A SAGA DE UM GUERREIRO...“PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA DO POVO NHAMUNDAENSE”



UMA HISTÓRIA QUE TODO O NHAMUNDAENSE DEVE SABER
Um guerreiro Babuhi ou Uaboy, segundo a lenda dessa tribo, era respeitado além de suas fronteiras; cumpria rigorosamente o mandamento supremo da nação – tratar das fontes dos rios. Segundo a tradição Uaboy, Fetaru – a surucucu – era a sombra exterminadora, a fonte das enfermidades, da má colheita, das tempestades, a destruidora dos rios, lagos, igarapés e cabeceiras, razões de se mantê-la presa no leito de um lago.
Conta a lenda que o título de Yemaná surgiu por volta de 1.600 a.C. Assim, veio sucessivamente acontecendo a alternância no cargo de guerreiro Yemaná até meados de 1800 d.C. Em 1730, faleceu o LXXVI Yemaná investido no cargo de Tuxaua Jamundá. Desse modo, o pajé, com a anuência do conselho dos anciãos, convocou nova eleição. Centenas de Uaboys concorreram ao mais importante cargo da nação, sendo eleito com vitória esmagadora um jovem que, investido no cargo, passou a representar seu povo com toda a dedicação, afinco e determinação. Assim, foi eleito o LXXVII Yemaná, passando a usar o nome de Yemaná Totoyoko, ou Jamundá – o Guerreiro.
Yemaná Totoyoko logo ficou conhecido entre os índios da região. Nasceu por volta de março de 1675, na Serra Macoa, nas cabeceiras do rio Urucurina, na localidade de Kinemur Iemur – a pedra Pintada. Seus ancestrais gravaram o seu nome em alto-relevo, no sétimo degrau, aos pés da Serra Macoa, onde se identifica uma figura de um macaco, representando o rei da selva; a Lua, manifestação da deusa das Pedras Verdes; o Sol, luz eterna; as águas, a revelação de toda a vida.
Yemaná, o Guerreiro, era dono de uma personalidade marcante. O brilho do seu olhar passava mensagens em silêncio; os seus gestos eram nobres, sempre a demonstrar ao seu povo a retidão e a segurança. Altivo, carismático, dominava como poucos a arte de intuir; sereno, temente à divindade de sua tradição, não media esforços para proteger seu território. Era um visionário de seu tempo.
O guerreiro e os demais Uaboys usavam suspensa uma taboca como porta-flecha, trançada e enlaçada por cabelos negros brilhantes. As flechas eram ornadas com penas de araras azuis e vermelhas. As azuis, em sua ponta, eram imantadas no raho – veneno não letal; as vermelhas eram banhadas com kmaraweto – veneno mortal.
A pedra pintada – Kinemur Iemur – e o Paraíso – parayesu – estão emoldurados por paisagens naturais de uma floresta fechada e
exuberante, integrando assim um dos maiores patrimônios esculpidos ao longo das eras. Em seu conjunto, encontra-se o igarapé do Tucano – Kyakwe, Murmem, Saramata, Barro Branco, Kmahu, Lago do Tucunaré – watwaimo, Lago do Peixe – Haranayouko – e o reluzente Rio do Ouro, o Hedewsá, além do Rio Cafuini, Tutumo, Tatuini e Urucurina, do qual até hoje só é permitida a entrada de visitas em companhia de um membro da tribo Hixkaryana, legítimos herdeiros dos Babuhis – Uaboys.
Era da pedra pintada que o grande guerreiro, Yemaná, pautava as suas ações, seus projetos e suas táticas e estratégias para bem administrar os períodos de escassez, de fartura, de colheitas e os ciclos produtivos do imenso território de seu povo.
Com o apogeu da economia, a população Uaboy passou a ser constituída por várias tribos, com destaque aos Pianacotós, Katwenas, Tiriós, Cikyanas, Mowoyanas, Wapxanas, Kaxiwyanas, Way-way, Jamundás, Condurizes, Quimeras, Paraculanas, Curumins, Paraquatas, Yanomâmis, Canuris, Tanayanas e Guancaris.
Inteligente, Jamundá, agora guerreiro de todas as tribos, incentivou o intercâmbio cultural entre todas elas. Para ele, a troca era um eterno aprendizado rumo ao desenvolvimento sustentável. O grande alicerce que levou suas ações a serem coroadas de êxito foi o elevado investimento em melhorias do transporte naval. A sua frota de canoas era a mais bem aparelhada de toda a região.
Contando com a ajuda das demais tribos, implantou até uma escola náutica na região, quando criou a canoa – kanawa –, a arraia – canoa com talha-mar estreito e curvatura acentuada aberta e sem calado –, resinada com leite de jatobá, revolucionando o conceito da construção naval, face à leveza desse transporte, pois permitia deslizar de forma que se alcançasse velocidade impressionante.
