CHEFE DA FUNAI EMITE ‘CERTIFICADOS DE CACIQUES’


Ex-assessor do ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun (MDB-MS), o coordenador regional da Funai em Campo Grande (MS), Paulo Rios Júnior, passou a emitir “certificados de reconhecimento” a caciques indígenas no Estado, o que enfureceu antropólogos e indigenistas do órgão.
Rios Júnior foi, em 2010, assessor de gabinete de Marun na Assembleia Legislativa do Estado, quando o atual ministro era deputado estadual pelo MDB. Ele foi indicado ao cargo em setembro passado pelo então deputado federal. Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena do país.
O coordenador divulgou em sua própria página pessoal, em uma rede social, pelo menos quatro “certificados”, todos para índios terenas. Os papéis têm o timbre da Funai (Fundação Nacional do Índio) e um texto padrão assinado por Rios Júnior.
Diz que o coordenador “concede o certificado” a determinado indígena “em reconhecimento ao cargo de cacique”. Cita o número de votos que o cacique recebeu em eleição interna na aldeia. Ao final, o coordenador escreve: “Reconheço o presente, através da ‘ata’ lavrada no mesmo dia”.
Na sua página em rede social, Rios Júnior também criou uma hashtag, “certificadodereconhecimento”, e anunciou: “Todos os caciques eleitos e outros que estão com seus mandatos assegurados serão recebidos desta forma”.
O chefe da Funai postou na página diversas fotos ao lado de Marun e do ex-governador André Puccinelli (MDB-MS). Em uma delas reproduziu uma pesquisa de intenção de voto e escreveu: “Fenômeno ministro Marun”.
Em foto com Puccinelli, em dezembro, o coordenador postou “Bora que 2018 é logo ali”, em referência às eleições, e a hashtag “partiualdeias”. Rios Júnior também comemorou quando, em dezembro passado, apareceu citado numa pesquisa para deputado estadual. “Obrigado meu MS, pois onde eu passo deixo uma semente.”
A prática dos “certificados” consternou a INA, associação criada em 2017 por servidores da Funai.
“Isso, no nosso entendimento, é um desastre de política, uma afronta à autonomia dos povos indígenas. O estatuto da Funai diz que nós devemos respeitar suas formas próprias de organização social e jamais caberá ao Estado brasileiro certificar quem é uma liderança indígena. Isso cabe aos povos indígenas resolver”, disse a presidente da entidade, Andrea Prado, durante audiência pública realizada na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (12).
Ela exibiu os certificados aos deputados da Comissão de Legislação Participativa.
O secretário-executivo do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), Cleber Buzatto, disse que é a primeira vez que ouve falar em “certificados” do gênero e considera a prática “uma intromissão externa sobre a vida e a autonomia dos povos indígenas”.
“A decisão sobre quem são seus caciques é da própria comunidade e ela tem legitimidade em si, não precisa ser abonada pelo órgão indigenista. É um indicador de uma volta de uma ação tutelar pelo Estado sobre as comunidades. Lembra os tempos da ditadura militar [1964-1985], quando a Funai permitia entrada ou saída de indígenas nas aldeias e abonava ou não as lideranças indígenas”, afirmou Buzatto.
Em dezembro de 2016, quando ainda era deputado federal, Marun confirmou ao portal de notícias “Midiamax” que havia feito a indicação de Rios Júnior. “Ele é de Porto Murtinho [MS], tem um contato positivo com indígenas de lá, tem uma longa militância. Isso foi sinalizado aqui no governo e vamos ver se será aceita.”
A Funai foi procurada pela reportagem na última terça-feira (12). O órgão informou que a posição seria passada pelo presidente, Wallace Bastos, o que não havia ocorrido até o fechamento deste texto. A Folha também telefonou para a Funai em Campo Grande, mas ninguém atendeu na manhã desta quarta-feira (13).

Fonte: Rubens Valente - Folha de São Paulo

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