NOS LIVROS DIDÁTICOS E NA VIDA REAL. LEIA, MUITO INTERESSANTE!
Gradualmente os equívocos relacionados à tradição
indígena e reproduzidos nas escolas pelos livros didáticos começam a mudar.
Mais rápido do que este processo, uma aldeia tupi-guarani vem colhendo
resultados de ações de aproximação e de resgate que aliam preservação e
tecnologia
Ano após ano, quando o
calendário marca 19 de abril, escolas pelo Brasil afora incentivam as crianças
a pintarem o rosto e desenharem índios. Assim o Dia do Índio é comemorado e os
alunos continuam imaginando que índio vive na oca, faz dança da chuva ou coloca
pessoas para cozinhar em um caldeirão, em uma confusão de histórias que
misturam informações verdadeiras e imaginárias, transmitidas pelos desenhos
animados.
O que é real nisso tudo é
o desconhecimento sobre os povos indígenas. Os brasileiros, de maneira geral,
sabem pouco a respeito da realidade destas comunidades, seja pela falta de
incentivo da educação formal, seja pela falta de interesse, afinal “índio só mora
na Amazônia e estamos muito longe deles”, equivoca-se grande parte das pessoas.
Como não preservamos o que não conhecemos estamos mergulhados em um ciclo
vicioso.
Se considerarmos o
conteúdo dos livros didáticos distribuídos para a rede pública de ensino, ainda
que lentamente, o poder público está dando um pequeno passo em direção à
mudança dessa situação.
Diante das críticas dos
avaliadores do Programa Nacional do Livro Didático, o Ministério da Educação
realizou em 2013 um estudo com objetivo de gerar orientações técnicas para o
Conselho Nacional de Educação. Ao saber quais as necessidades de reformulação,
será possível ter um conteúdo sobre história e cultura indígena mais adequado
para ser oferecido nas instituições de ensino superior.
Outros resultados
esperados são orientações que sirvam para inserir o tema nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para formação de professores da educação básica, além de
contribuir para a elaboração dos livros didáticos que serão impressos em 2015.
Uma das críticas feitas
aos livros atuais é que o índio é mostrado apenas nos livros de história
durante o período colonial e depois é como se deixasse de existir.
O renascer da aldeia
Nos livros didáticos e na
vida real. Na tentativa de esclarecer tantos equívocos destes séculos de
relacionamento conturbado e procurar, de uma maneira concreta e mais rápida,
aproximar índios de não índios, Itá Mirim, líder tupi-guarani, da aldeia Tabaçu
Rekoypy, desde 2000 vem estudando a língua e a tradição tupi-guarani com
intuito de resgatar as tradições de seu povo em uma das comunidades indígenas
estabelecidas na região de divisa entre Peruíbe e Itanhaém, litoral sul do
Estado de São Paulo.
Formada em Pedagogia
Indígena pela Universidade de São Paulo, Itá Mirim, e um grupo de cerca de 15
pessoas, formada por familiares mais próximos como esposo, filha, mãe, primos,
mudou-se por cinco vezes até decidir que as aldeias atuais, que vivem na região
em terras demarcadas pela Funai – Fundação Nacional do Índio, já não mais seguiam
as raízes da tradição.
Desde então, o pequeno
grupo formou uma aldeia menor, a Tabaçu Rekoypy e há pouco mais de um ano, Itá
vem ensinando as crianças da aldeia a falarem o tupi-guarani. Outros membros,
que chegaram a viver em cidades, estão resgatando e compartilhando os saberes
da medicina tradicional, do plantio e da colheita e do artesanato.
A tribo se mantém com a
ajuda de parceiros que colaboram com a organização da recepção de alunos e
visitantes interessados em educação ambiental e em reconhecer a importância
destes brasileiros como conhecedores dos remédios da mata e guardiões dos
recursos naturais.
“Nossa história vem de uma
luta muito grande desde a ocupação desta terra, inicialmente usada para
mineração de areia e que foi objeto de disputa entre o Eike Batista e as
comunidades indígenas. Fomos criticados por muitos que diziam que estávamos
impedindo a instalação de uma empresa que iria gerar empregos. Graças à
mobilização da população de Peruíbe, que apoiou nossa permanência na terra, estamos
aqui e hoje os conflitos quase não existem”, conta a líder.
