O ANO ELEITORAL NO JAPÃO E NO BRASIL
O covarde assassinato do ex-primeiro-ministro do Japão Shinzo Abe nesta sexta-feira aos 67 anos, baleado durante discurso na cidade de Nara, chocou o mundo e, notadamente no Brasil, repercute. Ele foi declarado morto às 17h03, hora local (5h03 horário de Brasília). De imediato, o primeiro-ministro Fumio Kishida classificou o ataque como um ato “absolutamente imperdoável” e inaceitável aos fundamentos da democracia japonesa: “um ato de barbárie covarde roubou a vida do primeiro-ministro Abe. Mais uma vez condeno [o ataque] com as palavras mais fortes”, disse.
Democrático e pacifista depois
da II Guerra Mundial, a violência política que atingiu o Japão deixou o planeta
boquiaberto. Mas há precedentes históricos nem tão remotos quanto os
sanguinários samurais. Nas décadas de 1920 e 1930, o assassinato de
ex-primeiros-ministros (Hara Kei, Hamaguchi Osachi, Inukai Tsuyoshi, Takahashi
Korekiyo, Saitō Makoto) manchava a política japonesa.
O pós-guerra, com a revisão do
tratado de segurança EUA-Japão, teve momentos dramáticos. O avô de Abe, Kishi
Nobusuke, foi vítima de tentativa de assassinato em julho de 1960. No mesmo ano,
o líder do Partido Socialista do Japão, Asanuma Inejirō, foi esfaqueado até a
morte por um estudante ultranacionalista radical. Asanuma era um crítico aberto
dos laços do Japão com os EUA e também buscava relações mais estreitas com os
estados comunistas da Ásia. Uma fotografia do crime ganhou o prêmio Pulitzer.
Abe governou por dois períodos.
No último (2012-2020), causou grande polêmica ao reinterpretar o direito ao
exercício de autodefesa coletiva no Japão, defendendo a militarização do país.
Em junho e novembro de 2014, duas pessoas atearam fogo em si mesmas, em
protesto. A segunda pessoa morreu. No primeiro governo de Abe (2006-2007), o
prefeito de Nagasaki, Itō Icchō, foi baleado e morto por um membro do
Yamaguchi-gumi, o maior sindicato do crime organizado do Japão, por motivo
fútil. Em 1990, o antecessor de Itō, Motoshima Hitoshi, também foi alvo de
atentado por um extremista de direita que não tolerou comentários públicos que
ele fizera acerca da responsabilidade de guerra do imperador Hirohito.
Em 2006, a casa do político
sênior do Partido Liberal Democrata, Katō Kōichi, foi alvo de ataque
incendiário por um direitista irritado com críticas à visita do
primeiro-ministro Koizumi Junichirō ao santuário de Yasukuni, símbolo
controverso do legado de guerra do Japão.
A cultura milenar japonesa é
fascinante e na política há casos assombrosos. Em 1970, o ultranacionalista
Mishima Yukio, um dos mais importantes escritores e dramaturgos do Japão, três
vezes indicado ao Nobel de Literatura, tentou um golpe de Estado. De aspecto
franzino, ele se tornara adepto das artes marciais, desenvolvera seu corpo ao
máximo como halterofilista e passara a seguir o bushido (código de conduta
samurai). Dois anos antes, ele fundara o Tatenokai (Sociedade do Escudo), organização
paramilitar de extrema direita, para restaurar os poderes políticos do
imperador. Com este grupo, em 25 de novembro de 1970 invadiu uma base militar
do Jieitai (as forças armadas do país) em Tóquio, e tomou como refém o
comandante do exército, general Kanetoshi Mashita, que não se assustou, assim
como os demais militares, e perguntava calmamente o que ele queria. Exigiu uma
convocação de mil homens, não foi levado a sério. Discursou para a multidão
curiosa, que o vaiou. Malogrado o golpe, ele cometeu seppuku – o estado de
espírito alcançado pelos samurais durante a estripação cerimonial – também
conhecido como harakiri, o suicídio ritualístico dos guerreiros samurais. Tinha
45 anos.
