NO ANIVERSÁRIO DE MANAUS, 'FILHOS ILUSTRES' FALAM DA INFÂNCIA NA CAPITAL

'Tem como renegar as origens?', indaga o campeão do UFC José Aldo.
Milton Hatoum critica atual situação da capital amazonense.
Um é escritor premiado com livros traduzidos em dez línguas. O outro é lutador de Mixed Martial Arts (MMA) e ostenta o título de Campeão Mundial Peso-Pena do Ultimate Fighting Championship (UFC). O terceiro é o principal bailarino do American Ballet Theatre, em Nova York. Já ela é uma cantora que coleciona hits nas paradas de sucesso da Europa.
Os perfis não poderiam ser mais diferentes, mas o que une Milton Hatoum, José Aldo, Marcelo Mourão e Lorena Simpson é mais aparente do que se imagina: os quatro nasceram em Manaus. E, na data em que a capital do Amazonas completa 344 anos, o G1 conversou com esses manauenses ilustres sobre as origens e as lembranças que eles carregam da "Paris dos Trópicos".
José Aldo

As ruas do bairro Alvorada, na Zona Centro-Oeste de Manaus, foram os primeiros "tatames" de José Aldo da Silva Oliveira Júnior - ou, simplesmente, José Aldo. Nascido no dia 9 de setembro de 1985 na capital amazonense, o lutador divide os holofotes com Anderson Silva,  Lyoto Machida e Vitor Belfort como um dos ídolos brasileiros no UFC.
Em entrevista ao G1, o "Scarface" - apelido que ganhou graças à uma cicatriz do lado esquerdo do rosto, resultado de um acidente quando criança - lembra com carinho das origens e diz que sente falta das brincadeiras de infância no Alvorada. "Tem como apagar a sua história? Acho que não, né? É claro que me sinto manauara. Amo Manaus", declara. "Tive uma infância muito boa. Brincava na rua, soltava pipa, jogava bolinha de gude... Isso, hoje em dia, não existe mais para as crianças. Sinto falta das 'brincadeiras de moleque', acrescenta.
Campeão mundial do UFC na categoria Peso Pena, Aldo também já foi eleito o lutador do ano no World MMA Awards, premiação importante da modalidade. Em Manaus, cada luta é acompanhada com ansiedade e muita torcida pelos familiares e amigos do "Scarface". Sempre que pode, o lutador retorna à terra natal para "matar as saudades" dos conhecidos e colher os louros das vitórias no UFC. "Ser reconhecido por todos é muito bom. Volto umas três ou quatro vezes por ano. Minha mãe e irmãs ainda moram aí e tenho muitos amigos que gosto de rever quando tenho tempo. Mas ficar no anonimato é impossível", brinca.
A última vitória do "Scarface" teve um gosto especial para os manauenses. Ao derrotar o sul-coreano Jung Chan-Sung em agosto deste ano, Aldo comemorou gritando "Arrocha Alvorada!", em menção ao bairro onde cresceu. As duas palavras soaram como música para os ouvidos da torcida em Manaus, que acompanhava cada golpe do lutador como se fosse final de Copa do Mundo.
Intencional ou não, a comemoração serviu como resposta aos críticos do campeão mundial na capital amazonense. Aos que acreditam que ele "renega" as origens, Aldo é claro. "Tenho muito orgulho de ter nascido em Manaus, mas não tenho culpa de ter feito a minha vida no Rio de Janeiro. Fui em busca do meu sonho. Batalhei e dei duro para chegar onde estou. Nada é de graça. Não é porque você mora em outro Estado que está renegando as suas origens. Agora é fácil me criticar, mas quando eu dormia na academia e não tinha um prato de comida poucas pessoas me estenderam a mão", recorda.
Na contramão dos que ainda torcem o nariz para Aldo, a escola de samba do bairro onde ele passou os seus primeiros anos lhe prestará uma homenagem e tanto no ano que vem. Em 2014, o Unidos do Alvorada levará à Avenida o enredo "José Aldo - Prata da Casa, Ouro do Mundo", que conta a história desse "filho ilustre" da terrinha. O lutador, que participou do lançamento do tema, ainda não sabe se terá tempo para vir a Manaus desfilar na agremiação, mas prometeu que tentará marcar presença no Sambódromo manauense. "Antes de aceitar o convite já havia avisado que, em caso de luta marcada, não poderia ir. Mas, vamos ver como tudo vai ocorrer até lá. Tem muito tempo ainda", garante.
Milton Hatoum

