Santarém até São Luiz do
Tapajós. Era uma ação religiosa/política em defesa da vida e dos povos do rio
tapajós.
Apenas 220 pessoas se
dispuseram a ir até São Luiz do Tapajós. O bispo Dom Flávio, que caminhou no
Círio da Conceição, estava lá na ação religiosa política.
A Rádio Rural anunciou e
convidou seus ouvintes a participarem da caravana, um grupo veio do Lago Grande
do Curuai participar. Muitos outros viajaram de Altamira, do Mato Grosso, de
Itaituba, Aveiro e do alto Tapajós, mas de Santarém apenas 220 se dispuseram.
Como explicar essa
desproporção entre os que enfrentaram sol quente e noite escura, por tantos
quilômetros nas procissões e tão poucos na Caravana em defesa da vida ameaçada
pelo plano hidroelétrico do governo federal?
Como fazer a vontade de
Deus nos dias de hoje? Como saber o que ele quer de seus seguidores? Fé e vida,
oração e ação, como fazer essa ligação hoje num mundo em que os poderes da
ganância, do progresso violenta os direitos dos povos?
Mas outro fato da semana
merece uma análise. O juiz federal em Santarém lavrou uma sentença que pode ser
legal, mas certamente é equivocada e injusta. Decretou ele que não existe terra
indígena no alto Arapiuns, nas terras do Maró.
Em que ele se baseou para
tão convicta sentença? Segundo o advogado da Organização Terra de Direitos, o
juiz da 2ª Vara atendeu ao pedido de seis associações locais.
As organizações
contestaram a legitimidade do pleito, alegando não haver povos indígenas no
local. Assistiram essas associações, o município de Santarém e o governo do
Estado do Pará, que advogaram contra os povos indígenas.
Essas associações locais
estão extraindo madeira da região e por isso tem interesses contrários aos
indígenas. O juiz preferiu dar razão a elas. Ao publicar tal sentença negando
terra indígena, o juiz violou uma lei maior que ele deveria por ofício
conhecer: aquela que garante o direito de autorreconhecimento, estabelecido na
Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o
Brasil é comprometido.
Essa convenção prevê o
direito de expressar livremente a identidade, de modo incontestável, para assim
melhor situar na realidade conflituosa os direitos de comunidades que tiveram
por anos sua identidade negada. Dessa forma, os autorreconhecidos indígenas da
TI Maró possuem o direito de exigir a demarcação de suas terras.
Ora, ao sentenciar que na
região do Maró não existe terra indígena, o juiz federal nega o direito dos
moradores daquela região se identificarem como indígenas.
Que direito tem o juiz de
negar essa identidade? A Constituição brasileira garante o direito de cada
cidadão assumir sua identidade. Se o juiz nega a existência do território, ele
nega também a existência dos indígenas, mesmo que a Fundação Nacional do Índio,
a FUNAI já tenha reconhecido.
Dizer que sentença de juiz
não se discute é menos verdade, ele não está acima das leis, de todas as leis,
inclusive os tratados internacionais com os quais o Brasil é signatário.
*sobre Edilberto Sena
Santareno, é padre
diocesano. É coordenador da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Santarém.
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