SE NÃO FOSSE PARA MANAUS, NINGUÉM IRIA, AFIRMA O RABINO DO AMAZONAS

O rabino Arieh Raichman durante visita a comunidades no interior do Amazonas

Encravada entre dois cursos d'água que desembocam no rio Negro, uma sinagoga do Amazonas não destoa das casas vizinhas - não fossem seus visitantes em quipás, talits e tzitzit, adornos da vestimenta judaica.
O espaço é comandado pelo norte-americano Arieh Raichman, 35, rabino da capital amazonense. Raichman é uma figura esguia, de olhos verdes, barba engruvinhada e sotaque americano. Caminha costumeiramente sob os 30ºC locais usando paletó e chapéu. O conjunto da obra o destaca entre os shorts e havaianas de um estado em que 90% da população se declara católica ou evangélica, segundo o Censo Demográfico do IBGE.

Ele migrou para o Amazonas há dez anos com a missão de servir a pequena comunidade judaica manauara - composta de cerca de mil pessoas. Em sua maior parte, descendentes de judeus marroquinos que chegaram à região no século 19, atraídos pelo ciclo da borracha.
Ali, fundou ao lado da esposa, Dvorah Lea, 32, a Beit Chabad Manaus. A sinagoga faz parte de um movimento ortodoxo criado na Rússia há mais de dois séculos, dedicado a levar o estilo de vida da Torá - a bíblia dos judeus - a lugares remotos. Foi assim que o casal foi parar na região amazônica.
“No começo o movimento existia muito na Rússia, mas hoje tem atividades em praticamente todos os países. A gente brinca que onde existe Coca-Cola, existe um Beit Chabad.”
- Arieh Raichman, rabino
Raichman se vê hoje como um missionário que tenta adaptar a cultura e estilo de vidas locais aos preceitos de sua religião. Além de Manaus, atende a comunidades em estados do Norte, como Porto Velho, em Rondônia, e nas cidades paraenses de Santarém, Alter do Chão e Óbidos
As cidades estão no circuito percorrido pelos judeus que, a partir de Belém, buscavam oportunidades econômicas na região. Quando o boom da borracha acabou, no começo do século 20, muitos foram embora para São Paulo, Rio de Janeiro ou Israel. Os que ficaram, seguiram numa cultura de influências culturais amazônicas.
"Nós visitamos essas comunidades, damos aulas, apoio espiritual. Também, como qualquer sinagoga, promovemos as festas judaicas. Agora, por exemplo, está chegando a Pessach [a Páscoa judaica], então nós trazemos os produtos típicos dessa festa e distribuímos para as pessoas que não têm posse."
Entre as atividades feitas com a comunidade, estão oficinas para produzir artefatos típicos, como o shofar (instrumento de sopro usado em ocasiões solenes) e o quipá (espécie de chapéu). O casal também se dedica a produzir ou importar alimentos kosher - feitos segundo os princípios da religião.
"Aqui se você anda na rua com um quipá, você provavelmente é o único. Você pode sentir dificuldade de estar sozinho. É necessário mais coragem para seguir os preceitos, porque não há tanto apoio em torno de você", conta. "Se eu tenho fome, por exemplo, preciso voltar para casa ou levar minha comida, porque não encontro produtos kosher. Estamos longe de São Paulo e demora para trazer a comida. Leite, carne, vêm de barco, depois de avião, demora um mês para chegar e às vezes vem estragado."
Mistura de línguas
Raichman nasceu e cresceu em Houston, no Texas, e formou-se em estudos religiosos em uma escola para rabinos de Nova Jersey. Filho de mãe carioca e pai argentino, decidiu que, tal qual o pai, também se casaria com uma brasileira. "Meu pai casou com uma brasileira, meu irmão mais velho também. Meu irmão menor tentou, mas casou com uma russa em vez", conta.
Dvorah Lea, sua esposa, é filha de americanos, mas foi criada em Belém, no Pará, onde seu pai também atua como rabino. Os dois se conheceram em Nova York, numa espécie de casamento arranjado.
Eles decidiram buscar um lugar para fundar a Beit Chabad em 2009, após uma sinagoga sofrer um ataque terrorista em Mumbai, na Índia. Na ocasião, um rabino e sua esposa foram mortos.
"Vimos como eles morreram em uma missão, num trabalho para o qual se dedicavam. Quando algo negativo acontece, significa que a espiritualidade do mundo caiu, então o que a gente tem que fazer é iluminar mais o mundo", defende.
Viam o Brasil como boa opção, já que ambos falavam português e tinham família no país. Vieram primeiramente para uma visita, em junho de 2009. Na época, o casal tinha apenas um filho (hoje são seis), de apenas dois meses, que desmaiava constantemente por causa do calor. Médicos da família nos Estados Unidos desencorajaram a mudança, alertando para as doenças tropicais.
"Mas na última noite, antes de irmos embora, teve uma pessoa que me revelou sentir muito por não ter seguido o caminho do judaísmo. Ele me disse que eu poderia ajudar outros judeus no Amazonas a seguir no caminho certo. Esse pensamento ficou na minha cabeça", lembra o rabino. Seis meses mais tarde, o casal se mudou de vez para a capital amazonense. "A gente sabia que se não fossemos para Manaus, ninguém mais iria."
Hoje considera como a segunda maior dificuldade, atrás da comida kosher, a educação dos seis filhos - que têm entre dez meses e dez anos de idade. "Criar uma família no Amazonas, onde eles andam de quipá, comem kosher, não andam de carro no Shabat [dia de descanso], é um pouco difícil para meus filhos. Não há muitos companheiros fazendo as mesmas coisas", conta.
As crianças estudam pela internet em uma escola judaica online e têm aulas particulares de português, matemática e história. Estão ainda registradas em uma escola particular local, onde fazem as provas. "Isso para não pegar tantas influências das outras crianças que não cumprem a educação judaica", diz. Os que já conseguem articular palavras, o fazem em quatro línguas: hebraico com a mãe, ídiche com o pai, inglês nas aulas virtuais e português com a população da cidade.
O terceiro desafio é o Mikvah - ritual de imersão em águas naturais realizado pelas mulheres mensalmente, após a menstruação. Considerando o rio Amazonas pouco atraente para a prática, Lea viaja mensalmente atrás de um Mikvah adequado. A comunidade está arrecadando fundos para comprar um terreno e construir o próprio.
Mas embora destoante no cenário de Manaus, o casal diz ter boa relação com a comunidade ao seu redor. "Sempre tem pastores e padres que me param, fazem perguntas, querem saber sobre judaísmo. Não fazemos atividades juntos, mas existe um respeito pelo trabalho que cada um faz no Amazonas."
Raichman é cidadão brasileiro e vota nas eleições nacionais. Diz apreciar a polêmica aproximação do presidente Jair Bolsonaro com Israel - que se autodefine por lei como um estado judeu. "Com o crescimento do antissemitismo e atos violentos que acontecem no mundo inteiro contra judeus, ter mais um aliado como o Brasil é bem visto. Mais um aliado nesse mundo hoje em dia sempre é bom."
 
Arieh Raichman, sua mãe, sua esposa e os filhos do casal
Fonte/Fotos: noticias.uol.com.br/Arquivo Pessoal - Arieh Raichman

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