BRASIL TEM METADE DAS MORTES DE ATIVISTAS AMBIENTAIS NO MUNDO
Extração ilegal de madeira. |
RIO - O extrativista José
Cláudio Ribeiro, a religiosa americana Dorothy Stang e o biólogo espanhol Gonzalo
Alonso Hernández têm algo em comum. Os três ativistas foram assassinados no
Brasil, palco de suas campanhas a favor da conservação do meio ambiente. Eles
figuram numa relação divulgada ontem pela ONG Global Witness, que lista 908
ambientalistas executados, entre 2002 e 2013, em 35 países. Quase metade dos
casos, 448 mortes, ocorreu em território brasileiro.
No relatório “Deadly
Environment” (ou “Ambiente mortal”), a ONG acusa o país de não monitorar redes
criminosas atuantes na Amazônia e em outros ecossistemas, subestimar os
conflitos de terra e negligenciar assistência a famílias ameaçadas por
proprietários de terra e madeireiros. O Brasil é o Estado mais perigoso para a
defesa do direito à terra e ao meio ambiente, seguido por Honduras, com 109 assassinatos,
e Filipinas (67).
O ano mais crítico foi
2012, quando ocorreram 147 mortes de ativistas em todo o mundo, três vezes mais
do que dez anos antes. No dia 22 de junho, o mesmo em que a conferência
climática da ONU Rio+20 foi encerrada, dois defensores dos direitos dos
pescadores artesanais no Rio foram sequestrados. Almir Nogueira de Amorim e
João Luiz Telles denunciavam grandes pescadores que usavam “currais” para
lotear a Baía de Guanabara. Seus corpos foram encontrados nos dias seguintes,
boiando na baía, em Niterói.
Condenação em apenas 1%
dos casos
Em todo o mundo, apenas
10% dos casos chegam aos tribunais, sendo que somente 1% resulta em condenação.
Para a Global Witness, o percentual é um símbolo da “cultura endêmica de
impunidade” conduzida pelos governos. A falta de condenações contribui para o
silêncio dos ativistas e da população prejudicada por atividades econômicas
ilegais.
- Esses crimes não recebem
a atenção necessária das autoridades. Se houvesse um monitoramento constante
nos biomas mais ameaçados, seria possível levar muitos outros criminosos à
Justiça — denuncia Oliver Courtney, coautor do relatório.
Courtney considera a
situação brasileira “particularmente grave” devido ao crescimento dos episódios
de violência na Amazônia. O documento lembra que, em 2013, o desmatamento na
maior floresta tropical do planeta aumentou 23%. A maior incidência de
desflorestamento (61%) ocorreu no Pará e no Mato Grosso do Sul, dois dos
estados onde há mais atentados contra ativistas.
No interior do Mato Grosso
do Sul, produtores de carne bovina, soja e cana de açúcar têm entrado em
conflito com índios das comunidades guarani e kuranji. Segundo a Global
Witness, metade dos assassinatos de ativistas ambientais em 2012 ocorreu na
região. E, no país todo, foram mortos 250 defensores de origem indígena entre
2003 e 2010.
— O conflito por terra na
Amazônia cresceu dramaticamente no ano passado — destaca. — O Brasil tem uma
grande mobilização da sociedade civil, mas a população indígena continua
exposta a atividades econômicas insustentáveis.
No Pará, o jornalista
Pedro César Batista acumula uma lista de 18 amigos assassinados. Entre eles
está seu irmão, o deputado João Batista, morto em 6 de dezembro de 1988 em
frente ao prédio em que morava, em Belém. Três anos antes, seu pai, Nestor
Batista, havia sobrevivido a um tiro de espingarda na cabeça. Por pressão da
família, Pedro deixou o estado.
— O João era visto como um
advogado dos sem-terra. Não acreditávamos que ele seria assassinado — recorda
Pedro. — Mas descobrimos que havia uma lista com mais de 180 pessoas marcadas
para morrer.
“Limpeza entre os
bandidos”
Dois pistoleiros foram
responsáveis pelo atentado contra João Batista. Libertado após cumprir apenas
um sexto de sua pena, de 28 anos, Péricles Moreira foi executado com 14 tiros
em uma emboscada. Roberto Cirino, o outro assassino, foi degolado antes de seu
julgamento. Segundo Pedro, a “limpeza entre os bandidos” é uma forma comum de
assegurar a impunidade dos mandantes dos crimes, como latifundiários, policiais
e autoridades públicas.
Batista acredita que o
número de assassinatos divulgado pela Global Witness está “totalmente
subestimado”. De acordo com ele, as lideranças camponesas são mortas devido à
sua resistência ao avanço da agropecuária:
— Para o plantio de uma
cultura, desmata-se um quilombo inteiro.
Os madeireiros são os
responsáveis pela derrubada da mata na Amazônia. Depois deles vêm a pecuária e
a indústria da soja. O avanço dessas atividades econômicas sobre áreas
protegidas esbarra no direito de populações indígenas e nos trabalhos
defendidos por ativistas ambientais.
— A floresta é repleta de
áreas de fronteira agrícola, e o governo não consegue acompanhar o ataque a
essas regiões — lamenta André Guimarães, vice-presidente da Conservação
Internacional. — Mas, embora a maioria das invasões ocorra na Amazônia, também
precisamos prestar atenção no Cerrado. Metade desse bioma ainda está intacto, e
ele pode atrair atividades econômicas no futuro.
A Global Witness reconhece
que seu levantamento é parcial, dada a dificuldade para analisar os conflitos
de terra em diversas regiões do mundo, especialmente em países africanos.
“Esses dados são muito
provavelmente apenas a ponta do iceberg (...). O aumento de mortes é a face
mais premente e mensurável de um conjunto de ameaças, entre as quais a
intimidação, violência, estigmatização e criminalização.”
Fonte/Foto: Renato
Grandelle – oglobo.globo.com/Marizilda Cruppe
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