ARTIGO DEDOMINGO: Ó BELÉM!
*por Lúcio Flávio
Pinto
Depois de algum tempo,
voltei a fazer, hoje, o meu roteiro dominical pela Cidade Velha e arredores.
Partilho com meus leitores algumas das minhas observações, esperando que tenham
utilidade.
- Não estava funcionando o
comércio de CDs e equivalentes piratas. Talvez os intermediários tenham
resolvido mesmo tirar o dia para o descanso regulamentar. Ou esse mercado foi
extinto? Se alguém tiver a resposta, que a apresente. Estou desatualizado na
matéria.
- A João Alfredo está mais
caótica do que nunca, mais suja, mais abandonada, com a aparência de caos
malmente remediado. Mesmo num domingo, a caminhada não é fluente. É preciso
passar de uma calçada para outra ou para a própria rua, com seus
paralelepípedos desarrumados, quando o flâneur se depara com um depósito de
mercadorias pelo caminho.
- O prazo contratual para
a conclusão das obras de conservação da Casa das 11 Janelas termina no próximo
dia 19. O serviço custará aos cofres públicos 2 milhões de reais. É dinheiro. O
trabalho ficou caro porque o local foi abandonado pelo ex-secretário de
Cultura, Paulo Chaves. Talvez tenha sido uma represália à frustração do seu
projeto de transformar o local num centro gastronômico (projeto transferido
para o parque do Utinga, novamente frustrado), em substituição ao seu primeiro
uso (um restaurante arrendado a particular, que foi mandado em frente,
provavelmente por capricho do poder concedente, e uma galeria de arte).
- A recuperação,
restauração ou conservação de prédios públicos históricos parece depender do
estado de deterioração em que ele se encontra. Deve haver uma tabela de valores
informal estabelecendo quando a maturidade orçamentária é atingida. Sinais do
avanço do tempo já podem ser observados na maravilhosa igreja do Carmo. Os
sinais estão no início, com infiltrações, mas a mineradora Vale, que bancou o
excelente serviço realizado no templo, poderia financiar sua manutenção periódica
(bianual?). E que tal intervir no Beco do Carmo para que ele vire passarela de
pedestres? A prefeitura faria a sua parte de dois modos: fiscalizando
permanentemente o local (e circunvizinhanças) e desapropriando os imóveis que
impedem a visão da baía, complementando a iniciativa com obras de
embelezamento.
- Os livros novos estão
caros, algumas livrarias estão ameaçadas e o hábito de leitura do brasileiro,
que não é dos melhores, está sendo desestimulado. Felizmente, há sebos ao ar
livre na praça da República aos domingos. Parece, no entanto, que a Secon se
mexe para novamente reprimir essa nobre atividade cultural. Os donos de sebos
se ajustaram às exigências, colocando seus livros em estantes e se localizando
numa área vaga de vendas, sem prejudicar artesãos e ambulantes cadastrados. Mas
as autoridades parecem não se convencerem da utilidade pública desse comércio,
que atrai para a praça um público diferenciado do frequentador costumeiro e
coloca ao alcance do consumidor médio ou remediado livros mais baratos ou
indisponíveis nas livrarias. O prefeito Zenaldo Coutinho, que se considera
poeta e já lançou dois livros, não pode macular o seu currículo com esse
cometimento. Livros livres, prefeito!
- Last but not least, renovo o elogio à Sol Informática pela manutenção – já por tanto
tempo – à parte mais linda da linda praça da República, com seu centro e
símbolo no chafariz das sereias. Só não parecemos a Paris tropical de outrora
porque sempre há pessoas incivilizadas no perímetro. Mas, principalmente,
porque, diante da praça,o maltratado prédio do IEP, a antiga escola das
normalistas lindas, e, anteriormente, a sede de um dos mais modernos jornais do
Brasil, A Província do Pará de Antonio Lemos, é uma prova de acusação ao poder
público, bovinamente inerte diante de mais essa destruição cultural em Belém,.
-
Apesar de tudo, bom domingo a todos. E que Deus continue a nos proteger.
*Lúcio Flávio Pinto é jornalista profissional desde 1966. Percorreu as redações de algumas
das principais publicações da imprensa brasileira. Durante 18 anos foi repórter
em O Estado de S. Paulo. Em 1988 deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal
Pessoal, newsletter quinzenal que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém
No jornalismo, recebeu
quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos Jornalistas. Por
seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em
Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace e, em 2005, o prêmio anual do
CPJ (Comittee for Jornalists Protection), de Nova York.
Tem 21 livros individuais
publicados, todos sobre a Amazônia, os últimos dos quais Amazônia Decifradada e
A Questão Amazônica. É co-autor de numerosas outras publicações coletivas,
dedicadas à Amazônia e ao jornalismo. Recebeu o Prêmio Wladimir Herzog de 2012
pelo conjunto da sua obra. Foi considerado pela ONG Repórteres Sem Fronteiras,
com sede em Paris, como um dos mais importantes jornalistas do mundo, o único
selecionado no Brasil para essa honraria.
É sociólogo, formado pela
Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1973). Foi professor visitante
(1983/84) do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade da Flórida em
Gainesville, EUA. Foi professor visitante no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos
e no Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Pará.
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