BURRO NÃO É QUEM ESCREVE “ERRADO”. BURRO É QUEM DISCRIMINA.
- por Leonardo
Sakamoto*
Algumas das
pessoas mais sábias que conheci são iletradas. E alguns dos maiores idiotas têm
doutorado. Às vezes, mais de um.
Significa que os iletrados
são melhores que os doutores? Não.
Então, o contrário? Também
não.
O nível de escolaridade e
a forma através da qual uma pessoa se expressa muitas vezes é irrelevante
frente ao conteúdo que pode agregar a uma discussão.
Se ela conseguiu fazer com
que os outros a entendessem, ótimo, fez-se a comunicação.
Muita gente não entendeu
isso ainda e desvaloriza a opinião do outro porque este separou sujeito e
predicado com vírgula. Mesquinhos, sabe? Isso quando não oprimem quem não
sentou em bancos de escola.
Mas o que esperar de uma
sociedade em que pipocam pessoas que desconsideram o interlocutor por não saber
acertar uma concordância verbal ou conjugar um verbo?
- Meu Deus! Você não sabe
flexionar o verbo “funhunhar” no futuro do subjuntivo? É um desqualificado
ignorante que merece meu desprezo…
E na qual o domínio da
norma culta (que, convenhamos, é um porre) é alçado à condição de passaporte
para a participação nas discussões sobre o destino do mundo.
A língua é construída pela
boca das pessoas no dia-a-dia e não por meia dúzia de iluminados. É dinâmica,
em constante mutação e, para sobreviver, não precisa de formalismos – que são
exatamente isso, construções, muitas vezes definidas pelo grupo hegemônico.
Como dizer que uma pessoa
que nasceu e cresceu falando português e sempre se fez entender está errada ?
Dizer que um pescador, um
vendedor ambulante, a vendedora do tabuleiro de doces, uma quilombola ou ribeirinha
ou um operário da construção civil que não usem a norma culta “desconhecem a
própria língua” não é um ação pedagógica e sim um ato político.
Excludente.
Que usa uma justificativa
supostamente técnica para manter do lado de fora dos debates sobre o futuro a
maior parte da sociedade brasileira.
A quem interessa a
manutenção desse comportamento? A quem está no poder e, muitas vezes, usa a
língua como instrumento de coerção.
Que faz o restante – que
não foi chamado para Grande Rega-Bofe – acreditar que política é coisa de gente
culta e estudada. E, portanto, melhor eles ficarem de fora e só entrarem para
para encher as taças de vinho ou trazer os canapés.
No sufrágio que se
aproxima, não seja niilista: defenestre – de forma paradigmática – quem maquiavelicamente
oblitera a democracia por diletantismo ou dolo. Traduzindo: dê uma banana a
quem não quer que você entenda nada.
*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência
Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em
Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é
coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional
para a Erradicação do Trabalho Escravo.


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