Itá se refere a uma área
total de 2.795 hectares onde vivem cinco comunidades, entre elas a Tabaçu
Rekoypy, que em tupi significa “renascer da grande aldeia”. A demarcação
definitiva foi feita pela Funai em 2012 nesta área que protege o que restou da
vegetação nativa de restinga da região.
A área sob os cuidados da
aldeia, de acordo com membros do grupo, está sendo recuperada, assim como está
sendo feita a proteção de nascentes.
Tecnologia e tradição
Os “curumins” que estão
aprendendo a tradição tupi, desde cedo convivem com as histórias que passam de
geração para geração, entre elas, a lenda do saci-pererê que, ao contrário do
que pensamos, que é um pequeno menino negro de uma perna só, originalmente é
uma lenda indígena que conta que é um pequeno índio que vive na mata para
protegê-la e que, tendo uma perna só, quando precisa, pode se disfarçar como se
fosse um tronco de uma árvore ou o que lhe parecer melhor.
“Durante o período
colonial, os negros que fugiam e buscavam abrigo nas aldeias, escutavam nossas
histórias, como a do saci. Com o passar do tempo e a cultura africana se
tornando muito mais forte do que as tradições indígenas, o saci passou a ser um
pequeno menino negro de uma perna só, mas, na verdade, nosso povo conta que o
saci é um pequeno índio de uma só perna, um curumim”, explica a professora.
O trabalho de resgate e de
aproximação é grande. A aldeia conta com o apoio de uma empresa de ecoturismo para
organizar as visitas, chamadas de Vivências na Aldeia. Os índios contam que
depois de problemas em parcerias anteriores, agora estão mais tranquilos e o
esforço está sendo positivo, o que pode ser observado com o aumento do
interesse das escolas e de turistas.
As vivências são
atividades que promovem integração por meio de cantos, danças, rituais de
pintura e ensinamentos sobre as plantas e as técnicas de construção natural. Os
grupos podem passar o dia ou parte dele na aldeia.
“A tecnologia não é ruim,
nós usamos a internet para nos comunicar com a empresa, para organizar visitas,
entre outras facilidades. Estamos aqui para provar que é possível esta
convivência pacífica entre o uso benéfico deste recurso e a vida de acordo com
as nossas tradições, queremos estabelecer um novo paradigma de relacionamento
que construa um elo entre nós e a sociedade”, conta Itá Mirim, enquanto imprime
algumas palavras do tupi em uma folha que oferece à reportagem.
É curioso pensar que
depois de ter sua terra usurpada, a população dizimada, saberes perdidos por
rejeição do “homem branco” e a cultura rotulada como “de menor importância”, os
índios ainda tenham que lutar para preservar recursos naturais vitais como a
água. Para isso, estão aceitando o uso da internet, mesmo arriscando-se a ser
sufocados pelo modo de vida predominante.
A infraestrutura também é
um desafio constante. No último mês, após 10 dias de chuvas intensas na aldeia,
houve muita perda material e alguns índios adoeceram, provocando o cancelamento
da Vivência que estava agendada.
Vamos caminhando até o
lago de água cor de chá mate, onde crianças brincam na companhia da anciã da
aldeia, Kunhã Dju, Morubixaba, (vice-cacique), mãe de Itá.
Elas se aproximam para
brincar e começam a trazer punhados de lama do fundo do lago, dizendo: “Toma,
isto aqui é bolinho da mandioca, este é de
fubá”. Uma delas também
quer participar e diz: “Este aqui é de iogurte, que eu adoro”.
É preciso um trabalho
cuidadoso de reaproximação com a sociedade para que esta convivência seja
equilibrada e para que a cultura indígena não seja engolida mais uma vez pela
ignorância ou pela crença de que só é importante a vida fora da aldeia.
Aqui se fala tupi
O tupi é considerado o
primeiro idioma que os portugueses ouviram quando chegaram no Brasil. Ainda
hoje, usamos muitas palavras que se originam dele, como abacaxi, pipoca e
Ipiranga (rio vermelho).
Conheça outras expressões:
Porá Eté – Muito obrigado
Rekó Porã – Tudo bem
Txe apy ain – Eu estou
aqui
Nhanderu omée mbaé kwaa –
Nosso Pai nos dá sabedoria
Nhanderu Eté – Nosso Pai
Verdadeiro
Fonte/Fotos:
envolverde.com.br



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