POLÊMICA | BISPO DE ALTAMIRA-PA CRITICA BOLSONARO: 'NÃO É RESPOSTA QUE UM PRESIDENTE DÊ A ESSAS FAMÍLIAS'
O
bispo emérito do Xingu, dom Erwin Kräutler, 80, está triste com o massacre
inédito no presídio de Altamira, cidade onde mora desde 1965, e indignado com a
reação do presidente Jair Bolsonaro à morte de 62 internos.
"Leio
no jornal que o nosso presidente está falando que a gente deve perguntar às
vítimas dos que morreram. Isso não é resposta, pelo amor de Deus, que um
presidente dá a essas famílias aí. Cada preso tem mãe, tem pai. As mães estão
chorando lá", disse à Folha de S.Paulo, em seu escritório.
Opositor
histórico da construção da usina de Belo Monte, dom Erwin diz que as obras,
durante o governo Dilma Rousseff (PT), tiveram um grande impacto negativo na
cidade. "Altamira se tornou palco de agressões, de violências, arrastões e
de homicídios, um atrás do outro", lamentou.
Um
dos auxiliares mais próximos do papa Francisco para os preparativos do Sínodo
da Amazônia, em outubro, dom Erwin não está imune à violência. Há 13 anos, vive
sob proteção policial devido a ameaças de morte.
PERGUNTA
- Há poucos anos, Altamira foi a cidade mais violenta do Brasil. Agora é palco
de um dos piores massacres em presídios do país. O que explica a escalada?
ERWIN
KRÄUTLER - Altamira não cresceu, inchou. Com a construção da hidrelétrica, veio
tanta gente aqui sem ligação ou relacionamento com a cidade. Mas, se tem 50
bandidos no meio de 20 mil pessoas, isso já basta. Altamira se tornou palco de
agressões, de violências, arrastões e de homicídios, um atrás do outro. O que
entrou também foi a droga, muito grave. Há muitas mortes que são acerto de
contas.Conheço Altamira desde 1965. Quando cheguei, era uma cidade pequena,
pacífica, esquecida pelo mundo, na beira do Xingu. A primeira avalanche de
pessoas foi quando começou a Transamazônica. Veio a colonização, mas não tinha
nada disso.
O
pessoal foi pra estrada, pegou o lote consignado e passaram muita dificuldade.
Uns voltaram pra terra de origem, outros ficaram, ergueram a cabeça e puseram
as mãos na massa, com mulher e filho e hoje já estão na segunda ou na terceira
geração. Desta vez, foi totalmente diferente. Pode olhar pela cidade, só as
casas pobres não têm muros altos. Nas famílias com mais poder aquisitivo, não
dá nem enxergar a porta para entrar na casa, e em cima do muro ainda tem cerca
elétrica. Na boca da noite, o pessoal sentava na porta da casa, jogava conversa
fora. Isso acabou. As pessoas têm medo.
P.
- A igreja atua no presídio por meio da Pastoral Carcerária. Como são as
condições do local onde houve o massacre?
EK
- São pra lá de péssimas. A população de Altamira aumentou, mas o novo presidio
até hoje não está pronto, e esse presídio que está aí não tem condições. Tem
superlotação, mas o que mais me toca é que tem meninos aí dentro, 22, 23 anos,
em prisão provisória, aguardando sentença.
Tem
gente que está mofando aí dentro e ninguém cuida do processo. E colocam tantos
homens em um espaço mínimo... Não vou nem dizer que viram animais, porque
animal não ataca outro animal da mesma espécie assim. Os homens chegam a um
nível de perversão, de crueldade, que a gente só pode pensar em uma cena de
Dante lá no inferno.
O
presídio não tem a segurança necessária. As instalações não são do padrão
exigido hoje. Não vamos generalizar, mas o Estado praticamente se esqueceu de
Altamira.
P.
- O sr. esteve pela manhã com familiares das vítimas diante do IML. Como tem
sido a resposta do poder público para eles?
EK
- O que vejo é algo indigno. São familiares. Agora, a gente não pergunta o que
fez, o que deixou de fazer, por que foi preso. Pode ser um irmão, um primo, uma
filha. Ele foi morto e barbaramente executado e cortaram a cabeça, espalharam
vídeos. Esse povo merece uma melhor qualidade de acompanhamento. Estão na rua,
colocaram umas tendas para pelo menos não morrer do solzaço que está em cima de
Altamira nesta época. Tudo isso é tremendamente indigno. Me dói no coração que
o povo não conte.
Leio
no jornal que o nosso presidente está falando que a gente deve perguntar às
vítimas dos que morreram. Isso não é resposta, pelo amor de Deus, que um
presidente dá a essas famílias aí. Cada preso tem mãe, tem pai. As mães estão
chorando lá. O preso não deixa de ter mãe. Isso corta o coração, a mãe não tem
culpa de ele estar aí, ele andou pelo caminho errado.
Muitos
caíram no vício da droga. Que mãe quer isso?
O
mínimo que se espera é que se respeitem as famílias. Isso não está acontecendo.
Imagine quando o mais alto Executivo na nação fala uma coisa dessas pra
famílias que perderam um filho.
P.
- Não é a primeira fala do Bolsonaro contra direitos humanos. O sr. encontra
uma grande ressonância dessa mensagem?
EK
- Isso me preocupa muito, porque ainda tem gente que diz: "é isso
mesmo". Aí que vejo a insensibilidade. Se fosse o filho de um desses que
dizem "bandido bom é bandido morto", aí muda de figurinha. Sempre se
fala do bandido da casa vizinha, mas nunca se sabe.
Aquilo
que o Bolsonaro falou é só a tradução de "bandido bom é bandido
morto". Tem essa insensibilidade, essa maneira de enxergar. Muita gente se
arvora de juiz, não conhece o caso e condena de ouvir falar. Quantas vezes
acontece isso?
Você
ouve o zumzumzum, o povo está falando e de repente se monta um sistema em que o
homem é o pior criminoso e, no final das contas, nem tinha sido ele.
Um
preso só pode ser chamado de bandido quando for julgado na forma da lei. Quando
o juiz pronuncia a sentença. Aí ele é de fato criminoso. Mas, enquanto não
puderem provar, ele é um preso provisório. Isso não acontece.
P.
- As pessoas estão perdendo a sensibilidade para tragédias como a de ontem?
EK
- Acho que sim. Parece pisar numa barata. Muita gente se se acostuma. Não é
mais nem notícia. Morreram quantos? Três. A gente nem pergunta mais o que foi,
o que deixou de ser. Essa falta de sentimento, de compaixão, quando a gente
está diante de um fato desse, de uma tragédia dessas.... Eu tenho um coração,
eu sofro com isso. Depois, a compaixão vira misericórdia, eu faço alguma coisa
contra isso. Nós estamos fazendo o que podemos fazer, mas o resultado custa a
aparecer ou não aparece. A gente desanima, parece que não tem saída. O que
fazer?
Fonte/Foto: FOLHAPRESS
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