No entanto, segundo seu
biógrafo John Nathan, a tentativa de golpe de estado foi apenas um pretexto, um
palco montado e planejado por ele mesmo para sua morte. Mishima tinha obsessão
com sua forma física e envelhecer não estava em seus planos. Queria morrer
enquanto estivesse no auge de sua forma física e talentos. A morte também é um
tema recorrente em sua obra. No belíssimo e impactante “Patriotismo ou Rito de
Amor e de Morte” (1966), dirigido e estrelado pelo próprio Yukio Mishima e
baseado em seu conto “Yuukoku” (Patriotismo), acontece exatamente o que ele
viria a fazer quatro anos depois: derrotado, desmoralizado, impiedosamente
rasgou seu abdômen, expondo as suas entranhas.
Os mais devastadores atos de
violência política do pós-guerra foram, sem dúvida, os ataques com gás sarin
nas principais estações de metrô em Tóquio, em março de 1995, pela seita Aum
Shinrikyō. Catorze vidas foram ceifadas e mais de mil pessoas feridas. O líder
dos fanáticos, Asahara Shōkō, ao lado de seu staff, foi executado em 2018.
Durante as décadas de 1970 e
1980, grupos terroristas de esquerda assolaram o Japão. O mais famoso deles foi
o Exército Vermelho Japonês (JRA), que sequestrou aviões, atacou embaixadas e
empresas, bem como civis. Os cartazes de procurados por indivíduos envolvidos
com a JRA ainda aparecem nas estações de trem japonesas e, recentemente, a
polícia de Tóquio fez vídeos lembrando à população que os membros ainda estão à
solta.
No Pará, a violência e a
intolerância historicamente permeiam a política e o jornalismo. Na noite de 11
de abril de 1950 o jornalista Paulo Maranhão, já idoso, ao desembarcar do carro
que o conduzira até sua casa, na avenida Nazaré, onde hoje fica o prédio da
Clínica dos Acidentados, em frente à Praça Santuário/Basílica de Nazaré, foi
atacado por três homens, um dos quais lhe atirou um balde com fezes. Era retaliação
dos seguidores do governador Joaquim Cardoso de Magalhães Barata, a quem Paulo
Maranhão fazia feroz oposição em seu jornal A Folha do Norte. Reagiu ao
atentado publicando o icônico editorial “Ato porco de um governo porco”.
Parece que no Sudeste do Brasil
andaram lendo o fantástico “Rio de Raivas”, livro do escritor e jornalista
Haroldo Maranhão, neto de Paulo Maranhão, que relata o escatológico episódio
(ganhei há anos essa preciosa leitura do meu querido amigo João Tertuliano Lins
Lins Neto, professor aposentado da UFPA). Não por acaso, em menos de trinta
dias já foram registrados pelo menos três casos envolvendo excrementos. Ontem à
noite (7) o comício do pré-candidato à presidência da República Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) na Cinelândia, no Rio de Janeiro (RJ), foi marcado por um
explosivo caseiro, feito com garrafa PET, atirado do lado de fora dos tapumes,
contendo fezes humanas e urina. André
Stefano Dimitriu Alves de Brito, de 55 anos, detido em flagrante, confessou ter
arremessado o nojento petardo.
Anteontem (7) também o juiz
federal Renato Borelli, da 15ª Vara Federal de Brasília, que ordenou a prisão
do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, foi alvo de um ataque com fezes e
ovos, enquanto dirigia, próximo da própria residência. Ele conseguiu controlar
o veículo e não se feriu.
Já em Uberlândia, Minas Gerais,
está preso o agropecuarista Rodrigo Luiz Parreira, apontado pela polícia como o
principal responsável pelo ataque com um drone a apoiadores de Lula e Alexandre
Kalil (PSD), durante evento de pré-campanha em 15 de junho, na Universidade do
Triângulo Mineiro (Unitri).
Nas redes sociais, militantes
bolsonaristas voltaram a comentar sobre o caso Adélio Bispo de Oliveira, autor
da facada no presidente Jair Messias Bolsonaro (PL) em setembro de 2018.
Internautas da oposição também se manifestaram. Em um dos posts alguém
futricou: “— Bolsonaristas jogam fezes, urina e veneno. O que vocês esperavam?”
E outro retrucou: “— Eleitores bolsonaristas fazem atentados com cocô, enquanto
esquerdistas agridem com facas…”.
O que será que têm em comum o
Pará, o Brasil e o Japão?
Fonte: Franssinete Florenzano
Preside a Academia Paraense de
Jornalismo, é membro da Comissão Justiça e Paz da CNBB Norte 2, da Abrajet, do
IHGP-PA e do IHGTap.
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