TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL SOFREM COM INVASÕES SOB DIRETRIZ DE BOLSONARO
Estimulados pela promessa do presidente de abrir mais
territórios ao desenvolvimento comercial, homens com facões, serras elétricas e
armas de fogo invadiram as terras dos Uru-eu-wau-wau
Dez dias após Jair
Bolsonaro tomar posse como presidente do Brasil, dezenas de homens entraram em
terras indígenas protegidas em uma área remota da Amazônia. Estimulados pela
promessa de Bolsonaro de abrir mais territórios ao desenvolvimento comercial,
homens munidos de facões, serras elétricas e armas de fogo foram reivindicar o
que veem como seu.
Logo se seguiu um impasse
tenso com integrantes da tribo Uru-eu-wau-wau, que gravaram o confronto em um
vídeo de celular visto pela Reuters. Tudo aconteceu em janeiro. Os invasores
ameaçaram atear fogo nos vilarejos para expulsá-los, disseram membros da tribo.
Alguns destes deixaram setas com veneno prontas para serem usadas em seus
arcos.
Os invasores recuaram, mas
uma placa cravejada de balas na entrada de sua vasta reserva hoje serve como
cartão de visita. A placa é da Fundação Nacional do Índio (Funai), criticada
por grande parte do agronegócio. “É um alerta de que eles estão voltando”,
disse Awip Puré Uru-eu-wau-wau, membro de 19 anos da tribo, à Reuters, algumas
semanas depois do atrito em Rondônia.
O confronto é parte de um
aumento das ameaças e incursões ilegais que tribos e grupos de direitos
indígenas dizem terem sucedido após a chegada de Bolsonaro ao poder. As
invasões de terra cresceram 150% desde que ele foi eleito, segundo o Conselho
Indigenista Missionário (CIMI).
Na noite da vitória de
Bolsonaro, um posto de saúde e uma escola em terras pankararu de Pernambuco
foram atacados com bombas incendiárias, relatou o CIMI, e em Mato Grosso do Sul
comboios de agricultores dispararam contra a comunidade guarani kaiowá para
intimidá-la.
O Brasil abriga cerca de
850 mil indígenas, que representam em torno de 300 comunidades. Suas reservas
vastas, que equivalem a cerca de 13% do território nacional, são uma fonte de
conflito com pessoas de fora que querem explorar suas riquezas naturais há
tempos.
Bolsonaro se queixou do
que vê como proteções federais excessivas para estas minorias. Ele comparou os
nativos das reservas a animais vivendo em zoológicos, sugerindo que fariam melhor
assimilando e usufruindo de uma parcela dos lucros que viriam da abertura de
suas terras à agricultura e à mineração.
O presidente repudiou as
reservas por considerá-las um impedimento ao agronegócio. “Se eu me tornar
presidente, não haverá um centímetro quadrado de terra designada para reservas
indígenas”, afirmou ele durante um evento de campanha de 2017 em Mato Grosso.
O agronegócio está entre
os setores da economia que mais apoiaram a campanha de Bolsonaro. Defensores
dos indígenas, contudo, dizem que tal retórica atiçou um ressentimento antigo,
colocando as vidas dos nativos em risco. “Seus discursos de campanha se
tornaram uma licença para invadir terras indígenas”, disse Ivaneide Bandeira,
chefe da ONG de ativismo etnoambiental Kanindé.
Um dos primeiros atos de
Bolsonaro como presidente foi privar a Funai de seu papel de determinar as
fronteiras de reservas, atribuindo-o ao Ministério da Agricultura, que é
dominado por ruralistas. A autoridade a cargo das questões territoriais agora é
Nabhan Garcia, que combate as reservas há décadas. “A quantidade de terra para
reservas é monstruosa, e está nas mãos de poucos índios hoje”, disse Garcia em
uma entrevista à Reuters.
Os Uru-eu-wau-wau foram
dizimados por doenças quando os agricultores chegaram nos anos 1970, graças à
abertura de uma estrada em Rondônia. Hoje, seus 150 sobreviventes moram em uma
reserva de 1,9 milhão de hectares próxima da fronteira com a Bolívia.
