EX-PREFEITO DE LÁBREA-AM É RESPONSABILIZADO POR TRABALHO ESCRAVO INFANTIL
O ex-prefeito de Lábrea,
Gean Campos de Barros (PMDB) e seu genro, Oscar da Costa Gadelha, foram
responsabilizados pela exploração de 21 pessoas em condições análogas a de
escravos na produção de castanha-do-pará em Lábrea, no Amazonas. Entre os
resgatados estavam dois adolescentes e quatro crianças, incluindo dois meninos
de 11 anos que, assim como os demais, carregavam sacos cheios de castanhas em
trilhas na mata e manuseavam facões longos, conhecidos como terçados, para
abertura dos ouriços, os frutos da castanha. A reportagem tentou entrar em
contato com os empresários para ouvi-los sobre o flagrante, mas não conseguiu
localizá-los.
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Local que o grupo utilizava para se alojar.. |
A libertação aconteceu em
operação conjunta do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do
Trabalho e Polícia Federal, realizada entre 16 a 28 de março em castanhal
localizado dentro da Reserva Extrativista do Médio Purus, acessível a partir da
comunidade ribeirinha de Lusitânia, nas margens do rio Purus. “O que mais nos
chamou a atenção foi a questão das crianças. Vimos meninos carregando sacos de
25 kg dentro da floresta, andando até quatro quilômetros descalças”, conta o
auditor André Roston, coordenador do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do
MTE. “Para ajudar, um policial pegou o saco e começou a carregar, mas ele não
aguentou chegar até o final. É um trabalho muito pesado e as crianças estavam
submetidas ao sistema de exploração estabelecido.”
Os facões, mais longos que
o antebraço de alguns dos meninos, como é possível visualizar na foto ao lado,
eram utilizados para abrir os duros frutos da castanheira e extrair as
sementes. Nenhum dos trabalhadores utilizava proteção e, segundo a fiscalização,
um dos garotos de 11 anos estava com o dedo indicador cortado, ferimento
decorrente de acidente enquanto exercia a atividade. Tanto o “transporte, carga
ou descarga manual de pesos” acima de 20 kg para atividades raras ou acima de
11 kg para atividades frequentes, quanto a “utilização de instrumentos ou
ferramentas perfurocortantes, sem proteção adequada capaz de controlar o risco”
estão entre as piores formas de trabalho infantil, conforme estipulado pela lei
número 6.481/2008, com base na Convenção 182 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT).
À equipe de fiscalização,
em depoimento, Oscar Gadelha confirmou o uso de trabalho infantil e defendeu
que o emprego de crianças e adolescentes na atividade é “uma certa forma é até
uma maneira de educar”.
Reserva extrativista e o
sistema de barracão
A exploração de trabalho
escravo infantil aconteceu em uma unidade de conservação federal, a Reserva
Extrativista do Médio Purus. A área de preservação foi criada como resultado de
intensa mobilização social, processo detalhado na obra “Memorial da Luta pela
Reserva Extrativista do Médio Purus em Lábrea, AM: Registro da mobilização
social, organização comunitária e conquista da cidadania na Amazônia”, e garante às comunidades ribeirinhas
o direito de desenvolver atividades
extrativistas na região.
Os castanhais, em questão,
porém, eram tratados como propriedade privada, e o grupo econômico formado por
Oscar Gadelha e o ex-prefeito Gean Barros determinava exclusividade na
extração. Além de ser encaminhado ao MPT e à PF, que acompanharam a ação, o
relatório da fiscalização foi enviado também ao Ministério Público Federal
(MPF) e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Não é a primeira vez que Gean Barros se posiciona contra as áreas de proteção.
Durante sua gestão, o político chegou a tentar impedir fiscalizações de crimes
ambientais ocorridos nas reservas extrativistas, e foi processado pelo MPF por
ter, em 9 e 10 de março de 2010, incitado “uma manifestação popular na praça
central do município, com o objetivo de impedir a fiscalização do ICMBio e
expulsar os fiscais do município”.
O controle da exploração
comercial na reserva federal era feito por Oscar Gadelha, e o sistema era
financiado e estruturado pelo ex-prefeito, o que configurou a formação de grupo
econômico familiar, segundo a fiscalização. O coordenador da ação explica que a
escravidão foi caracterizada por diferentes fatores, incluindo o uso do sistema
de barracão, mecanismo clássico de exploração de trabalhadores, ribeirinhos e
comunidades indígenas, ainda comum em frentes de trabalho e áreas isoladas na
Amazônia. No controle das redes de abastecimento, os regatões (comerciantes de
grandes barcos) e senhores de barranco como são conhecidos os que monopolizam o
comércio, vendem itens básicos com sobrepreço e compram a preços irrisórios,
criando relações de dependência, se beneficiando de dívidas e impondo
restrições de locomoção.
