ELEIÇÕES: METADE DA INTERNET NÃO QUER ENTENDER O QUE LÊ. E A OUTRA…
- Por
Leonardo Sakamoto*
É fácil escrever o que o
senso comum deglute com facilidade e que está guardado nos instintos mais
animais que não abandonamos nem com milhares de anos de convivência.
Coisas do tipo: “Mata a
vadia, mata!''
Difícil mesmo é redigir
algo com a certeza absoluta de que apenas uma minoria vai ler até o final,
embutindo uma provocação que gere uma reflexão ao final.
Em um assunto considerado
polêmico, boa parte das pessoas passa o olho de forma transversal em um texto,
capta algumas palavras como “direitos humanos”/ “traficantes”/ “Estado” /
“maioridade penal” / “aborto” / “evangélico” / “casamento gay'' / “Palmeiras” e
sem nenhuma intenção de expor ideias ou debater, pinça um capítulo de sua
Cartilha Pessoal de Asneiras e posta como comentário.
É a vitória da limitada
experiência individual sobre a necessidade coletiva, da emoção do momento sobre
a racionalização necessária para que não nos devoremos a cada instante.
Não existe observador
independente e imparcial. Isso até pode e deve ser almejado, mas não será
obtido. Quem te falar o contrário, tá de zoeira.
Você vai influenciar uma
realidade e ser influenciado por ela. E vai tomar partido, consciente ou
inconscientemente. Se for honesto e/ou corajoso, deixará isso claro ao leitor.
Pois mais vale a
transparência de dizer quem você é e o que pensa do que a arrogância de se
afirmar acima de qualquer suspeita.
Sei que há colegas de
profissão que discordam, que dizem que é necessário garantir a pretensa
imparcialidade. É necessário, sim, ouvir todos os lados com honestidade para
entender e explicar o assunto, mas a sua tradução já sofrerá influência de quem
você é e onde você está – socialmente, profissionalmente, politicamente,
culturalmente.
Zerar essa influência só
seria possível se nos despíssemos de toda a humanidade. Há quem tente
ferozmente e ache bonito. Sinceramente, o resultado fica muito ruim.
Tomar posição se reflete
na escolha da pauta que você vai fazer, sob a ótica de quem.
Concordo com Robert Fisk,
o lendário correspondente para o Oriente Médio do jornal inglês Independent,
que diz que em situações de confronto, de limite, deve-se tomar opção pelos
mais fracos, ou seja, os empobrecidos e marginalizados, no que se refere à
realidade política, econômica, social, cultural e ambiental.
Tomar partido não
significa distorcer os fatos, pelo contrário, é trazer o que historicamente é
jogado para baixo do tapete, agindo conscientemente no sentido de contrabalançar,
junto à opinião pública, o peso dos lados envolvidos na questão.
Distorcer é má fé,
preguiça ou incompetência – coisa que muito jornalista que se diz imparcial faz
aos montes, aplaudido por quem manda. Aqui ou lá fora.
Toda a informação é
grávida. E informação, ela mesma, é canal de alienação, sim. Depende como é
selecionada, empacotada e entregue. Mesmo sob o rótulo de “produto 100%
imparcial''.
Mais importante: tomar
partido não significa apoiar partido. Mas pedir para alguns leitores entenderem
isso é tarefa ingrata e hercúlea em meio às matrizes de interpretação da
realidade do tipo “vovó viu a uva'' que seguem por aí.
Tem muito jornalista à
venda. Mas sabe o que assusta muitos leitores (principalmente os comentaristas
de blog na internet)? É que existam aqueles que não estão. Neste mundo louco é
difícil explicar que ainda há alguns nortes que valem a pena ser seguidos. Não
grandes discursos de Verdade, pois isso não existe. Mas noções éticas básicas
que, construídas e compartilhadas, melhoram a nossa existência.
Para quem acredita que a
vida não é um grande “cada um por si e Deus por todos'', esse chega-pra-lá no
cinismo é quase que condição mínima necessária para levantar da cama de manhã.
*Leonardo
Sakamoto é jornalista e doutor em
Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos
em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é
coordenador da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas
para Formas Contemporâneas de Escravidão.
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