HISTÓRIA | AMAZONAS DE DAOMÉ: AS MULHERES MAIS TEMIDAS DO MUNDO
Dora Milaje em cena do filme Pantera Negra |
Bravas guerreiras da África Ocidental repeliram com sucesso
invasores europeus
Nansica, uma jovem soldada do reino de Daomé, no atual Benin,
de cerca de 16 anos, se aproxima rapidamente de um sargento francês e o
decapita com furor. Em seguida, tem seu corpo atravessado por uma baioneta e
tomba de costas, braços estendidos para a frente. Na mesma batalha, um soldado
gabonês de infantaria, recrutado pelos franceses, desarma outra militar de
Daomé. Sem opção, ela rasga a garganta do inimigo com os próprios dentes.
Apesar de a França ter conquistado Daomé em 1894, após duas
guerras num período de 4 anos, a ferocidade das mulheres que compunham 1/3 das
tropas do país africano ao longo do século 19 impressionou visitantes e
soldados estrangeiros.
“O valor das amazonas é real. Treinadas desde a infância com
os mais árduos exercícios, constantemente incitadas à guerra, elas levavam às
batalhas uma fúria verdadeira e um ardor sanguinário... Inspirando com sua
coragem e sua energia indomável tropas que as seguiam”, escreveu em 1895 o
major francês Léonce Grandin, que lançou Le Dahomey: À l'Assaut du Pays des
Noirs, em que analisa a guerra na qual lutou.
“Notavelmente bravas”, “extraordinárias por sua coragem e
ferocidade” e de “tenacidade selvagem” são algumas das características
atribuídas a elas por combatentes franceses em diários escritos no calor das
batalhas.
Donas do palácio
Mulheres lutando em exércitos não eram novidade. Mas um
exército de mulheres, sim. Esqueça as lendárias amazonas da Grécia antiga, que
estão no terreno do mito. Como escreve o jornalista e pesquisador Stanley B.
Alpern em Amazons of Black Sparta (Amazonas da Esparta Negra), "na
verdade, as únicas amazonas documentadas da História são o tema deste
livro".
Para a autora de Wives of the Leopard: Gender, Politics and
Culture in the Kingdom of Dahomey (Esposas do Leopardo: Gênero, Política e
Cultura no Reino de Daomé), Edna G. Bay, elas talvez nem fossem tão melhores e
mais ferozes que seus companheiros de armas. “Mas a visão de mulheres
combatentes foi um choque para os franceses”, comenta ela.
As mulheres soldados e oficiais do exército de Daomé possuíam
escravas, moravam no palácio do rei e eram tão respeitadas e poderosas que,
quando andavam pelas ruas, os homens comuns deviam dar um passo atrás para
abrir caminho e olhar para o outro lado: não podiam dirigir seu olhar a elas.
Usavam uniformes, carregavam bandeiras e cantavam hinos.
Acostumadas desde cedo a um treinamento rigoroso, eram
grandes guerreiras, fortes, velozes, que escalavam paredões, empunhavam
espadas, machadinhas e punhais com vigor e, armadas com espingardas, atiravam
com boa mira. Decapitavam sem pena. Estavam, normalmente, na linha de frente
dos ataques aos reinos inimigos, à frente dos homens.
Esparta das mulheres
As militares não eram as únicas mulheres com poder na sociedade
de Daomé, cuja etnia principal era a fon e onde havia a prática do vodu. Outras
estavam em posições-chave na política e em cargos burocráticos. “Isso não era
incomum na África Ocidental, onde em muitos reinos havia, por exemplo, a figura
da rainha-mãe. Mas Daomé levou isso ao extremo. Em nenhum outro lugar havia
tropas inteiras de combatentes femininas, em toda a história”, ressalta Edna
Bay.
Como um exército de mulheres surgiu naquele lugar particular
da África do século 19 é algo que gera discussões e questionamentos. Mas
acredita-se que as origens das tropas femininas de Benin estejam em dois
grupos. O de mulheres caçadoras de elefantes, comuns nos séculos 17 e 18, ou o
mais provável: o de guardas do palácio real. Apenas mulheres e eunucos podiam guardar
os aposentos do rei e de suas centenas de esposas. Mas no Benin tais sentinelas
teriam evoluído para a formação de uma guarda pretoriana do governante.
Havia cerca de 5 mil mulheres no palácio, entre esposas do
rei, guardas, administradoras, funcionárias e escravas. “As mulheres eram
criadas, desde a infância, para serem leais à sua família de nascença e à
família do marido”, conta Edna. Assim, quase todas as mulheres do palácio eram
esposas do rei, mesmo que não tivessem relações sexuais com ele. É o caso das
mulheres militares, celibatárias.
Daomé era um dos grandes fornecedores de escravos para países
como o Brasil. Os ataques a reinos vizinhos muitas vezes tinham como objetivo
capturar escravos para a venda. Era o destino também de prisioneiros de guerra.
Porém o número de mulheres negociadas era menor. Muitas eram treinadas para se
tornar amazonas.
As primeiras notícias das mulheres soldadas em Daomé datam de
cerca de 1830. Daomé lutava em muitas guerras, o que levou ao declínio da
população masculina. Isso é outro fator que pode explicar o uso de mulheres
como militares. A última vez que elas entraram num campo de batalha foi em
1894, quando a França venceu a 2º Guerra Franco-Daomeana e subjugou o reino
africano. “O colonialismo fez com que as mulheres africanas se encolhessem,
perdessem a força, passassem a se casar para ser sustentadas pelos maridos”,
conta Edna Bay.
Fonte/Foto: Flávia Ribeiro, Aventuras na
História/Reprodução
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