MANAUS DE ANTIGAMENTE: TERRA DE INTRIGAS E FUTRICAS - PARTE I


Confusão entre público e privado vem de longe
Em terra de muro baixo tudo pode acontecer... diziam os mais velhos em conversas de varanda quando queriam contar as muitas intrigas e futricas sucedidas nos arraiais da política, ou no disse-me-disse dessa Manaus de todos os santos. E enquanto jogavam conversa fora para relembrar os “causos”, iam pondo as barbas de molho para não passar da medida que era sempre falar do passado, ou dizer que tudo aquilo era coisa do “seu Zé” que havia contado em algum lugar para não sei quem.
Afinal, de leso o fofoqueiro não tem nada, nem tolo falado que viu de corpo presente, preferindo alegar que a história é coisa muito antiga ou falação da vizinhança. Se o caso tivesse sido mais grave envolvendo bala de canhão, cada um dos faladores cuidava de esquecer o drama ou dava um jeito de comer abiu, em plena conversação.
Pois é disso que vou falar, sem dó nem piedade, com as cautelas devidas e com as barbas de molho, pensando só no passado distante porque não sou tolo nem leso e abiu é fruta da minha predileção, e o que vi e ouvi de corpo presente já esqueci e não sei de nada.
Fuga de Ruy Barbosa
Mal começou a República, pelos idos de 89, teve início a dança das cadeiras entre civis e militares. Cada um queria logo seu quinhão, arrancado quase a fórceps. De um lado o Maranhão, de outro o Piauí em disputa acirrada entre tenente e capitão. Certa vez até o respeitado Ruy Barbosa foi envolvido.
Contava o povo da época que o mestre Ruy havia enviado a Manaus um de seus diletos amigos, com carta de recomendação, em busca de fazer fortuna pessoal. Foi o Manoel Floriano de Brito, chamado “busca pé de vintém”, que arranjou bom par de meias com os negócios no governo e acabou financiando o grande Ruy na fuga famosa para o asilo “voluntário”.
Amigo do governador
Grande confusão foi arranjada no Tribunal, em plena sessão do júri. Estava em julgamento um assassino confesso, quase flagrante, que vivia todo serelepe no alto escalão do poder.
Era uma afronta o governador ter um amigo dileto posto no banco dos réus como se fosse um qualquer. E o que dizem, mas não sei quem falou, é que o tal governador mandou baixar a polícia no prédio do tribunal e arrancou o amigo de lá na hora da sessão e na frente de todo mundo, sob escolta reservada, levando-o pra casa consigo para um brinde especial. Eita, Silvério danado!
Barbeiro empresário
E tem aquela do barbeiro que virou grande empresário de uma hora para outra, fazendo aqui e ali obra para o governo. Foi o Teixeirinha que juntou bons trocados e não foi fazendo barba e bigode, contava a população. Ficou rico, é verdade, por uma simples razão: era genro de um irmão do vice-governador, gente séria, militar, capaz de qualquer solução.
Era o Affonso coitado, o tal vice-governador, que depois de muito trabalho acabou aposentado com as honras militares, antes de ser governador.
Deve ter sido prêmio pelos imigrantes que trouxe do Ceará, ou porque desistiu da candidatura ao Senado, cargo que tanto almejava, para atender a Silvério que mandava e desmandava. Afinal, com dez anos de bons serviços, longos dez anos, bem que merecia ser aposentado com soldo integral e continuar obedecendo ao chefe sem pestanejar.
Presente público

Tem coisa do passado que vara ano e sai ano e chega perto da gente. O governador Constantino mandou vir da Europa as colunas de ferro fundido muito bem ornadas para a Biblioteca Pública. Era prédio majestoso que estava construindo como verdadeiro legado. E por erro do calculista mandou comprar em dobro as colunas que precisava. Estando um amigo querido, quem sabe quase parente, construindo o Prado Amazonense, que virou o nosso parque de futebol, para não perder a viagem deu a ele de presente as colunas que sobraram daquele prédio. E ainda hoje, coitada, resta uma, e uma só, em pé no sol e na chuva para servir de prova a quem quiser conferir.

*Robério Braga - especial para A CRÍTICA

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