TERRA PRETA: SOLO AMAZÔNICO PRODUZIDO POR INDÍGENAS E ALTAMENTE FÉRTIL INTRIGA CIENTISTAS
Aspectos da Terra Preta de Índio podem revelar mais
sobre a ocupação antiga da região, visto que as pesquisas indicam que a terra
preta foi criada pelos povos indígenas que viviam aqui antes da chegada dos
europeus
Quais são as propriedades
desse solo? Por que ele permanece fértil durante tanto tempo sem perder os
nutrientes? Responder estas perguntas ainda é um dos maiores desafios para quem
desenvolve estudos sobre a chamada Terra Preta de Índio (TPI), que é encontrada
na Amazônia. Quem aponta é o arqueólogo Eduardo Góes Neves, do Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP). O pesquisador
estuda a região desde os anos 1990 e já escavou inúmeros sítios com TPI.
Atualmente trabalha em áreas de Rondônia e Acre.
As respostas são
importantes em vários aspectos, de acordo com Neves. Um deles é que pode
revelar mais sobre a ocupação antiga da região, visto que as pesquisas indicam
que a terra preta foi criada pelos povos indígenas que viviam aqui antes da
chegada dos europeus. “Estima-se que havia mais ou menos oito milhões de
pessoas em toda a área da Pan-Amazônia na época. Através do manejo de solo
essas populações vêm transformando a floresta amazônica ao longo dos séculos e
milênios, mas ninguém sabe exatamente quando isso aconteceu”, afirmou.
A TPI é um indicador,
segundo o arqueólogo, porque é um solo que era natural e foi modificado, virou
fértil por causa da ação humana. Então saber quando começou a ser formada é
interessante também para descobrir qual a antiguidade desse processo de manejo,
que é um modelo agroecológico. “Os dados que conseguimos em Rondônia são
bacanas porque mostram que é um método milenar”, disse referindo-se à terra
preta encontrada no sítio Teotônio, em Rondônia, que data de cerca de seis mil
anos atrás, enquanto a achada no Amazonas tem em torno de 2.500 anos.
Mas Neves destaca que
havia gente vivendo na Amazônia bem antes disso. Há uns 14 mil anos e os dados
de Rondônia revelam que há pelo menos seis mil anos esse processo de
modificação e manipulação da natureza já estava acontecendo. “Mostram também
que algumas plantas eram cultivadas há cerca de nove mil anos, como a castanha
da Amazônia, o ariá (uma espécie de raiz) e a goiaba. A partir de seis mil anos
vemos que outras plantas passam a ser cultivadas também como milho,
batata-doce, talvez a mandioca e alguns tipos de feijões”, contou.
Outro fato relevante, na
visão do arqueólogo, é que se conhecer mais sobre a terra preta, a ponto que se
consiga reproduzi-la, será possível fazer uma contribuição significativa para a
agricultura na região, onde a maioria dos solos é pobre. Além disso, sabendo
como enriquecer esses solos com nutrientes, com uma forma mais sustentável de
produção, pode haver menos desmatamento. “Estamos vendo o aumento do
desmatamento, as ameaças à floresta e aos povos indígenas. Quando a floresta é
destruída não é só um patrimônio natural que perdemos, mas também o reflexo
dessas formas de conhecimento de natureza de manejo. Então é importante trazer
esse tipo de informação para que tenhamos mais empenho para proteger e
respeitar essa floresta e também esse conhecimento tradicional”, frisou.
Importância para a agricultura
Para o agrônomo Gilvan
Coimbra Martins, pesquisador da área de solo da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa) da Amazônia Ocidental, compreender como esses solos de
terra preta de índio se formaram e se mantiveram férteis numa região de alta
precipitação e perdas de nutrientes do solo como a Amazônia é fundamental para
que sejam encontradas maneiras mais sustentáveis de enriquecer o solo de forma
a melhorar o desempenho da agricultura e, ao mesmo tempo, reduzir o impacto do
uso de fertilizantes ao meio ambiente.
“A agricultura chegou num
estágio que precisa de coisas novas para aumentar a produtividade, então
entender esse solo de terra preta seria um avanço já que nosso solo, em geral,
tem baixa produtividade”, opinou o agrônomo.
