ARTIGO: 40 CÍRIOS DEPOIS
Uma crônica de saudade e lembranças da Belém que
conheci.
1974. O País vivia a
ditadura dos militares.
Brasileiros corajosos
desafiavam as baionetas, mas tarde, alguns deles, para minha decepção, vejo
sentado no banco dos réus como agentes não mais da subversão, mas da corrupção
e da roubalheira.
Naquele ano, levados pela
saúde de minha mãe, mudamos para Belém. Menino,
desembarquei na capital das mangueiras.
Tudo era novidade.
Principalmente, a televisão
em preto e branco com seus filmes de faroeste que eu só via no Cine Olímpia, em
Santarém, ou no Cine Oriental, em Parintins.
Os passeios para visitar
parentes eram de ônibus. No almoço, aos domingos, o chique era comer galinha de
quintal. Como não tínhamos, íamos
almoçar com os parente que tinham.
Criança não falava à mesa e tomava a benção dos mais velhos.
Os Trapalhões arrebentavam
nas tardes de domingo e Roberto Carlos
queria que tudo fosse para o inferno. A moda era o cabelo e a barba grandes e a
calça boca de sino. Vivíamos a liberação sexual, mas curumins, como eu, se iniciavam primeiro nas
revistinhas chamadas pelos adultos de “catecismo”. Imaginem!
Um dia, passeando, vi
minha mãe apontar, com respeito, para um homem fisicamente igual ao mestre
Tonzinho Saunier.
Era o poeta Ruy Barata.
O filho, Paulo André
Barata, que revi na sexta-feira com os cabelos brancos e a lucidez de menino,
era amigo de Pedro César, que mais tarde virou Pedrinho Ribeiro, lá de
Parintins, que já estava cantando e tocando
pela cidade, até porque, como ensina
Milton Nascimento, “cantar era buscar o caminho que vai dar no sol”.
E ai veio o domingo do
Círio. Morávamos na Domingos Marreiros, bairro do Umarizal, na casa de tia
Nayde, já falecida.
E lá fomos nós.
Papai de terno linho HJ,
mamãe num vestido de domingo e eu de roupa e
sapato novos comprados na loja Quatro e Quatrocentos, uma das mais
famosas lojas de departamentos da época, mas tarde comprada pela extinta
Lobrás.
Voltei para casa
impressionado com a multidão, as lagrimas, as promessas. Vi meu pai de olhos
marejados pela fé e emoção de tocar o manto da santinha horas depois do Círio
chegar à Basílica.O tempo passou. A infância perdeu-se nos dias. O menino
tornou-se adulto. Mudei-me para o Amazonas e nunca mais voltei a Belém e muito
menos ao Círio da infância tão distante.
Porém, de três anos para
cá, primeiro, por um convite de Stanley Góes, irmão querido, e depois trazido por outro irmão, Narcizo
Picanço, tenho vindo ao Círio.
E, hoje, mais de quarenta
anos depois, vejo as mesmas emoções, o mesmo grito de esperança, o mesmo pedido
de perdão, promesseiros que caminham com os olhos e a alma plenos de alegria
pela graça alcançada.
Ontem, um vendedor
humilde, de quem comprei lembranças, me
disse, sorrindo, quando lhe paguei a compra: feliz Círio para o senhor e sua
família! Pobrezinho, roupa surrada, dono apenas de uma banquinha de terços e
fitas, mas capaz de sorrir e desejar feliz Círio ao visitante.
E assim caminho pelas ruas
de Belém, a grande metrópole da Amazônia. Procuro menino de quarenta anos atrás
e encontro o homem desiludido, sofrido, consciente de seu papel numa sociedade
egoísta, desumana, onde ele próprio já cometeu tantos erros e maldades.
Uma sociedade onde falta
amor e pão, embora muitos governantes façam do circo e do pão a ferramenta da
enganação.
Por isso, não me
envergonho de dizer, querido leitor, que quando você estiver lendo esta crônica
– se achar que vale apena perder seu precioso tempo - eu estarei caminhando,
não mais com a inocência e a perplexidade do menino de ontem, mas com a
angústia e o desespero do homem que tem dúvidas da existência do céu e do
inferno, mas crê na esperança e no amor
da Virgem de Nazaré.
Fonte/Foto: Tadeu de Souza, em tadeudesouza.com.br/Tiago Sousa
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