FAZENDEIRO É CONDENADO À PRISÃO POR ESCRAVIZAR ONZE TRABALHADORES
Proprietário andava armado e obrigava grupo a produzir
carvão em condições degradantes em Marabá, no Pará. Advogado minimiza flagrante
e diz que irá recorrer
O fazendeiro Vivaldo Rosa
Mariano foi condenado a cinco anos e quatro meses de prisão em regime
semiaberto por escravizar dez homens e uma mulher na produção de carvão em
Marabá, no Pará. A pena é resultado de denúncia feita pelos procuradores Tiago
Modesto Rabelo e Luana Vargas Macedo, do Ministério Público Federal (MPF), com
base em operação conjunta de fiscalização realizada pelo Grupo Especial de
Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, pelo Ministério Público
do Trabalho e pela Polícia Federal, entre 20 e 31 de janeiro de 2009.
De acordo com as
autoridades, os trabalhadores eram subjugados pelo fazendeiro, que andava
armado, sofriam humilhações constantes, viviam em condições degradantes e
cumpriam jornadas exaustivas. A produção de carvão era feita na fazenda Novo
Prazer, de propriedade do fazendeiro, sem equipamentos de proteção e os
trabalhadores não tinham folga. À Repórter Brasil, Walteir dos Santos Vieira,
advogado de defesa, minimizou o flagrante e as acusações, e afirmou que irá recorrer
da sentença. Vivaldo não foi localizado para comentar a condenação.
O juiz federal João César
Otoni de Matos baseou sua decisão no artigo 149 do Código Penal, que define
trabalho escravo contemporâneo, e destacou que o fazendeiro, “em pleno século 21,
adotou práticas de tratamento desumano a trabalhadores rurais”. Ele ressaltou
ainda que “os motivos do crime baseiam-se no desejo de obter o maior lucro
possível em detrimento de trabalhadores pouco escolarizados e pobres”.
Trabalho forçado
![]() |
Água consumida provinha de poço, e servida sem tratamento. |
Segundo a equipe de
fiscalização, coordenada pelo auditor fiscal Cláudio Secchin, os trabalhadores
não eram registrados e não havia recolhimento de Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço. Eles eram obrigados a trabalhar de domingo a domingo, sem terem
certeza de quanto receberiam no final do mês. Os libertados deram depoimentos
relatando que tinham de cumprir longas jornadas todos os dias, e sofriam
humilhações e ameaças se reclamassem.
No flagrante, o fazendeiro
chegou a ser detido pela Polícia Federal por portar armas sem registro ou
documentação. Nos depoimentos, empregados relataram que, além de fazer
humilhações constantes,
Vivaldo não permitia que
eles saíssem. O advogado de defesa Walteir dos Santos Vieira nega as ameaças e
alega que o porte de armas, ainda que não seja permitido, é comum na região.
“Em qualquer fazenda do sul do Pará você vai encontrar arma. De terceiro, de
assentado, isso não foge à regra. Mesmo entre as armas que foram encontradas,
se for ver, uma delas era do rapaz que trabalhava com o trator”, diz o
advogado, que afirma que os trabalhadores exageraram nos depoimentos.
“É uma coisa absurda, um
diz que saía para trabalhar às 3h, em um lugar que não tem energia elétrica.
Como?”, questiona. “Entendo que existem violações à legislação do trabalho, mas
existe também muita fantasia. Às vezes, você pega um pequeno fazendeiro. O cara
tem a renda mínima de R$ 5 mil reais. Sendo que o próprio contratante vive do
trabalho que tem nessa terra. Não nego que existam grandes propriedades em que
isso existe, mas cada caso é um caso”, aponta. “O que tem acontecido bastante
aqui na região é que o pessoal do Ministério do Trabalho e Emprego não dá
nenhuma orientação, não informa sobre as minúcias da legislação trabalhista.
Quando eles aparecem, chegam na fazenda e, pelo fato de o cidadão não ter água
tratada e gelada, moradia digna, alojamento com cama, refrigerador, energia
elétrica, eles entendem que é trabalho escravo”, afirma o advogado.
Apesar da crítica do
advogado, o relatório que embasou o processo do MPF é detalhado, conta com
fotos e descrições específicas de problemas que vão além de água gelada e
alojamentos confortáveis. Entre as condições que caracterizaram trabalho
escravo, por exemplo, está a ausência de água potável na propriedade. Os
trabalhadores, segundo as autoridades, não tinham opções e acabavam consumindo
a água escura de um poço improvisado, sem nenhuma filtragem ou tratamento.
No trabalho em si, além
das jornadas exaustivas sistemáticas, sem tempo para descanso, também foram
constatados outros problemas considerados graves pela fiscalização. Apesar de
trabalharem em fornos de alta temperatura, manuseando e cortando madeiras com
ferramentas afiadas, os empregados não tinham equipamentos de proteção
individual adequados. Um dos empregados foi encontrado dentro de um forno de
chinelo de borracha.
Degradação e
vulnerabilidade social
A degradação humana também
foi caracterizada pelo fato de o alojamento no qual o grupo vivia servir também
como depósito e estar em péssimas condições, segundo as autoridades. Os
trabalhadores dormiam em redes próprias ao lado de motosserras, óleo de
combustível, sementes e demais utensílios utilizados na produção de carvão. A
construção ficava próxima aos fornos e repleta de fumaça da queima do carvão.
Além disso, o local não dispunha de banheiro. Os empregados utilizavam a mata
para necessidades fisiológicas e, sem papel higiênico, eram obrigados a usar a
própria vegetação para higiene pessoal.
O advogado de defesa
Walteir dos Santos Vieira afirma que, se não estivessem empregados, tais
trabalhadores estariam em pior condição. “Se você olhar para o lado em qualquer
cidade, tem gente que vive muito pior que qualquer um desses trabalhadores. É
só ver os bolivianos que trabalhavam em São Paulo em cubículos, que também são
considerados escravos. Uma vez vi um repórter perguntar se eles achavam que
estavam em condição digna e um respondeu que seria dez vezes pior se ele
estivesse na Bolívia”, argumenta.
Na sua decisão, o
juiz federal João César Otoni de Matos,
porém, destaca que os trabalhadores não tiveram alternativa. ”Ressalte-se que o
fato de cidadãos pobres e humildes aceitarem a indigna sujeição a tal tipo de
condições, o que fazem em razão da absoluta falta de alternativa para garantia
da própria subsistência, não autoriza a outrem, valendo-se da privilegiada
posição de detentor do conhecimento e do poder econômico, literalmente lucrar
com a miséria e desgraça alheias”, destaca. “Não há dúvida quanto ao pleno
conhecimento do réu acerca do que se passava na propriedade, bem assim quanto a
sua atuação livre e consciente no intuito de lucrar com a exploração do
trabalho das vítimas, uma vez que declarou que contratava os trabalhadores,
efetuava os pagamentos e administrava a fazenda”, conclui.
Fonte/Fotos:
Daniel Santini – reporterbrasil.org.br/Divulgação MPE
Nenhum comentário:
Postar um comentário