O problema é que, apesar
de muitas pesquisas, inclusive desenvolvidas com equipe multidisciplinar e
multinstitucional pela própria Embrapa no Amazonas, ninguém consegue reproduzir
esse solo ainda. “O nosso projeto visava entender como esse solo foi formado.
Gerou vários dados da química e física desse solo, por exemplo, mas nada
conclusivo para que conseguíssemos reproduzi-lo. Precisa de mais detalhes para
replicarmos esse solo aqui”, afirmou.
Martins explica que, em
geral, os solos tem origem pela pedogenética (deterioração de rocha), mas a
terra preta provavelmente foi originada pelo manejo que nossos antepassados
fizeram. “O fato é que este é melhor, é eutrófico (fértil), tem muitos
nutrientes em relação ao nosso solo de origem pedogênica. Para a agricultura
seria bem melhor para plantar”, observou.
O que se sabe até agora,
diz o pesquisador, é que os indígenas faziam acumulação (restos de peixes,
animais e vegetais queimados) nas aldeias e usavam fogo em combustão parcial.
Tal estrutura de carvão torna o solo mais estável, mais difícil de degradar, ou
seja, pode ser usado bastante, mesmo assim conserva os nutrientes. “Mas ninguém
sabe o tempo que levava para fazer, nem a temperatura. O certo é que hoje em
dia você vai medir e sabe que esses nutrientes estão lá”, ressaltou.
Cenário local da arqueologia
O arqueólogo e pesquisador
Eduardo Góes Neves analisa que a situação, hoje em dia, para a pesquisa
arqueológica no Amazonas é bem melhor do que era há quase 30 anos quando ele
chegou à região. “Temos um grande laboratório bem montado na Ufam (Universidade
Federal do Amazonas) e um curso de graduação em arqueologia na UEA (Universidade
do Estado do Amazonas). Isso é muito bom”, comemorou.
Ao mesmo tempo, porém,
Neves critica a falta de uma área de arqueologia constituída na Ufam. “Não tem
arqueólogos. Tinha um, o doutor Carlos Augusto da Silva, que se aposentou. Não
tem nenhum professor de arqueologia na Ufam. Isso é uma pena porque o Amazonas
é um estado tão importante, tão grande, com uma universidade tão boa quanto a
Ufam, mas não tem uma área de arqueologia desenvolvida”, citou.
Para ele, é preciso
contratar arqueólogos para formar novos profissionais da área na Ufam a fim de
atender a demanda da região. “Tem muitos alunos que gostariam de seguir
carreira através da Arqueologia. Estudantes dos cursos de história, ciências
sociais, geografia, por exemplo. A Ufam tem um laboratório que a infraestrutura
para arqueologia é uma das melhores do Brasil, mas faltam professores que
tragam pesquisa, que sejam daqui, que vivam aqui, que trabalhem na
universidade”, salientou.
Neves comenta que em
outros lugares da Amazônia esse quadro está um pouco melhor – quando se trata
de ensino e pesquisa na área de arqueologia em instituições federais. “Em
Rondônia (RO), tem um curso de graduação em arqueologia com vários arqueólogos;
em Santarém (PA), também tem um com bons arqueólogos; em Belém (PA), temos o
Museu Goeldi; em Macapá (AP), o IEPA (Instituto de Pesquisas Científicas e
Tecnológicas). Ou seja, em geral, a situação está melhorando, tem mais centros
de pesquisa, laboratórios organizados, mas, mesmo assim, dada a dimensão da
Amazônia, teria que ter muito mais ainda”, expôs.
Imensas áreas do Amazonas
ainda são totalmente desconhecidas, diz Neves. “O que conhecemos um pouquinho
melhor é parte do rio Negro, região de
Manaus, Manacapuru, Iranduba, um pouco de Parintins, Itacoatiara, Maués, alguma
coisa de Coari e agora de Tefé, onde tem um
grupo ativo no Instituto
Mamirauá. Tirando esses lugares, ninguém sabe quase nada dos demais”.
Fonte/Fotos:
A Critica – Manaus/Eduardo Neves
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