Nascido na Manaus na década de 50, Milton Hatoum morou na cidade até o início da adolescência. Anos depois, voltou para lecionar literatura francesa na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), onde ficou até 1999. Nesse meio tempo, ganhou o prêmio Jabuti com sua estreia, "Relato de um Certo Oriente". Hatoum seguiu com mais três romances bem-sucedidos: "Dois Irmãos", "Cinzas do Norte" e "Órfãos do Eldorado".
Com uma obra que costuma retratar uma Manaus de outrora, o escritor confessa que sente falta do ambiente onde nasceu e passou sua juventude, até se mudar para Brasília aos 15 anos.  "Sinto falta dos meus amigos e da minha família. Da cidade, só tenho saudades do Rio Negro. A Manaus que eu gostava acabou", sintetiza.
Filho de um libanês com uma amazonense, Hatoum pontua a presença de estrangeiros na cidade como um fator determinante ainda nos dias de hoje. "O Brasil é um país de imigrantes. Hoje, com a situação na Síria, deve aumentar a vinda de árabes, isso sem falar dos peruanos e bolivianos, que chegam aqui em busca de melhores condições de vida. A imigração é um processo que não para. Manaus viu isso nos últimos anos com os haitianos, que já fazem parte do panorama da cidade. Tem muitos estrangeiros com a alma amazonense. A relação passional com o lugar é o que importa", acrescenta.
Ao G1, o autor de "Dois Irmãos" confessa que visita a capital uma vez por ano. A Manaus contemporânea, que não costuma ser pano de fundo para suas obras, foi destacada no livro "A Cidade Ilhada", que reúne 18 contos do escritor. No entanto, ele confessa que, apesar de ter uma "relação profunda" com a capital amazonense, lamenta a atual situação da cidade. "Eu passei minha infância em Manaus e tenho uma relação afetiva muito forte com a cidade. Mas a verdade é que é uma cidade que não é bem administrada. É um lugar que tem um alto Produto Interno Bruto (PIB) - um dos maiores do Brasil -, mas não possui calçadas", pondera.
Lorena Simpson

Aos 26 anos de idade, Lorena Simpson é um dos principais expoentes brasileiros na música internacional. O que nem todo mundo sabe é que a dona dos hits “Brand New Day” e “Can´t Stop Loving You” nasceu e viveu em Manaus até os 17 anos. Em entrevista ao G1, a cantora conta que sente falta de algumas iguarias que só encontra na capital amazonense. “Sinto falta dos meus amigos e da minha família, do pôr-do-sol maravilhoso, do [peixe] tambaqui e dos refrigerantes de guaraná”, enumera.
A infância de Lorena foi dividida entre as brincadeiras nas ruas do Centro de Manaus, onde morava, e as escolas onde estudou – Ciec, Santa Dorotéia e Objetivo. Um momento que ela não esquece é a vinda das Spice Girls à capital amazonense, em dezembro de 1997. “Fiquei sabendo que elas estariam no Teatro Amazonas e, como eu morava perto, me arrumei, separei minha pasta com materiais dela e fui em busca de quem sabe um autógrafo ou vê-las de perto mesmo”, recorda.
A apresentação do quinteto inglês nos anos 90 foi destaque em uma agenda cultural ainda “morna” na capital amazonense. Mas, para a futura popstar, a falta de shows internacionais ou eventos de grande porte não impediram que ela realizasse seu sonho de ser cantora. “A agenda cultural de Manaus realmente não era muito agitada na época, mas eu também era muito nova e não podia ir a muitos lugares ou shows. Mas os ensaios do Boi Caprichoso sempre contavam com a minha presença, desde quando eram realizados na [Avenida] Djalma Batista (Zona Centro-Sul de Manaus)”, lembra.
Por conta da idade, Lorena não ficava nos ensaios depois das 21h. Quando o Bar do Boi foi levado para o Sambódromo, na Zona Centro-Oeste da cidade, ela passou a ir mais vezes. Ao mesmo tempo, ela já dava os primeiros passos como dançarina – habilidade que fez diferença em sua carreira, já que uma de suas primeiras oportunidades foi como parte do corpo de dança da cantora Kelly Key. “Ser de Manaus não dificultou o desenvolvimento da minha carreira. Fiz parte de um grupo de dança por alguns anos. Chegamos a viajar para competições nacionais, o que contribuiu muito para a minha experiência de palco. Mas a dificuldade pela distância era uma realidade. O que eu queria fazer não era ‘cultura regional’ e seria um pouco difícil ser vista aí”, ressalta a cantora, que tem obtido muito sucesso internacional desde 2008.
Com canções que são figurinha carimbada nas principais boates europeias, Lorena é um dos destaques brasileiros do Electropop, que mistura música pop e eletrônica. Em 2010, foi escolhida Embaixadora da Diversidade Sexual no México. Mesmo com a distância e o sucesso internacional, Lorena garante que o carinho por Manaus é grande e que sempre tenta inserir a cidade em sua agenda de shows. Quando pode, ela volta para rever a mãe, que ainda mora na capital amazonense. "Geralmente volto quando tem show meu na cidade ou quando estou com muita saudade e minha mãe não pode vir ao Rio", finaliza.
Marcelo Mourão