Yemaná habilmente fazia ver aos demais líderes a importância da força da união, benfeitora de todos os povos. Conforme crescia o seu prestígio, Jamundá desafiava todas as leis de sua época e dividia o poder com as demais lideranças.
Em solenidade aos pés da grande serra, dava autonomia às nações amigas a ocuparem o território Babuhi, devidamente demarcado por igarapés, rios e lagos. Desse modo, pregou a resistência pacífica junto ao seu povo. Em poucos anos essas nações se constituíram no maior conglomerado de tribos indígenas do Planalto Goiano e do Grão-Pará.
Yemaná Totoyoko procurava manter um relacionamento cordial com todos os membros dos vilarejos ao longo do grande rio. Em razão de seus elevados préstimos, os jesuítas fizeram-lhe homenagem dando seu nome a uma localidade, chamada de Santa Cruz do Jamundá, que, mais tarde, sob a gestão dos capuchos da Piedade, recebeu o nome de São Batista de Nhamundás (Leite, 1943, p. 277 e 278). Anos depois, a aldeia foi transferida para as margens do Lago de Faro, onde iria dar origem à cidade desse nome, enquanto as demais tribos o homenagearam dando o seu nome ao caudaloso rio.
Foi a partir daquele evento que a notícia se espalhou sobre as boas novas, com ênfase a sua participação ativa no progresso da região. Isso verdadeiramente passou a deixá-lo apreensivo, pois, a cada dia, mais e mais pessoas passaram a integrar os quadros daquela comunidade.
As profundas reflexões eram uma constante em sua vida; tentava compreender as pessoas diferentes, e não conseguia. Eram portadoras de atitudes grosseiras, violentas, o que o deixara confuso. Em sua mente, de quando em quando, manifestava-se o arquétipo Fetaru preso no fundo do grande lago.
Certo dia, reuniu seus irmãos e comunicou-lhes que, de livre e espontânea vontade, estava precisando dar mais de si aos outros povos. A partir daquele momento, passou a viver por longos períodos no monte Kinemur, paixão de sua vida. Mas solicitou aos seus mantê-lo informado sobre tudo.
Conta-se que, sob o comando de um aventureiro, de nome Bragança – cujo objetivo maior era tomar posse de todo o território dos Jamundás –, de olho nas reservas de ouro do rio Hedewsá, o elemento se fazia acompanhar por uma verdadeira esquadra de igarités, trezentos e cinquenta soldados, distribuídos em dezoito embarcações e em mais de quarenta canoas.
Yemaná estrategicamente deixou que os invasores chegassem à cachoeira da Gaivota, a décima quinta cachoeira; foi quando, pela primeira vez, fez uso da flecha Kmaraweto contra um ser humano.
Do platô, disparou a primeira flecha pena vermelha, que, sibilando no ar, atingiu mortalmente o comandante que chamavam “sargento mor”, enquanto os demais guerreiros, numa ação conjunta, dispararam acompanhando Yemaná. O céu da cachoeira da Gaivota escureceu em vermelho reluzente; eram flechas aos milhares que saíam de todos os lados da grande floresta, deixando sem defesa os inimigos.
Dezenas de corpos desciam cachoeiras abaixo quando um dos sobreviventes hasteou a bandeira branca partindo em retirada para não mais voltar. Desde então, Yemaná fechou completamente sua área territorial.
Assim, raras vezes, descia o rio que leva o seu nome, o Jamundá, dedicando-se completamente ao seu povo. Brincando com os mais jovens, ouvia os anciãos, providenciava mantimentos e caçava. A caça e a pesca passaram a ser um dos seus hábitos favoritos; convidava os mais jovens e os ensinava a destreza, os sons dos pássaros, do peixe-boi e das demais aves.
Em questão de minutos, a tribo percebia sua chegada. Era de uma felicidade contagiante. Reinava a alegria e, sobretudo, a paz. Todos iam abraçá-lo; trazia caititu, queixada, onça-pintada, gato maracajá, macaco, peixes fresquinhos de lagos que só ele conhecia.
Era manhã. A brisa batia diferente na face da pedra pintada; as crianças brincavam, e Jamundá ainda não despertara; resolveram ir visitá-lo; elas o encontraram em seu cantinho, com os olhos fechados; nos seus lábios, um sorriso de criança... Partiu!
Jamundá fora com o espírito leve; partiu deixando seus ensinamentos para gerações futuras.
Assim, viveu e partiu um herói do mundo das selvas, o Senhor dos Rios... Yemaná Totoyoko, Jamundá, o Nhamundá!
Jamundá... O guerreiro de todas as tribos!

Fonte: Encantos de Nhamundá. pp.173,174,175,176,177,178,179.
Editor: Industria Gráfica Novotempo.
Autor: Lison Costa.

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