No caso específico,
Gadelha fornecia desde itens básicos como açúcar, café, óleo vegetal, sabão,
arroz, carne em conserva, leite em pó, bolacha, até itens essenciais para o
trabalho, como gasolina e diesel para o transporte por barcos, além de botas,
terçados e lanternas. Na mata, ele cobrava cerca de 20% a mais do que o preço
que os mesmos itens eram comercializados em Lábrea.Os trabalhadores só recebiam
após o fim da safra, e dependiam do barracão para sobreviver.
Os bens adquiridos em um
armazém eram descontados aos ganhos com produção, e, sem controle ou opção,
alguns recebiam R$ 100 ou R$ 200 por todo trabalho realizado durante a safra.
Há também depoimentos de trabalhadores que terminaram o período endividados e
tiveram de trabalhar na safra seguinte para pagar o barracão. O emprego das
crianças pelos pais está relacionado à preocupação das famílias em tentar
aumentar os ganhos. “Estamos falando de um sistema de barracão com um barracão
físico. Um paiol para armazenas as castanhas, além do armazém e da casa grande.
É um sistema clássico”, explica o auditor André Roston.
Nesse contexto, mesmo os
programas sociais têm limitações de alcance. Na área urbana de Lábrea, há
denúncias de que comércios locais retêm cartões de benefícios como Bolsa
Família e Bolsa Floresta, com as respectivas senhas a título de garantia de
dívidas de ribeirinhos e índios.
Condições degradantes
Além dos 21 trabalhadores
resgatados, a fiscalização também constatou que outros 16, incluindo mais
crianças e adolescentes, foram submetidos anteriormente às mesmas condições.
Eles não foram libertados porque não estavam trabalhando no período do resgate,
mas também receberam seus direitos trabalhistas. Ao todo, o valor líquido das
rescisões pagas ao grupo é de R$ 58.978,42.
Os trabalhadores viviam e
trabalhavam em condições de degradação humana. Entre os resgatados durante a
fiscalização, parte vivia em um abrigo improvisado, parte em um barco apertado
e os demais em casas nas comunidades ribeirinhas vizinhas. Sem estrutura
mínima, os alojamentos inadequados não garantiam nem privacidade nem proteção
contra chuvas ou temporais. Nas frentes de trabalho, algumas distantes a mais
de uma hora e meia de caminhada, não havia estrutura ou abrigo na mata, nem
abastecimento de água potável, banheiros ou itens básicos de higiene, como
papel higiênico. Os rios eram utilizados tanto como fonte de água quanto como
espaço para lavar a louça e tomar banho. Sem banheiros ou fossas, as
necessidades eram feitas na mata ou nas águas. Na fiscalização, a equipe
encontrou a comida de todo o grupo, peixe com farinha, armazenada em um balde
que já havia servido para transportar tinta. Sem pratos ou talheres, as pessoas
comiam direto do balde com as mãos.
Além da degradação humana,
também foram constatados riscos de segurança onde os adultos, adolescentes e
crianças ficavam. Entre eles, a ameaça de o ouriço, o pesado e duro fruto da
castanheira, se desprender da árvore e atingir pessoas. Nem capacetes, nem
malhas metálicas para o manuseio de facas ou qualquer outro tipo de equipamento
de proteção eram fornecidos pelos empregadores.
Além de André Roston, que
coordenou a ação junto com a também auditora fiscal Márcia Ferreira Murakami, da
Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Rondônia, também
participaram os auditores João Ricardo Dias Teixeira, Júlio César Cardoso da
Silveira, Marco Aurélio Peres; o procurador Rogério Rodrigues de Freitas da
Procuradoria Regional do Trabalho de Bauru; e os policiais federais Camila
Pinheiro Simmer e Fabiano Ignacio de Oliveira, da 11ª Delegacia; Júlio de Melo
Arnaut, da 2ª Delegacia; Ruan Cleber Torres Cruz, 4ª Delegacia; Wandercleysson
de A. Souzada da 1ª Delegacia; e Willian Pascoal Pereira da 14ª Delegacia.
Fonte/Fotos: Daniel Santini para reporterbrasil.org.br. Matéria
produzida com apoio da Fundação Rosa Luxemburg/Divulgação MTE
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