ARTIGO DEDOMINGO: EUA X RÚSSIA = VENEZUELA
- por Lúcio Flávio Pinto
(*)
“Isso é crime, e não ajuda
humanitária”, é o artigo de Astrid Prange, publicada no portal da rádio
Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo
independente em 30 idiomas. É um ponto de vista externo reflexivo ponderado e
elucidativo.
Vamos deixar uma coisa bem
clara: a população da Venezuela precisa de ajuda humanitária. O número de
pessoas que luta pela simples sobrevivência aumenta a cada dia, e o
fornecimento de alimentos e medicamentos é uma catástrofe no país.
Tanto pior, portanto, que
o autointitulado presidente interino Juan Guaidó e seus apoiadores abusem da
ajuda humanitária e a usem como instrumento de poder. Aparecer do lado de
pacotes de comida para bebê rende boas imagens para a televisão, mas pouca
credibilidade política.
Pior ainda é o presidente
Nicolás Maduro. O sucessor de Hugo Chávez arruinou economicamente o país, e de
forma sistemática. Ele mandou prender os adversários políticos, tirou poder do
Parlamento, que é dominado pela oposição, e abandonou a população à própria
sorte.
Agora, a ajuda humanitária
deve servir, para os dois lados, de cobertura para o fracasso político. As
sanções contra o regime de Maduro, impostas desde 2015 pelos Estados Unidos,
não tiveram o “sucesso” esperado, ou seja, a queda do “Socialismo do Século
21”.
Elas apenas aceleraram o
declínio da Venezuela e empurraram Maduro cada vez mais para os braços de
Moscou e Pequim. Na semana passada, Maduro falava que não havia fome na Venezuela.
Agora, ele anuncia, às vésperas do embate de 23 de fevereiro, que 300 toneladas
de ajuda humanitária estão chegando da Rússia.
A Rússia é o principal
aliado da Venezuela. Já nos tempos de Chávez, o Kremlin enviava armas para as
Forças Armadas venezuelanas. Além disso, Caracas deve 12 bilhões de dólares
para Moscou – como garantia para empréstimos, a Venezuela empenhou nada menos
que a metade das ações da Citgo, uma rede de postos de gasolina nos Estados
Unidos que pertence à estatal petrolífera PDVSA.
A Rússia tem, com isso,
dois trunfos contra o presidente Donald Trump: por meio da Citgo, pode
influenciar o abastecimento de combustíveis nos Estados Unidos; e, por meio da
presença na Venezuela, se estabeleceu como importante ator internacional, ao lado
da China e dos EUA, na América Latina.
O mais novo exemplo é o
veto da Rússia no Conselho de Segurança da ONU, na semana passada. À resolução
dos EUA que exigia novas eleições e ajuda humanitária, Moscou contrapôs seu
próprio projeto de resolução.
O imbróglio deixa antever
um retorno à Guerra Fria. Que ela tenha como palco justamente a América Latina
é especialmente trágico. Afinal, a confrontação entre os Estados Unidos e a
Rússia foi oficialmente encerrada apenas em 2014, com a normalização das relações
diplomáticas entre EUA e Cuba.
Se houvesse um real
interesse em enviar ajuda humanitária para a população da Venezuela, agências
da ONU, como o Programa Alimentar Mundial, poderiam levar alimentos para o país
– se necessário, com um mandato do Conselho de Segurança. Organizações de ajuda
humanitária americanas e russas, bem como doadores de todo o mundo, poderiam
entregar suas remessas para a ONU em vez de usá-las para elevar a divisão
política dentro do país.
E ainda mais importante: o
governo da Venezuela poderia, ele mesmo, pedir ajuda à comunidade
internacional. Ajuda humanitária também poderia ser transportada a pé, por
voluntários, por outros pontos da fronteira além de Cúcuta – sem toda essa
cobertura midiática.
O atual uso político da
ajuda humanitária é tudo menos humanitário. Ele faz uma população inteira refém
e transforma quem presta ajuda humanitária em cúmplice de uma acirrada disputa
política de poder. Isso é um crime.
- (*) Nascido em
Santarém-PA, Lúcio Flávio Pinto é um professor, jornalista e sociólogo brasileiro.
É um dos mais prestigiados jornalistas do Brasil, e é o único brasileiro na
lista dos 100 mais importantes jornalistas da ONG Repórteres sem Fronteiras. É
sociólogo, formado pela Escola de Sociologia e Política da Universidade de São
Paulo.
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