DISCUSSÃO SOBRE CELIBATO NA AMAZÔNIA DEVE AMPLIAR OPOSIÇÃO A PAPA FRANCISCO



Assunto será posto em discussão no Sínodo dos Bispos, evento que ocorre na Santa Sé em outubro
Um documento divulgado na última segunda-feira, 17, pela Igreja oficializou algo que já se comentava tanto no cardinalato quanto entre vaticanistas: existe uma possibilidade clara de que homens casados "de caráter comprovado" sejam, em breve, ordenados padres pelo catolicismo.
O assunto será posto em discussão no Sínodo dos Bispos para a Amazônia, evento que ocorre na Santa Sé em outubro e terá a floresta brasileira como tema principal. O documento divulgado é o instrumento de trabalho para o encontro e a inclusão da questão dos padres casados foi, de acordo com o Vaticano, em função de o assunto ter surgido de forma recorrente nos questionários aplicados ao episcopado da região.
Um dos responsáveis pela organização do Sínodo, o bispo italiano Fabio Fabene afirmou à imprensa internacional que os pedidos de consideração da questão foram "muito difundidos" entre os participantes da pesquisa preliminar. Segundo a apuração do Vaticano, há muitas comunidades isoladas na Amazônia que passam meses sem ter acesso a uma missa. No rito católico apostólico romano, sacramentos como a celebração eucarística e a confissão só podem ser ministrados por sacerdotes.
A ideia seria suprir a falta de padres com a ordenação de homens considerados viri probati, expressão latina para designar aqueles tidos como exemplos de retidão moral na sociedade. Seriam idosos, casados e com participação já consagrada no dia a dia de suas comunidades. E, no caso da Amazônia, preferencialmente indígenas.
"Embora afirmando que o celibato é um presente para a Igreja, tem havido pedidos de que, para as áreas mais remotas da região, a Igreja estude a possibilidade de conferir ordenação sacerdotal a homens idosos, de preferência membros indígenas, respeitados e aceitos em suas comunidades", diz trecho do documento.
Na cúpula da Igreja, uma certeza: se o projeto for adiante, pode ser o rompimento de séculos de uma tradição em que o celibato se tornou fundamental para o exercício do sacerdócio. Porque a ideia de liberar padres casados na Amazônia seria um teste que, uma vez bem-sucedido, tende a ser replicado, primeiramente em regiões remotas, para suprir a falta de padres no mundo.
Dados divulgados no ano passado pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris), órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mostram que o País tem 27,3 mil padres - uma média de um sacerdote católico para cada 7.802 habitantes.
Considerando o peso que o catolicismo tem no Brasil, é uma média baixa. Na Itália há um clérigo para cada mil habitantes. E esses 27,3 mil padres não estão bem distribuídos, considerando a população brasileira. Enquanto no Rio Grande do Sul há um padre para cada 5,8 mil habitantes, Estados do Norte e do Nordeste têm carência de sacerdotes. Maranhão tem a mais baixa proporção, com um sacerdote para cada 13,7 mil pessoas. Pará conta com um religioso para cada 13,2 mil habitantes, enquanto Amazonas e Roraima têm um para cada 9,7 mil.
Oposição
Se por um lado a medida pode resolver um problema histórico da Igreja e, ao mesmo tempo, solucionar a carência de sacerdotes em regiões remotas, por outro a mudança já desperta críticas e preocupações no setor mais conservador da cúpula do Vaticano, justamente a oposição ao papa Francisco.
De acordo com estudos do vaticanista italiano Marco Politi, a oposição a Francisco hoje engloba 30% do episcopado mundial. Os opositores discordam do perfil progressista do atual sumo pontífice, que não raras vezes aborda questões políticas, ambientais e sociais. E também propõe aberturas em termos de participação nas comunidades, como já ocorreu com uma maior aceitação aos divorciados em segunda união, como se reflete nas palavras de acolhimento aos homossexuais e como agora pode ocorrer com a questão dos padres casados.
No livro La Solitudine di Francesco, Politi apresenta um cenário em que o papa, politicamente, precisa enfrentar o histórico conservadorismo da Igreja - e fora dela.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que, se levada adiante, a aprovação da ordenação sacerdotal de homens casados pode aumentar ainda mais esse grupo de opositores.
Consultor do Vaticano, o padre jesuíta americano James Martin pondera que alguns grupos criticam qualquer gesto do atual papa. "Há algumas pessoas - cardeais, bispos, padres e leigos - que se opõem a Francisco em quase todos os assuntos. Parecem discordar dele em tudo o que diz e faz", afirma. "Portanto, ele não vai agradar a esse grupo."
"No geral, aqueles que se opõem à questão dos padres casados o fazem por causa da tradição", acredita ele.
"Os críticos conservadores não vão gostar disso", afirma o vaticanista britânico Austen Ivereigh, autor de The Great Reformer: Francis and The Making of a Radical Pope (O grande reformista: Francisco e a criação do papa radical, em tradução livre). "Mas se houver um consenso no sínodo, certamente o papa vai permitir (a ordenação de padres casados em contextos específicos)."
"Contudo, como a Igreja Católica já tem padres casados, como os de rito oriental, eles (os críticos) dificilmente poderão argumentar que se trata de uma questão doutrinal", completa o britânico.
Para o teólogo e filósofo Fernando Altemeyer Júnior, chefe do Departamento de Ciência da Religião da PUC-SP, a questão do celibato poderia ser atenuada com algumas adaptações. "Há bispos contrários porque temem um clero casado", acredita ele. "Mas seria possível com algumas mudanças quanto aos bens, aposentadoria e direitos da esposa e filhos."
"Não tenho certeza se isso (a flexibilização do celibato clerical) vai acontecer ou não", comenta Martin. "Mas certamente há uma grande necessidade de mais padres, especialmente para fornecer a Eucaristia a pessoas em áreas remotas. A ideia de ordenar homens casados tem sido amplamente discutida por muitos bispos."

Fonte/Foto: BBC Brasil/Tiziana Fabi - AFP

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