Como de praxe, a inflação americana decidirá os rumos da renda fixa, da variável, do Universo e de tudo o mais. Mas não qualquer inflação: o PCE, sigla de personal consumption expenditures – algo como “despesas de consumo pessoal”, em tradução livre. A edição de janeiro do dado será divulgada às 10h30 no horário de Brasília. Por ora, os futuros de Nova York caem em uníssono, sem otimismo. A bola de cristal de Wall Street (leia-se: o consenso dos analistas) prevê uma alta de 0,50% no núcleo do PCE. O tal “núcleo” do índice exclui preços de alimentos e de energia – que são mais voláteis por flutuarem de acordo com o clima, por exemplo. Por isso, ele é considerado uma medida mais pé-no-chão que o índice cheio. Esse número significaria uma aceleração em relação aos 0,3% de dezembro e manteria o acumulado de doze meses em 4,4%. Os gastos com consumo, que encolheram 0,2% em dezembro, devem crescer 1,4%. A ata da reunião do Fomc realizada no final de janeiro, que saiu nesta quarta, foi claríssima com os investidores: a inflação americana permanece rebelde, a economia está mais aquecida que o ideal e há praticamente zero chance de que a taxa básica de juros do Fed comece a cair ainda em 2023. O PCE acumulado do quatro trimestre de 2022 veio em 4,3%, versus as projeções de 3,9%. Por isso, já sabemos que o pico da “Selic” deles – atualmente em 4,5% – será maior do que sonham os faria limers: a taxa deve estacionar acima dos 5%. As questões pendentes, agora, são duas: quantos aumentos o Fed ainda deverá aprovar (dois ou três) e qual será o tamanho desses aumentos (0,5 ou 0,25 ponto percentual). Para ajudar no exercício de futurologia, teremos pronunciamentos de dois dirigentes regionais do Fed no pós-CPI: Loretta Mester às 12h15 e James Bullard às 13h, figurinhas carimbadas das coletivas de imprensa.Também haverá o índice de sentimento do consumidor da Universidade de Michigan. Em janeiro, o público previa, em média, uma inflação de 3,9% ao final deste ano e de 2,9% ao final de cinco anos. A ver se essas expectativas se deterioraram. O PCE é um indicador alternativo ao CPI. Tradicionalmente, o CPI é o principal dado americano, equivalente ao nosso IPCA. Ele sai mais adiantado, no comecinho do mês subsequente. Mas o Fed não curte muito o CPI. Essa é uma história que começa em 1995, quando o Senado americano criou a comissão Boskin. (Na verdade, o comitê não tinha esse nome – só acabou apelidado em alusão a seu presidente, o economista Michael Boskin.) Na ocasião, Boskin e quatro outros especialistas descobriram que o CPI superestimava a inflação americana em cerca de 1,1 ponto percentual ao ano. Rolou um pequeno escândalo entre especialistas, e a metodologia de cálculo acabou sendo revisada (em 2017, essa distorção foi de “só” de 0,85 ponto percentual, o que ainda é ruim, mas é melhor). Desde então, o Fed prefere o PCE, que demora mais para sair, mas tem menos da metade do viés (0,45 p.p.), o que o torna um retrato mais preciso das altas nos preços. O Brasil, vale dizer, pode sofrer de um problema parecido, só não tivemos ainda nossa comissão para investigá-lo: um estudo do Banco Mundial calcula que o IPCA pode ter superestimado em 0,7 ponto percentual a inflação no varejo brasileiro entre 2006 e 2017. Outro estudo, realizado na USP em 2008, fala em 0,31 ponto percentual de superestimação ao ano, o que é bem mais aceitável. Falando nele, hoje é dia de IPCA-15, às 9h. O dado deve acelerar 0,72% em relação aos 0,55% de janeiro, com uma ajudinha das altas na gasolina e nas mensalidades de escolas particulares. A inflação pode piorar depois de março, caso o governo Lula retome a oneração usual dos combustíveis (você deve se lembrar da novela da isenção, que Bolsonaro começou e então o PT preservou contra a vontade de Haddad). Mas o mercado vê isso com bons olhos: a retomada seria um sinal de que o governo está sendo responsável com a arrecadação – e, portanto, com a situação fiscal do país como um todo. Com esse cenário melancólico de preços e juros altos, os gringos estão começando a deixar as águas mais arriscadas das bolsas do Brasil e de outros países emergentes e se voltando para ativos de renda fixa, mais seguros. Vejamos aonde esse conto de duas inflações nos levará no último pregão da semana. Bons negócios! |
Nenhum comentário:
Postar um comentário