AMAZÔNIA: GARIMPOS JOGAM ‘UMA BRUMADINHO’ A CADA 20 MESES NO TAPAJÓS
O panorama da contaminação por mercúrio no Tapajós |
Já faz alguns anos que a
Amazônia passa por mais uma corrida do ouro, só que desta vez “moderna”, como
dizem os locais pró-garimpo. Não pelas preocupações socioambientais crescentes,
mas pelo uso de máquinas que substituem parte daquele formigueiro de gente que
víamos no passado por um formigueiro mecanizado. São os chamados “PCs”,
retroescavadeiras hidráulicas que avançam de forma insana e avassaladora
abrindo crateras sobre a floresta.
O artigo é de Caetano
Scannavino, Empreendedor social, morador da Amazônia e coordenador do Projeto
Saúde e Alegria, publicado por CartaCapital, 05-06-2019.
No mais, os garimpos
continuam como nos tempos do Velho Oeste, mercuriais e febris por ouro, com governos
coniventes, leis próprias, sempre em nome do desenvolvimento como única
alternativa para sobrevivência econômica, pouco importando se estão em áreas
proibidas como terras indígenas (TIs) ou unidades de conservação (UCs).
Só no território Yanomami são
mais de 10 mil garimpeiros cavando a floresta, assoreando rios, contaminando
águas, corrompendo indígenas, chamando violência, prostituição, armas e drogas.
Já na bacia do Tapajós,
vindos dos garimpos ilegais dentro das Flonas (Florestas Nacionais) e Terras
Munduruku, são despejados por ano mais de 7 milhões de toneladas de sedimentos
– o equivalente a um Brumadinho a cada 20 meses.
O mercúrio é um desses
rejeitos. Ele é metilado no fundo dos rios, quando então pode ser dissolvido
nas células dos peixes que vão alimentar as pessoas. Segundo o Dr. Erik
Jennings, médico neurologista que atua no Tapajós, existem vários estudos que
apontam níveis mercuriais bastante altos nos índios Munduruku (medidos através
do cabelo).
“Disso não temos mais
dúvidas. O que falta agora são os estudos clínicos, examinando bem a parte
neurológica das pessoas, para se ver a consequência que eles já estão tendo. A
intoxicação mercurial atinge o sistema nervoso deixando as pessoas sem
concentração, reduz a memória, a coordenação, causa déficit de inteligência e
tremores incontroláveis. E as crianças geradas por mães contaminadas também
terão consequências devastadoras em seus cérebros. Então, temos um grave
problema social aí. Sem plena capacidade cognitiva, o mercúrio tira das pessoas
a capacidade de competir e sobreviver numa sociedade de forma justa.”
Se já estava ruim nos
governos anteriores, tende a piorar ainda mais com um presidente que quer
liberar o garimpo em terras indígenas. A tática é deixar os índios à mercê dos garimpeiros
ilegais, sem as devidas medidas protetivas ao mesmo tempo que fecham as
torneiras dos serviços assistenciais, colapsando a atenção básica, a segurança
alimentar… Sem opções, alguns indígenas acabam induzidos a buscar apoio junto
aos próprios garimpeiros, estabelecendo acordos e/ou se envolvendo diretamente
nas atividades extrativas. Com isso, pressionam para dividi-los, abrindo as
portas para a entrada de novos invasores. É perverso.
Até agora, pouco se ouviu
sobre políticas que diversifiquem as cadeias produtivas, reduzam a dependência
do ouro e incentivem a transição para economia da floresta em pé. Ao invés de
premiar a garimpagem legal coibindo as ilegalidades para que as boas práticas
predominem, o governo quer acabar com elas legalizando-as. O discurso
presidencial é pelo alívio da fiscalização e multas por crimes ambientais –
isso no país onde já reina a impunidade com menos de 5% delas quitadas.
E assim será enquanto
continuarmos com a visão estreita de progresso e desenvolvimento, literalmente
entregando o ouro, se contentando com pouco quando se poderia ganhar muito
mais, em todos os sentidos.
A cultura econômica que se
criou é de país vira-lata, com alguns poucos se apropriando da riqueza que é de
todos, cometendo crimes ambientais em cascata, lucrando sem pagar impostos,
inclusive quebrando quem quer fazer a coisa certa, sufocados pela concorrência
desleal. E ainda deixam a conta do estrago para o Estado, ou seja, para você
pagar.
Toda essa ilegalidade
acontece a vista de todos, Ibama, ICMBio, Funai, PF… E até de quem aqui me lê,
se assim desejar, bastando uma visita ao Google Maps.
O ouro continua falando
mais alto do que a fiscalização e a punição. Anos e anos de exploração tornaram
os municípios dourados reféns de uma economia movida por práticas predatórias e
pela “livre negociação armada”, onde o garimpo elege e governa, em todas as
esferas.
Projetos de mineração
estão sendo liberados dentro de UCs pela ANM (Agência Nacional de Mineração) em
conluio com as Secretarias Municipais de Meio Ambiente. Além de proibidos, não
contam com estudos sérios de impacto e os devidos processos de licenciamento
ambiental. Só nas Flonas de Itaituba 1 e 2, região do Tapajós que se sobrepõe
às terras Munduruku, há 11 lavras já para exploração (mais 166 requerimentos) e
20 autorizações para pesquisa (mais 30 pedidos) – apenas em 2015, para Itaituba
2, a ANM concedeu 6 autorizações para garimpos de diamante e ouro.
“Para cada quilo legal, 10
saem ilegais”, disse Eugenio Viana, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico,
Mineração e Energia de Itaituba/PA, em reportagem para a Agência Pública.
Questionar isso não é ser
contra o desenvolvimento, mas contra esse modelo que compromete tudo e todos
para favorecer só alguns. Se fosse bom, depois de tanto ouro extraído,
municípios áureos como Itaituba ou Jacareacanga já deveriam ter asfalto 100%,
rede de esgotos, água tratada, energia estável, internet banda larga, escolas e
hospitais de primeira.
Só que não, por exemplo,
dentre os nossos 5,5 mil municípios, Itaituba está no andar de baixo, ocupando
o 4377º lugar no ranking IFDM, enquanto Jacareacanga é o 7º pior e menos desenvolvido
do país (IFDM – Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal).
Isso não é legal…
Fonte/Arte: ihu.unisinos.com.br/Carta Capital
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