POVO ARARA LUTA PARA PROTEGER SEU TERRITÓRIO
Typy Arara prepara o timbó para pesca no igarapé Cachoeira Seca |
Campeã
de desmatamento, Terra Indígena Cachoeira Seca (PA) sofre com retirada ilegal
de madeira e invasões. Ministério Público Federal se comprometeu a pedir na
Justiça a efetivação do plano de proteção territorial
“Estamos cansados, mas não vamos parar de
lutar pelo nosso território”. É assim que Mobu Odo, cacique do povo Arara da
Terra Indígena (TI) Cachoeira Seca do Iriri, começa a entrevista, realizada às
vésperas de uma reunião com o Ministério Público Federal (MPF), em Altamira
(PA). Os Arara foram até a cidade na última quarta feira (29) para denunciar a
intensificação do desmatamento e exigir apoio do MPF para efetivar a
desintrusão dos invasores de sua terra.
Desde janeiro foram destruídos 1.096 hectares
de floresta no interior da área protegida. O roubo de madeira e a
intensificação a grilagem são as principais causas do avanço do desmatamento.
Apenas em 2016, ano de pico da invasão, foi retirado o equivalente a 1,2 mil
caminhões de madeira ilegal. Desde 2009, 15.689 hectares de floresta foram
derrubados, colocando a TI no topo das mais desmatadas no país.
[Veja o avanço do desmatamento no De Olho no
Xingu]
Na reunião, Thais Santi, procuradora do MPF,
se comprometeu a propor uma medida judicial sobre o caso da Cachoeira Seca e
acompanhar os Arara em uma audiência na Justiça Federal para que denunciem,
mais uma vez, a situação de vulnerabilidade de seu povo e território. A
previsão é que a reunião aconteça no final de setembro.
Desintrusão urgente
A principal demanda hoje é pela desintrusão
dos ocupantes não indígenas da área e a efetiva implementação de um plano de
proteção no território. A desintrusão da TI e a construção de duas bases de
proteção são condicionantes da Usina Hidrelétrica (UHE) Belo Monte que ainda
não foram cumpridas. Esse processo faz parte de um plano de vigilância e
fiscalização que deveria ter sido implementado antes da construção da usina, em
2009, mas que ainda não saiu do papel. [Saiba mais]
Em abril deste ano, uma comitiva de indígenas
Arara, Mobu Odo entre eles, esteve em Brasília para cobrar mais uma vez a
retirada dos invasores de suas terras. A Fundação Nacional do Índio (Funai)
afirmou que a questão se resolveria rapidamente, mas até o momento nada
caminhou. A Coordenação Geral de Assuntos Fundiários (CGAF) explicou que o
órgão já fez o cadastro dos ocupantes não indígenas e agora estão conferindo os
dados.
O técnico responsável por esse trabalho foi
realocado para outra função, mas deve retornar no início de setembro, quando,
segundo a CGAF, o processo caminhará com mais agilidade.
De acordo com a Funai, foram identificadas
1.085 ocupações de não indígenas no interior da área, sendo 72% de pequenas
propriedades. Após a avaliação se as benfeitorias são de boa ou má fé, o órgão
indigenista pode encaminhar a saída gradativa e o reassentamento dos ocupantes
junto ao Incra.
Enquanto isso, a situação de vulnerabilidade
dos Arara, povo de recente contato, se agrava. A Terra Indígena Cachoeira Seca
está cercada por todo tipo de conflitos socioambientais como disputa de terras
e roubo ilegal de madeira. Mobu Odo conta que a comunidade consegue ouvir o
barulho de máquinas utilizadas para extração de madeira cada vez mais perto da
aldeia. “Ficamos acuados. Saímos para caçar e encontramos picadas. Não podemos
andar nem caçar longe da aldeia”, desabafa.
Para Carolina Reis, advogada do ISA, o não
cumprimento do plano de proteção tem contribuído para agravar a insegurança
territorial da TI, e é fundamental que haja uma cobrança incisiva para que a
Norte Energia, concessionária de Belo Monte, e o governo cumpram essa
condicionante. “A ação na Justiça vem a apoiá-los no cumprimento das
condicionantes da desintrusão da TI e do Plano de Proteção Territorial, que são
fundamentais para garantir a sobrevivência do povo no seu território”, alerta.
Extrativismo ameaçado
Os Arara utilizam grandes porções de seu
território para coleta de castanha, babaçu, caça, e outros produtos da
floresta. A exploração madeireira, além de promover intensa degradação
ambiental, impede que a comunidade percorra a TI para exercer essas atividades.
Uma das frentes madeireiras, na região do Igarapé Dois Irmãos, incide sobre
áreas utilizadas pelos indígenas para a coleta de castanha e extração de óleo
de copaíba.
Hoje os Arara fazem parte da Rede de Cantinas
da Terra do Meio, e, após articulação com os beiradeiros, passaram a entregar
castanha, babaçu e copaíba nas cantinas da região. Apenas na safra deste ano,
os Arara produziram quatro toneladas de castanha e a estimativa é que entreguem
200 quilos de farinha de babaçu.
Leonardo de Moura, técnico do ISA que trabalha
com os Arara desde 2014, explica que o babaçu é um alimento ancestral deste
povo que havia sido abandonado após o contato. Com o incentivo da
comercialização, os
Arara passaram a retomar a sua produção:
“todas as mulheres da aldeia se interessaram e estão produzindo a farinha”,
comemora.
Ao fazer a coleta dos produtos da floresta, os
Arara aproveitam para percorrer grandes distâncias e monitorar seu território.
“Eles têm furado copaíba e aproveitado para fazer vigilância em determinadas
áreas”, explica Leonardo.
30 anos de luta
Em 1972, a construção de um trecho da rodovia
Transamazônica cortou ao meio o território dos Arara, que até então viviam em
isolamento voluntário, fazendo com que a região fosse invadida por colonos,
garimpeiros e madeireiros ilegais. Além de ter suas terras drasticamente
reduzidas, os Arara sofreram com conflitos, mortes e desagregação social. O
caso foi registrado como grave violação de direito humano pelo Relatório da
Comissão Nacional da Verdade, em 2014.
Uma frente de atração foi instituída ainda nos
anos 1970 pelo governo e os primeiros grupos foram contatados quase uma década
depois, entre 1981 e 1984. Apenas em 1987, a comunidade que hoje vive na TI
Cachoeira Seca foi oficialmente contatada. Nesse meio tempo, os estudos de
identificação das áreas foram avançando, ainda que lentamente por causa dos
conflitos na região.
A TI foi interditada para estudos em 1985 e
homologada mais de 30 anos depois, em abril de 2016, tornando esse processo de
demarcação um dos mais longos da história.
Até hoje o processo de licenciamento ambiental
da BR-230, a Transamazônica, encontra-se irregular por ausência de medidas de
prevenção, mitigação e compensação de impactos da estrada sobre os direitos,
território e modo de vida do povos Arara.
Fonte/Foto:
ISA Instituto Socioambiental
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