(FALTA DE) SANEAMENTO: MAIS DE 90% DA POPULAÇÃO DE RO, PA, AP E AM NÃO TEM COLETA DE ESGOTO, REVELA TRATA BRASIL
Nos últimos três anos, o Brasil reduziu os investimentos em saneamento
básico em R$ 1,28 bilhão; principal entrave, segundo especialistas, está na
falta de investimentos
Apenas
quatro em cada 100 residências em Rondônia (4,05%) estão ligadas a redes de
coleta de esgoto. O número deixa o estado como pior colocado do país quando se
observa a cobertura do serviço nas outras Unidades da Federação. No Pará e no
Amapá, a taxa é menor que 7%. O Amazonas completa a lista dos estados da região
em que mais de 90% da população não tem dejetos coletados.
Apesar
de terem uma cobertura maior, Tocantins, Acre e Roraima ainda oferecem coleta
de esgoto abaixo dos 70%, índice considerado satisfatório para o serviço. Os
dados foram divulgados pelo Instituto Trata Brasil este mês e são referentes ao
ano de 2017.
Segundo
especialistas, a falta de investimentos em saneamento básico ainda é o
principal problema a ser enfrentado. Na avaliação do professor de geografia
urbana da Universidade Federal do Amazonas, Marcos Castro, o cenário crítico,
comparável ao de países africanos, reforça a necessidade de abertura do setor
para investimentos privados. Isso, segundo o especialista, pode representar um
avanço significativo na qualidade dos serviços oferecidos à população.
“Em
vista da precariedade do serviço e da incapacidade do poder público em arcar
com essa demanda, a melhor solução seria abrir a concorrência de empresas. Nós
temos que romper essa cultura de governança de improviso. É preciso investir
mais em saneamento básico, em sistemas de drenagem e esgoto, já que é uma
questão de saúde pública”, analisa.
Os
números oficiais comprovam que a precariedade do setor tem reflexo na saúde de
adultos e crianças brasileiras. Segundo o IBGE, entre 2016 e 2017, 1.935 dos
5.570 municípios (34,7%) registraram epidemias ou endemias ligadas à falta de
saneamento básico, como casos de diarreia, leptospirose, cólera, malária e
hepatite.
A
evolução dos serviços, por outro lado, equivale à economia nos cofres públicos.
Estimativa do Trata Brasil, com base em dados do IBGE, calcula que as despesas
com internações por infecções gastrointestinais no SUS podem cair de R$ 95
milhões (2015) para R$ 72 milhões em 2035.
Para
o presidente do Instituto Movimento Cidades Inteligentes, Luigi Longo, as
parcerias público-privadas, conhecidas como PPPs, podem aperfeiçoar a qualidade
do saneamento ofertado.
“Há
parcerias público-privadas por meio das quais a água ou a concessão dela é do
setor público e, na mesma cidade, o esgoto é do setor privado. Isso ocorre
porque o setor privado consegue tratar melhor o esgoto, enquanto a distribuição
da água é do município ou do estado, por exemplo. O que eu entendo é que não
existe a viabilidade total nem no setor público, nem no privado, mas a junção
deles em um objetivo comum”, analisa Luigi.
Atraso
Nos
últimos três anos, o Brasil reduziu os investimentos em saneamento básico,
segundo o Trata Brasil. Em 2017, os recursos aplicados no setor foram R$ 1,28
bilhão menores do que em 2015. O retrocesso é ainda mais nítido quando se
observa que o valor investido em 2017 foi o mesmo de 2011 (R$ 10,9 bilhões).
Das 100 maiores cidades do país analisadas no levantamento, 70 reinvestiram
menos de 30% do que arrecadaram.
De
acordo com a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços
Públicos de Água e Esgoto (Abcon), os dados reforçam a necessidade de
investimentos no Brasil. Um dos caminhos, segundo a entidade, seria avançar na
regulação do setor com a ajuda de investidores privados.
“Quanto
mais a gente puder, por meio de parceria com o setor privado, desobrigar o
recurso público de um serviço ou um investimento que pode ser feito com recurso
privado, mais fácil será para acelerar investimento. Isso permite também que
estados e municípios possam realocar esse recurso em áreas como saúde, educação
e segurança”, afirma o diretor de Relações Institucionais da Abcon, Percy
Soares Neto.
Marco
regulatório
O
governo federal editou uma medida provisória (MP 868/2019) com o objetivo de
criar novas regras para o setor de saneamento básico no país. No entanto, o
texto perdeu a validade no início de junho. As propostas incluídas na MP, que
foram debatidas em comissão mista do Congresso Nacional, encorpam o PL
3235/2019, de autoria dos deputados federais Evair de Melo (PP-ES) e Felipe
Rigoni (PSB-ES).
A
principal mudança sugerida na legislação é quanto ao modelo de exploração dos
serviços. O foco é na concessão, semelhante ao que ocorre atualmente com os
aeroportos brasileiros. Dessa forma, os municípios serão obrigados a abrir
licitações para escolher o melhor prestador de serviços, que poderão ser
executados por empresas públicas ou privadas. Hoje, o mais comum é que as
prefeituras firmem contrato de gestão, por exemplo, com a companhia estadual de
água e esgoto, embora 325 municípios já tenham firmado contratos com a
iniciativa privada no país.
O
deputado federal Lucio Mosquini (MDB-RO) avalia que o poder público, inclusive
o Parlamento, não pode mais se omitir e precisa encontrar uma solução para esse
problema.
“O
principal problema é a falta de investimento. É necessário fazer canalização de
esgoto, fazer a drenagem de um rio, ampliar a estação de tratamento e a coleta,
fazer um aterro sanitário. Tudo isso são políticas públicas que o cidadão comum
não tem à disposição”, ressalta Mosquini.
A
redação do PL 3235/19 prevê ainda que a Agência Nacional de Águas (ANA) passe a
ter a função de estabelecer normas de referência para a regulação dos serviços
de saneamento básico. Essas normas devem “estimular a livre concorrência, a
competitividade, a eficiência e a sustentabilidade econômica na prestação dos
serviços”, além de “buscar a universalização e a modicidade tarifária”.
A
proposta está apensada ao PL 3261/2019, que já foi aprovado pelo Senado. Após o
recesso parlamentar, o texto passa por análise da Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados.
Fonte/Foto: Marquezan Araújo, da Agência do Rádio
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