Embora alguns membros da
tribo usem jeans e celulares comprados com dinheiro do governo e a venda de
castanhas e mandioca, eles vivem em grande parte como seus ancestrais, caçando
antas e javalis.
Os Uru-eu-wau-wau já
enfrentaram invasores em busca de madeira e terras antes, mas os de janeiro
foram diferentes: eles pintaram números em árvores separadas por intervalos
precisos de 60 hectares, um sinal de que estão demarcando lotes para vender a
futuros colonos.
A comunidade convocou uma
assembleia de emergência de seus seis vilarejos no mesmo mês. Chefes e
guerreiros pintaram os corpos, colocaram cocares de penas de arara e realizaram
uma dança de guerra. Eles escreveram uma carta pedindo proteção do governo e
alertaram que recorreriam às suas setas e arcos se necessário. “Precisamos
desta terra e das árvores de sua floresta de pé para sobrevivermos como povo”,
disse Tangae Uru-eu-wau-wau, líder de um vilarejo, à Reuters.
A assembleia teve a
participação do novo chefe da Funai, Franklimberg Ribeiro, general da reserva
do Exército descendente de índios da Amazônia. Ele garantiu aos Uru-eu-wau-wau
que sua agência protegerá sua terra. “Agiremos para deter estas invasões”,
disse Ribeiro à Reuters após a reunião dos chefes tribais.
Mas semanas mais tarde
ninguém ainda foi punido, e os Uru-eu-wau-wau temem o pior. A tribo compartilhou
suas imagens de celular com a Polícia Federal, que flagrou um suspeito
invadindo sua terra — mas um juiz se recusou a emitir um mandado de prisão.
Autoridades disseram que
ainda procuram David Elias da Silva, agricultor local que liderou a invasão,
segundo alegam. A Reuters visitou sua casa, situada a pouca distância da
reserva. Sua esposa, Suely, não quis informar seu paradeiro, disse que ele é
inocente e culpou os indígenas pelos distúrbios. “Os índios não trabalham. Não
fazem nada. E essa é a causa de toda essa confusão”, afirmou.
Ataques em alta
Os conflitos com mineiros
e madeireiros ilegais se intensificaram no Pará e no Maranhão, disse a Funai.
Como os agentes da lei são poucos, algumas tribos criaram milícias armadas para
proteger suas terras.
As batalhas legais também
estão aumentando. No dia 31 de janeiro, o Partido Socialista Brasileiro (PSB)
contestou na suprema corte a decisão de Bolsonaro de encarregar o Ministério da
Agricultura de determinar as fronteiras de reservas — o tribunal ainda não se
pronunciou. A Constituição brasileira de 1988 garante às tribos direitos sobre
suas terras ancestrais.
Segundo Cleber Buzzatto,
secretário-executivo do CIMI, o plano presidencial de assimilar os indígenas é
uma reversão da diretriz federal de proteção ao seu habitat, línguas e
costumes. Ele teme que as mudanças provoquem um etnocídio.
O etnógrafo Sydney
Possuelo, autoridade destacada sobre tribos isoladas, também está preocupado.
Em dezembro ele estava na reserva do Vale do Javari, região no extremo oeste do
país que tem a maior concentração mundial de tribos jamais contatadas. Locais
que, disseram a Possuelo, viram centenas de “brancos” armados em barcos
entrarem na reserva pelo Rio Javari, onde coletaram peixes e tartarugas,
derrubaram árvores e prospectaram à procura de minerais.
Uma noite, alguns deles
abriram fogo contra uma pequena estação da Funai construída na reserva e foram
repelidos por quatro policiais que por coincidência estavam lá para uma visita
anual. Agentes da Funai que conversaram com a Reuters confirmaram o ataque.
Ninguém foi preso.
“A situação dos povos
indígenas do Brasil nunca foi muito boa. Mas em 42 anos trabalhando na
Amazônia, este é o momento mais perigoso que já vi”, disse Possuelo por
telefone. “Madeireiros, mineiros, caçadores, pescadores que invadem reservas
agora acham que o presidente está do lado deles.”
Fonte/Foto: Anthony
Boadle (Reuters)/Agência Brasil
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