O bailarino Marcelo Mourão Gomes passou poucos anos em Manaus, onde nasceu. Aos cinco anos, foi morar no Rio de Janeiro, onde calçou as sapatilhas de balé pela primeira vez. Foi uma questão de tempo para que se destacasse a ponto de ir morar em Boca Raton, na Flórida, onde estudou no Harid Conservatory. Ainda na adolescência, foi reconhecido no Festival de Inverno, no Brasil, e ganhou o Hope Prize em Lausanne, na Suíça.
Em 1997, entrou para o corpo de baile de uma das companhias mais importantes do mundo da dança, o American Ballet Theatre (ABT). Depois de três anos, foi promovido a solista e, há mais de uma década, brilha como o primeiro bailarino do ABT. Apesar de ter se estabelecido em Nova York, onde fica a companhia, e de ter vivido apenas cinco anos em Manaus, Mourão garante que não esquece as raízes. “Saí bem cedo de Manaus, mas tenho muitas lembranças daquele tempo com a minha família em casa, correndo no meio de grandes festas ou indo para o meu colégio”, lembra.
Ao G1, o bailarino conta que cada visita a Manaus serve como uma verdadeira viagem por um túnel do tempo sensorial. “Sinto saudades da minha família, das pessoas, das comidas e sabores. Quando passo de visita, é só comer algo do Amazonas que o cérebro faz uma grande viagem ao passado para quando eu tinha 5 anos de idade. Essa conexão com os cheiros e sabores é impressionante para mim”, confessa.
Agora um amazonense nova-iorquino, Mourão reconhece que teve que se ajustar à cultura norte-americana. Mas se o sucesso que obteve desde que se tornou primeiro bailarino do ABT, em 2002, serve como parâmetro, já dá para dizer que ele está mais que adaptado aos costumes da terra do Tio Sam. Nos últimos anos, ele teve a chance de conhecer o presidente dos EUA, Barack Obama, e de se apresentar durante um tributo à coreógrafa Twyla Tharp no Kennedy Center Honors, um dos eventos mais importantes do cenário cultural norte-americano.
Mas, se nos Estados Unidos Mourão participa de homenagens a artistas veteranos, quando vem a Manaus ele é o centro das atenções. Em 2008, teve sua história contada pela escola de samba manauense Balaku Blaku e, no ano seguinte, foi presidente de honra do Festival Amazonas de Dança no Teatro Amazonas, onde dançou várias vezes. "Eu tenho uma linda relação com a minha terra natal. Ter sido enredo de escola de samba e dançar no Teatro me aproximou mais das pessoas. Quando me apresento aí é como se estivesse dançando para toda a cidade. Claro que dá um nervoso, mas quando piso no palco e sinto a energia do público eu me sinto completamente bem-vindo e estão todos ali para passar uma experiência e não para julgar. É assim que a arte deve ser", resume.
Um dos nomes mais reconhecidos no mundo elitista da dança, Mourão tem em seu currículo papéis como o príncipe de Cinderela, Albrechet em Giselle e o personagem-título de Othello, entre outros. "O mundo da dança é bem pequeno e seletivo, mas, quando estou em Manaus, um pequeno sorriso de reconhecimento no rosto de uma pessoa que eu não conheço, caminhando no shopping, em um restaurante, me alegra muito! Saber que um bailarino e a dança podem alcançar a todos na minha terra natal é como se fosse um grande aplauso, não só para mim, mas para todos os artistas da cidade também", conclui.

Fonte/Fotos: g1.globo.com/Divulgação

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